“Calma, eu quero que você fique absolutamente calmo e confie em mim”.
Exaustivamente repetido pelo cientista Zero (Wágner Moura), esse bordão resume bem a confiança em um final feliz apesar da aparente insistência do tempo em conspirar contra os nossos planos. Simultaneamente, o refrão de Tempo Perdido do Legião Urbana questiona a obstinação do ser humano em relação aos erros passados quando deveria olhar sempre em frente, aproveitar a juventude que lhe resta. Feitas essas considerações, O Homem do Futuro é a aventura de viagem no tempo mais gostosa desde De Volta para o Futuro e um dos melhores filmes nacionais deste ano.
Ancorado por uma grande atuação de Wágner Moura, a narrativa acompanha o arrogante e frustrado Zero que, nos tempos atuais desenvolve uma forma alternativa de energia. Incapaz de esquecer um amor no passado, pontualmente ressurgindo em flashbacks banhados por uma aura quase onírica realçado pela intensa iluminação, Zero se esforça em conviver com os outros e consigo mesmo. Assim, a insatisfação com a vida é patente na maneira com que se relaciona com o melhor amigo Otávio (Fernando Ceylão) e a chefe Sandra (Maria Luisa Mendonça), e nem mesmo a prepotência em relação a todos os outros ao seu redor ameniza a amargura de um coração partido.
Como H. G. Wells ensinou em A Máquina do Tempo, o amor é um combustível muito forte à grandes realizações da humanidade. Esse sentimento que, durante os testes de um acelerador de partículas, materializam Zero na década de 91, especificamente no fatídico dia 22 de novembro. Habilmente escrito pelo diretor e roteirista Cláudio Torres, não demora muito para que Zero aceite o conceito de viagem no tempo, o que engrandece a inteligência do personagem e ajuda a narrativa a ir direto ao ponto, ou seja, o momento em que, na festa de formatura da faculdade, Zero é humilhado por quem mais amava, Helena (Alinne Moraes).
Com um humor na medida certa, Zero é surpreendido com uma tarifa de táxi superior a 30.000 (tempos de inflação), molesta um pedestre para saber em que dia está, o que é prontamente arrematado com um “1991… depois de Cristo” e causa o estranhamento de um garçom na transmissão ao vivo de um jogo do Flamengo. Isto, evitando a fórmula exaustiva do humor de telenovela e Zorra Total que parece abundante na produção cinematográfica recente. Mas, embora bem vindas as intromissões cômicas, O Homem do Futuro parece (corretamente) interessado nos sentimentos do personagem que é a alma do projeto.
Conhecemos a versão mais nova de Zero, até então chamado pelo nome de batismo João, um jovem ingênuo e sensível cujos olhos não conseguem esconder a admiração e paixão por Helena. O que expõe o principal ponto da composição de Wágner Moura e deixa fácil para o espectador aceitar que o mesmo ator consiga interpretar com tamanha autoridade três versões de si próprio. Além disso, isto atende aos propósitos narrativo de Cláudio Torres ao ilustrar como um evento aparentemente insignificante para muitos (a humilhação de João) modifica toda a personalidade de uma pessoa.
Dedicado a dar uma nova chance para João, modificando os eventos no passado para lhe dar fama, fortuna e amor, Zero parece até bem intencionado na compaixão sentida, mas incerto dos efeitos da modificação no tempo. Aí que, não apenas uma ótima comédia romântica, O Homem do Futuro acrescenta algo novo no conceito de viagem no tempo: a criação de um futuro alternativo, em que Zero é o bilionário dono de uma empresa, porém amargurando uma vida infeliz. Sem amigos, acompanhado daquele que antigamente era um inimigo, Ricardo (Gabriel Braga Nunes) e longe do amor da sua vida, o Zero alternativo tem que corrigir o passado para seguir o curso normal.
Sem deixar grandes furos detrás (ou ao menos não nos fazendo procurar por eles), Cláudio Torres questiona a todo instante se o presente é assim porque alguém do futuro o modificou anteriormente. Mais do que a superação de um paradoxo temporal, como aquele proposto por H. G. Wells, o retorno ao passado de Zero e do Zero do futuro remonta à imodificabilidade e determinismo do fluxo do tempo, o que parece ser uma decisão acertada do roteiro.
Há pequenas falhas, pois se Claúdio Torres é inteligente em usar planos inclinados para ilustrar o desconforto de Zero no passado, ele exibe esquematismo em algumas cenas (“Eu tenho um encontro daqui a 20 anos”) e um didatismo irritante quando desenha para o espectador o que aconteceu, duvidando imediatamente da inteligência do público. E embora a música incidental seja genial, com Legião Urbana, R.E.M. e outros, os elementos de trilha sonora das ficções da década de 60/70, como Perdidos no Espaço e Jornada nas Estrelas, são apenas inconvenientes.
Apresentando personagens tridimensionais e bem caracterizados, que se tornam mais grandiosos quando vistos sob o prisma da viagem na tempo (observe como o sorriso de Helena ao pendurar a placa de Zero no pescoço de João exibe traços de embaraço e um choro contido), é difícil não se apaixonar por esta ficção científica romântica que encerra com notas muito otimistas a sua história sobre grandes amizades e amores inesquecíveis.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
5 comentários em “Crítica | O Homem do Futuro”
Ô, meu caro, eis aí um filme que o trailer não me chamou muito atenção e que só vou conferir pela tua abordagem a ele aqui… Confesso que estou impressionado ao saber que o filme traz tudo isso, e me parece realmente muito bom. Amanhã é feriado… vai ser amanhã mesmo.
=)
Olá, meu comentário quase repete o do Luiz, o trailer não me convenceu, e eu estou um pouco desgostosa com o cinema Brasileiro, mas depois de ler sua opinião fiquei interessada, vou ver se esse final de semana vou ao cinema.
Muito bom o filme, vale apena conferir…superou minhas expectativas, mas muito bom mesmo, um avanço no cinema brasileiro mesmo que ainda com suas falhas observáveis, vale apena assistir!
Depois de ter visto este filme (entre outros brasileiros), fico estupfacto como ai têm dito tão mal da produção brasileira. Os filmes portugueses são de forma geral massadores, sem grande acção ou temas de interesse, por outro lado o cinema brasileiro tem tudo isso e mais excelentes interpretações.
Não digam mal do que é vosso. Apoiem o vosso cinema porque ele merece.
Amei o filme!!!!!
"Calma, eu quero que você fique absolutamente calmo e confie em mim".
aiiiiiiii…
quero assistir novamente!!!
Cinema brasileiro ta super!!!