O diretor e roteirista Kim Min-suk parece compreender em O Dominador que o segredo do sucesso dos grandes filmes de super-heróis reside na ameaça apresentada por seu nêmesis, o vilão. Assim, a narrativa deste longa confere um peso diferenciado à história de origem do ameaçador e frágil Cho-in (Dong-won), que descobriu ter o poder de controlar a mente dos outros olhando diretamente nos seus olhos. Munido deste, ele mata o abusivo padrasto e livra-se da mãe para viver uma existência isolada. Diante disso, é importante o plano que o coloca diante de um cardume de peixes, remontando a sua incapacidade de existir em seu próprio cardume, a sociedade.
Certo dia, ele invade a loja de penhores na qual Gyoo-nan (Soo) trabalha, apenas para descobrir que este não é suscetível a sua capacidade de controlar mentes. Além disso, Gyoo-nan apresenta um poder de cura surpreendente, algo que ele parece incapaz de compreender, o transformando no herói responsável para impedir Cho-in… evidentemente, que com um toque sul-coreano de ser!
Dessa maneira, ao mesmo tempo em que cria momentos memoráveis, como aquele em que Cho-in controla um prédio inteiro ou outro em um metrô, Kim Min-suk parece exagerar nos planos inclinados, que perdem toda a sua eficiência ao serem usados sem propósito narrativo. O diretor também exagera no aspecto trash da narrativa, logo, os closes sucessivos nos olhos de Cho-in enviaram-me diretamente a O Grito, enquanto o senso de humor exagerado parece incapaz de reconhecer a urgência da narrativa e o destino de alguns personagens bastante importantes.
Por outro lado, o filme evita vilanizar excessivamente Cho-in no restante do tempo em que não está focando os seus olhos, e o transforma em um sujeito trágico que, na figura de um boneco sorridente, esconde um sonho de poder ser igual a todos os outros. Ao mesmo tempo, a narrativa funciona como gênese de um super-herói falho, cujas as ações poderão render consequências interessantes no seu caráter em possíveis continuações vindouras.
Sobretudo, apresentando a dimensão dos poderes de Cho-in de maneira inteligente, levando-nos a temer pelo sucesso do herói, e culminando em um clímax empolgante, O Dominador é inequivocamente irregular, mas convence exatamente na obstinação clássica existente em todo super-herói de nunca desistir.
39) Habemus Papam (Idem, Itália/França, 2011). Direção: Nanni Moretti. Roteiro: Nanni Moretti, Francesco Piccolo, Federica Pontremoli. Elenco: Michel Piccoli, Nanni Moretti, Jerzy Stuhr. Duração: 102 minutos.
Nanni Moretti é um dos autores mais interessantes do cinema italiano, urgentemente precisando diminuir a sua vaidade e narcisismo. Afinal de contas, apesar de contar com uma premissa genial, Habemus Papam acaba vítima justamente da insistência do diretor, roteirista e ator em estar em cena nos instantes em que sua presença era desnecessária, sabotando diretamente os ótimos momentos de Michel Piccoli que, sempre que buscava refinar o excepcional personagem, é interrompido por uma sequência prescindível protagonizada por Moretti.
Durante o conclave para escolha do novo papa, o cardeal escolhido (Piccoli) parece não pronto para suportar a responsabilidade de carregar uma legião de católicos, sofrendo de depressão, crise nervosa ou, mais apropriadamente, “déficit de afetividade”. Incapaz de buscar uma solução internamente, o Vaticano convoca um psicoanalista (Moretti) para diagnosticar e ajudar o papa a lidar com a ansiedade e seus problemas. No entanto, prevenido de não mencionar sexo, o relacionamento com a mãe ou sonhos, em uma divertida passagem que ironicamente resume a profissão de psicólogo, o sujeito fica sem armas para lidar com a situação do papa. Pior é que, enquanto não conseguir retomar o estado de espírito do papa, o psicoanalista não poderá sair do palácio do Vaticano.
Com bastante bom humor, Moretti apresenta o conclave como uma enfadonha obrigação e honraria que ninguém que receber. Além disso, a falta de luz e a espiada discreta do voto do cardeal vizinho provocam fartos risos justamente por humanizar os cardeais e o Vaticano como um todo. Além disso, é inegável o esforço de Moretti em transformar aqueles homens de batina em seres doces e amáveis, especialmente o portavoz (Stuhr).
Todavia, uma decisão na metade da produção, apesar de conferir peso dramático ao papa e permitir uma decisão interessante e audaciosa do portavoz, prejudica irreparavelmente o ritmo principalmente porque Moretti continua-se julgando importante e imprescindível para a continuidade narrativa, quando não o era mais. Portanto, um campeonato de vôlei entre cardeais, divertidinho e bobinho, não tem absolutamente qualquer relevância à história contada.
Isso porque, Habemus Papam é muito melhor quando exclusivamente centrado em Michel Piccoli, com uma excepcional e feliz atuação. Diminuído no trono papal desde o momento em que foi escolhido, o papa é prisioneiro no seu próprio palácio, o frustrando por impossibilitá-lo de lidar com sua incapacidade de lidar com a responsabilidade. Reconhecendo uma juventude frustrada, por não ter seguido o sonho que traçara para si mesmo, Piccoli é especial justamente transformando aquele frágil e vulnerável homem em alguém bondoso, generoso e falho, o que, imediatamente poderia convertê-lo em um papa piedoso e justo.
Encerrando a narrativa corajosamente, Habemus Papam é um grande filme e uma comédia original, que é prejudicada pela vaidade de um Moretti incapaz de reconhecer a sua condição de coadjuvante.
38) A Casa (Dom, República Tcheca/Eslováquia, 2011). Direção: Zuzana Liová. Roteiro: Zuzana Liová. Elenco: Judit Bárdos, Miroslav Krobot, Marián Mitaš, Lucia Jasková. Duração: 97 minutos.
A Casa é um drama familiar lugar-comum acerca de Inrich (Krobot), um pai de família rigoroso, que constrói uma casa no quintal de sua casa para sua filha Eva (Bárdos). Obrigada a trabalhar na construção do seu próprio presente de 18 anos, Eva sonha em morar em Londes, envolve-se com um homem casado Jakub (Mitas) e acompanha o retorno da família de sua irmã Jana (Jasková) às proximidades do convívio.
O roteiro e a direção de Zuzana Liová pouco diferenciam este de muitos outros dramalhões recentes e mais interessantes. A metáfora da construção da casa e da fixação de uma residência não é suficiente atraente para entender o significado daquela garota de tornar-se independente do poder pátrio familiar. Nem mesmo os problemas financeiros vividos pelos personagens parecem obstáculos para o desenvolvimento narrativo, bastando ver que eles surgem em situações pontuais como um sapato que não pode ser comprado ou o não pagamento de um aluguel.
Para funcionar, Eva deveria ser minimamente interessante, e não o é. Parte pela descrição desta no roteiro, parte pela atuação de Judit Bárdos, que apesar de bela, é pouco expressiva e não consegue convergir os sentimentos de indignação, raiva, angústia, tristeza e alegria, parecendo uniforme durante toda a narrativa. Miroslav Krobot saí-se um pouco melhor, apesar da cara de poucos amigos determinar a sua atuação, transformando no clichê do homem duro e exigente que esconde um bom coração.
Comum, inclusive no retrato das roupas surradas e sujas de Inrich, ou na fotografia opressiva que esconde uma mudança sutil no plano final, A Casa é apenas um coadjuvante, incapaz de provocar sentimentos mais ferozes e distintos.
37) A Maleta Mexicana (The Mexican Suitcases, México/Espanha/Estados Unidos, 2011). Direção: Trisha Ziff. Roteiro: Trisha Ziff. Duração: 86 minutos.
A descoberta de três maletas, contendo 4.500 negativos, dos famosos fotógrafos de guerra Robert Capa, Gerda Taro e David Seymour (Chim), tirados durante a Guerra Civil Espanhola, é um dos marcos mais importantes para a história da fotografia e uma relato de coragem de três homens cujas armas usadas para batalhar o facismo do general Franco foram apenas a ousadia e as câmeras. Mais, esses três inauguraram o fotojornalismo de guerra, no qual fotógrafos colocam-se em linha de fogo, no meio dos combates, para buscar a verdade nua e crua dos fatos.
Nesse sentido, o documentário de Trisha Ziff não apenas converte aqueles homens em heróis e apresenta algumas dessas várias fotografias, como também discute a importância e a capacidade das fotos em mudar o mundo (imediatamente, me veio à cabeça a imagem da garotinha nua, correndo durante a guerra no Vietnã). Contando com bastante emoção e poder narrativa, a descoberta e luta pela guarda desses negativos, Trisha Ziff parabeniza os mexicanos pela decisão de abrir as portas do seu país para os refugiados espanhóis buscando uma nova casa e uma chance de recomeçar (inegavelmente, por contraste, isso critica a atual postura de fronteiras do governo norte-americano).
O documentário é enriquecido por depoimentos, por citações proferidas pelos heróis, “Se a fotografia não está boa, você não está perto o bastante”, e pela metáfora que diz que as memórias estão enterradas, refletindo na descoberta da maleta e, sobretudo, nos corpos exumados descobertos na Espanha, de pais e avós de cidadãos que apenas conhecem aquilo que lhes foi transmitido. Além disso, as fotografias são importantes por revelar a natureza cruel do governo franquista, e é de um cinismo revoltante como alguns países são incapazes de reconhecer as tragédias que eles mesmos provocaram.
Apresentando uma linda trilha sonora que confere a dramaticidade e a importância necessárias à história contada, as maletas mexicanas e a reinserção das fotos em contexto, glorificando o trabalho de Capa, Chim e Taro, transformam este documentário em um poderoso e envolvente retrato (com o perdão do trocadilho) da importância de se reconciliar e recordar o passado.
36) Tudo pelo Poder (The Ides of March, Estados Unidos, 2011). Direção: George Clooney. Roteiro: George Clooney, Grant Heslov, Beau Willimon (baseado na peça de Beau Willimon). Elenco: Ryan Gosling, George Clooney, Philip Seymour Hoffman, Paul Giamatti, Marisa Tomei, Evan Rachel Wood, Jeffrey Wright. Duração: 101 minutos.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.