A Pele que Habito (La Piel que Habito, Espanha, 2011). Direção: Pedro Almodóvar. Roteiro: Pedro Almodóvar. Elenco: Antonio Banderas, Elena Anaya, Marisa Paredes, Jan Cornet, Roberto Álamo. Duração: 117 minutos.
Depois do decepcionante e melodramático Abraços Partidos, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, na ânsia de reviver seu momento aúreo da década passada quando lançou os excelentes Vólver, Fale com Ela e Tudo Sobre Minha Mãe (este de 1999), resolveu reinventar-se em um moderno conto de terror. Para isso, convocou Antonio Banderas, antigo colaborador, e abraçou esta versão contemporânea e sensual de Frankenstein acerca do brilhante cirurgião plástico Robert Ledgard, obcecado em desenvolver a pele perfeita, resistente a qualquer tipo de dano, e cuja cobaia nos experimentos, a enigmática Vera, guarda a chave do segredo envolvendo as tragédias vividas por Robert. Apesar da sugestiva premissa, A Pele que Habito, mais do que provocar arrepeios, causa risos desinibidos, graças a maneira desastrada com que Almodóvar conduz a sua narrativa e apresenta revelações que transformam este em um dos piores filmes do ano (e um dos piores da carreira do diretor).
Ambientado na isolada mansão de Robert Ledgard (Banderas), na pacata cidade de Toledo, o roteiro de Almodóvar, baseado no livro de Thierry Jonquet, superficialmente apresenta o cirurgião em um congresso de medicina, no qual menciona o transplante de rosto e os seus avanços na sintetização da nova pele. Guardando a menção de uma terapia transgênica para local mais reservado, e ameaçado com a cassação de sua licença, Robert se isola nas pesquisas, até que é surpreendido com a chegada de Zeca (Álamo), filho da governanta da casa Marília (Paredes), catalisador de uma reação em cadeia de violência e revisitação às memórias.
Rapidamente, porém, o roteiro deixa de se levar a sério, e a imagem de um homem que chega à mansão vestido de tigre é suficiente para que o espectador ignore a brutalidade das suas ações e concentre-se, exclusivamente, no figurino do rapaz. Além disso, o procedimento cirúrgico central da narrativa e a falta de tato com que o conceito é apresentado, culminando na apresentação de alguns instrumentos fálicos é o suficiente para que o público substitua os resquícios de seriedade pela absoluta incredulidade. Mais do que ser cômico ao invés de assustador, o roteiro de Almodóvar jamais explora o conceito da pele perfeita ou testa as suas qualidades, tornando o sermão sobre transgênese e as potencialidades do conceito irrelevantes para o desenrolar da narrativa.
A direção de Almodóvar é igualmente desastrosa e sua inexperiência no gênero é observada na ingenuidade com que conduz a busca de Zeca por Vera pelos cômodos da casa, alternando cortes sucessivos e planos fechados nos tensos olhos dos personagens subsequentes a cada novo abrir e fechar de portas. Mais confortável no seu território, Almodóvar assusta no olhar quase voyeur de um personagem ao testemunhar uma orgia nos jardins de uma festa, mas é incapaz de justificar a atração sexual que o Dr. Ledgard sente por Vera pois, embora ela tenha as feições de sua esposa, a afobação que transforma a obsessão em desejo apenas não é maior do que o atentado à natureza cometido para esse fim.
Contudo, a intromissão de flashbacks no transcorrer da narrativa revela a inabilidade do diretor em contar a sua história, mais apropriada para uma abordagem linear no tempo, escancarando praticamente todas as revelações muito longe do clímax, como o destino da esposa e da filha do Dr. Ledgard ou a origem de Vera. E veja que o automóvel do Dr. Ledgard, um BMW branco, é usado simultaneamente no contexto atual e nos flashbacks de anos atrás, revelando o completo desleixo dos produtores. Dessa maneira, A Pele que Habito não tem absolutamente mais nada de novo para apresentar ao espectador (a presença de um antigo colaborador do cirurgião sequer é suficiente para injetar ânimo), apostando no inevitável e insosso confronto final e na dramaticidade da revelação em uma loja de roupa que, àquele momento, tinha unicamente potencial cômico.
Mais feliz é a direção de arte de Antxón Gómez, conferindo personalidade e sobriedade à mansão, sobretudo nas telas de artistas românticos que privilegiam a beleza perfeccionista de mulheres nuas. Por sua vez, a trilha sonora de Alberto Iglesias quase consegue salvar o filme, sugerindo temas intensos e empolgantes que jamais se materializam na tela.
Revelando-se uma mistura do Dr. Frankenstein e o Dr. Hollywood, Antonio Banderas captura com felicidade o metodismo e perfeccionismo do Dr. Ledgard, apesar de Almodóvar obrigá-lo a podar bonsais para comprovar isto. Com tremores nos olhos quando confrontando por um psiquiatra, sugestivos de um comportamento psicótico, Banderas é o único que consegue escapar incólume da narrativa (acreditem!), apesar das mudanças de comportamento súbitas sepultarem quaisquer chances do seu personagem tornar-se relevante. Por sua vez, Elena Anaya é incapaz de exibir as sutilezas necessárias que Vera exigia, apostando no hábito de praticar ioga como obrigatório para conferir paz de espírito e serenidade para ela superar o seu confinamento. E, Marisa Paredes exibe o talento habitual (e desperdiçado), fundamental para colorir a ambiguidade provocada pela cruel sugestão de matar dois personagens e o carinho melancólico com que conta a história do Dr. Ledgard em frente a uma fogueira.
Provocando risos quando buscava provocar tensão, A Pele que Habito é, como uma amiga oportunamente mencionou, a sensação em filme de estar nu em público. Um misto de vergonha e embaraço; sensações que duvido que o mestre espanhol desejava provocar.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
28 comentários em “A Pele que Habito”
Curiosamente, eu concordei com muitas coisas que você mencionou, apesar de ter amado o filme!
Você se ateve demais a alguns detalhes (como o fato de Banderas cortar bonsais), na minha opinião!
Tirando isso, concordo plenamente que a cena em que Zeca procura Vera pela casa ficou péssima, claramente por causa da direção!
Tirando essa cena, entendo que a fantasia tenha te provocado risos, mas acho que a ideia era causar risos apenar na primeira vez vista, e depois já se acostumar com ela, e sentir a tensão. (Coisa que só não aconteceu comigo, porque não cheguei a dar risada nem na primeira aparição.)
Já os objetos fálicos: Sim, foi uma cena cômica no meio do filme, mas não foi assustador. Conhecendo Almodóvar, você deve saber que ele costuma colocar pelo menos uma coisinha cômica em todos seus filmes! Talvez o momento da comédia em A Pele Que Habito não tenha sido oportuno, dado que já tinha começado a tensão. Mas para mim, aquela cena foi simplesmente um momento para relaxar um pouco.
A única coisa que não entendi, sinceramente é: Como você achou a última cena engraçada?
Mauro,
Realmente, você tem razão, o senso de humor de Almodóvar perfez praticamente toda a sua filmografia suavizando os temas as vezes urgentes abordados pelo diretor (principalmente em Fale com Ela ou Tudo sobre Minha Mãe). Mas, na minha opinião, acho que A Pele que Habito não pedia a excessiva comicidade imposta pelo diretor.
Por outro lado, discordo de você, acho que devemos nos ater a detalhes, que é o que distingue as obras primas de filmes ótimos. Nesse sentido, mostrar Banderas cortando bonsais para justificar o seu perfeccionismo é o mesmo que mostrar alguém tossindo sangue e chegar a conclusão de que tem câncer de pulmão (é um artifício meio óbvio e um cara como Almodóvar não precisaria se dar a esse luxo). Porém, são detalhes e o que me fez não gostar nem um pouco desse trabalho dele foi a maneira confusa com que a história é contada (indo e vindo no tempo em flashbacks) e a falta de confiança na premissa.
Finalmente, a explicação dos risos é mais difícil, provém de não ter mesmo gostado do filme e pouco aceitado a dramaticidade dos instantes finais. Me pareceu a cereja do bolo naquele momento, o riso; mas, acredito que para alguns foi o que fez o filme ficar melhor. É algo subjetivo.
No mais, obrigado pelo comentário ponderado e que acrescentou mais um bucado de boa discussão.
Até a próxima.
Só li o primeiro parágrafo, pois ainda vou escrever a minha crítica, mas concordo com tudo que você disse nele e com a estrela. Mão sei se você citou isso no texto, mas além de causar risos involuntários, o filme mostra o nível em que chegou a presunção de Almodóvar, que acredita que seu nome é o suficiente para garantir qualidade no filme.
Márcio,
concordo inteiramente com a sua crítica, em todos os quesitos. Tentei e encontrei um crítica que condiz com a minha visão do filme. Alguns tietes de Almodovar não perceberam o quão fraco esse filme é. O que deixa a mostra a decadencia de um diretor.
Nanda,
Concordo, acho que os fãs acabam cegos e não conseguem enxergar quando um diretor perde a mão, e procuram subtítulos onde não existem. Almodóvar é ótimo e os três filmes mencionados no primeiro parágrafo bastam para calar a boca de seus agressores, mas A Pele com Habito é um deserviço a sua carreira.
Assino embaixo.
Para mim o filme é sensacional!!!! Cada detalhe está interligado a outro, como a palestra inicial do cirurgião que falava da importância do rosto (falando de transplantes de face) e o momento em que Vera revê o rosto de Vicent no jornal.
Observação pertinente e intrigante João, mas que não diminui, na minha opinião, as grosseiras falhas do longa: inexperiência de Almodóvar no gênero, montagem temporal deficiente e que reduz o impacto das reviravoltas e comicidade exagerada.
Confesso que gostei do filme, e me considero tiete pelo Almodovar! mas lendo sua crítica devo adimitir que concordo muito com ela, embora ainda permaneça gostando do filme (acho que mais devido a minha paixão pelo diretor mesmo do que qualquer outra coisa), realmente está longe de ser aqueles filmes que vindo de quem vem seria, e seu ultimo filme já mostrava que ele não está mais como antigamente! mas ok, todos os diretos tem seus altos e baixos, filmes bons e ruins, mas apesar de ter tido dois filmes seguidos não tão bons, acredito que ele ainda voltará a nos surpreender! "apele que habito"realmente deixa a desejar e se trata de algo mediano, há porém algumas conclusoes filosoficas e psicologicas que me fizeram talvez gostar um pouco mais dele (assisti com uma amiga que é psicologa e ela que me abriu certos olhares), mas apesar de qualquer viagem, continua sendo apenas um filme ok.
Nunca assisti Almodovar.
Gostei do filme. E sinceramente não achei graça em momento algum, muito menos na última cena
O que você chama de desastroso e inexperiente é justamente o que faz com que várias pessoas prefiram um Almodóvar a um filme Hollywoodiano.
(e perceba que com isso eu não quero dizer que Almodóvar seja a única alternativa, e nem que tudo o que seja não-hollywoodiano seja bom. Apenas que é diferente. E me agrada)
Rafael,
Eu nem mencionei o cinema de Hollywood na crítica para me rebater com este argumento. Filme bom é filme bom nos Estados Unidos, Espanha, Congo e Uzbequistão. Nem tampouco, filme diferente é filme bom e vice-versa. O reducionismo nesse momento é salutar.
Quanto à inexperiência (veja que desastroso é coloquialmente distinto de desastrado), nunca diria que o diretor é inexperiente, mas bons diretores eventualmente metem os pés pelas mãos quando fogem da sua zona de conforto (não é regra, evidentemente). Dito isso, o trabalho de Almodóvar como diretor de terror é um dos mais desastrados que já vi.
Abraços e obrigado pelo cmentário.
E durante no pre-operatorio da cirurgia de sexo de Vicente, um erro absurdo: os cirurgioes fecham o avental um do outro, com luvas estereis!!!!!
um absurdo ! mal feito demais !
só o que tenho a discordar é referente a cronologia do filme. curti o flash back e a o roteiro não-linear
Emile
Discordo com as críticas presas a meros detalhes.
Acho que um filme que trata de temas complexos como mudança de sexo e modificações geneticas não precisa ser pesado ou ter um tom moralista. Nesse aspecto o filme é delicioso porque não nos cansa com o habitual discurso enfadonhos sobre o assunto.
Os que criticam talvez esperassem algo como um tom moralista e edificante. Quem sabe tenham ficado chocados ao ver o personagem de Antonio Bandeiras fazendo sexo com um homem q passou por uma cirurgia de mudança de sexo.
Eu pessoalmente me senti muito confortavel ao ver o filme e dei boas risadas com as mudanças surprendentes no curso danarrativa.
Adorei frases como: "eu não sou sua mãe, eu sou apenas a pessoa que te pariu" ou "você acabou de ser submetido a uma vaginoplastia"…
Sugiro q os moralistas e dogmáticos de plantão fujam do filme. Já quem estiver aberto para um filme divertido e repleto de reviravoltas, o filme é altamente recomendado.
Ps – acho dificil enquadrar o filme em algum genero. Para mim o único possivel seria "sui generis".
Não sou cineasta, sou psicóloga e discordei de vários pontos. Não valorizo detalhes como o carro que ele usa – o mesmo do início ao fim seja importante. E daí? Tá, não sou cineasta, isto deve ser indefensável.
Eu fico ligada mesmo nas personagens. Este filme, pra mim, é um dos melhores filmes sobre vingança. E como não enlouquecer em uma situação enlouquecedora.
Se eu achava que "O segredo dos seus olhos" era o filme sobre vingança, agora acho que este supera e muito…To pensando em ler o que originou o filme.
Vou escrever depois sobre ele no meu blog, com um olhar mais psi.
Quanto aos risos, em muitos dramas já ouvi alguns inadequados. Acho que Almodóvar usou para suavizar um filme que é muito tenso. Talvez porque eu não opte por filmes violentos, o que me faz menos 'à prova' deles.
Apenas para frisar, o comentário sobre o carro do médico é indicativo do desleixo do diretor nos aspectos temporais do longa.
Concordo com Thaís. E acrescento que a critica é por demais imatura.
Davi, se as críticas são reflexos do filme, bem, já sei da onde surgiu essa imaturidade.
Oi, Márcio, voltei pra te avisar que atualizei e coloquei a minha resenha. Totalmente psi, rsrsrs
http://www.analista.psc.br/blog/?p=3474
Acho que Almodóvar criou uma seita de seguidores. Tudo que ele faz, estes seguidores não questionam. Tentam explicar ou reptem coisas que leram de outros seguidores. Não gostei do filme e nem quero entrar em maiores considerações. Como disse um amigo espanhol: esta pelicula es una mierda! Foi fracasso de bilheteria na Espanha. Mal recebida em Cannes, onde normalmente ele é bem recebido. Um filme trash com pretensões a obra prima. Acho que o manchego vem se perdendo ao querer fazer filmes "sérios", mas cheios de pastiches. Nem a direção de arte, normalmente muito boa em seus filmes, se salva aqui. Os atores estão péssimos. 3/4 do filme se perde em estórias que pouco acrescentam à virada que é o ponto mais forte do filme, mas logo se revela um truque sem consistência. Almodóvar não tem cacife para o que se propõe hoje. É uma maluca que sabe muito bem fazer as comédias irreverentes cheias de besteirois, sua praia, onde arrebanhou essa multidão de seguidores que insistem em ver "arte" e profundidade nessas sua novas investidas… Não habito nessa pele!!!!!!!!!!!!
É um legítimo Almodóvar. Tal um legítimo Cohiba, Hoyo de Monterrey. Psiqué.
Um gay não assumido, que cuida de um atelier/bazar, apaixonado por uma lésbica, cujo presente guarda pois se via vestido nele desde sempre e que, ao se ver transformado, cuida do corpo para seu homem.
Enfim, coisas de Almodóvar em mais um filme genial dele… que até se dispensa o erro de matar instantaneamente duas pessoas com tiros não letais, e, atemporalmente, manter uma BMW, com luzes de led, quando ainda não existiam.
Muito bom!
Márcio, muito interessante a sua crítica, apesar de não concordar em alguns pontos… Detalhes devem sim ser analisados com muito afinco, concordo plenamente, mas quem conhece o trabalho de Almodóvar, reconhece que a narrativa não-linear é um marco e uma caracterísita de suas obras, o que enriquece em muito o resultado final. Não esqueçamos de que a inspiração inicial de Almodóvar veio de Mygale, livro de Thierry Jonquet, de 1984, onde a figura do médico cirurgião plástico se confunde em alguns momentos com Dr. Frankenstein, de Marry Shelley, pois há a transcendência de limites, um certo hábito de brincar de Deus e tentar modificar a natureza das coisas. Esse propósito deve ser posto em destaque: o pleno mudar, modificar, transcender das coisas era parte inerte de Robert, em todos os sentidos e, portanto, não esperemos que o roteiro ou mesmo a transgressão temporal da trama seja lógica ou linear… Eu admito que sou fã inveterada das películas de Almodóvar, mas é importante termos sensibilidade suficiente para entender suas obras.
Li tudo que escreveram!!Concordo com tudo mas mesmo assim gostei do filme.Não costumo ler sinopses, vou no escuro, as cenas risíveis algumas vezes foram trash mesmo mas o filme me surpreendeu, gosto do Almodovar, ele traz coisas novas, diferentes. Não vi o filme como terror está mais para um drama psicológico, eu indico, como privar alguém de assisti-lo? como falar para não assistir pois não vale a pena? Li sua lista de piores filmes do ano e concordo com quase todos pois infelizmente eu assisti quase todos e falo para todo mundo não assisti-los pois são muito ruins.
Enfim, adorei o filme e adoro narrativas não lineares ,cheio de tensão com cenas cômicas. Aliás, adorei seu blog
Obrigado pelo elogio. No entanto, jamais diria para não ver A Pele que Habito, sobretudo porque é um esforço genuinamente subjetivo (muitos amaram, muitos odiaram). Tem que ser visto especialmente porque é Almodóvar.
Como sempre, crítica impecável, Márcio.
A solitária estrela que você conferiu ao filme reflete um desgosto ainda maior do que eu tive por ele. Porém, embora não tenha achado "A Pele que Habito" um absoluto desastre, acredito que o filme seja desastroso o bastante – e dessa forma me simpatizo muito com seus argumentos.
Acho que o maior erro de Almodóvar foi ter colocado o exercício de gênero na frente de seu potencial temático. Veja, o filme nos apresenta uma curiosa e, até certo ponto, real versão moderna do Dr. Frankenstein – e até aí tudo bem. O problema é que, além de não ser nada aterrorizador, as possibilidades psicológicas e dramáticas levantadas por seu roteiro (e que nunca são exploradas da forma devida) imediatamente trivializam a estrutura do filme, que busca desenvolver um thriller barato em detrimento da examinação psicológica de seus personagens.
Eu, por exemplo, gostaria de acompanhar mais o processo de alteração física e, claro, psicológica de Vincent, que é completamente suprimido por uma elipse que choca, mas que não nos oferece nada além da surpresa mórbida. Aliás, por falar em morbidez, esta deveria receber ainda mais atenção no filme. Qual o propósito, afinal, de não mostrar o personagem Vincent encarando sua recém-ganha vagina no espelho? Isso seria não apenas graficamente interessante para um filme com as ambições de “A Pele que Habito” como também absolutamente relevante para pontuar a perturbação psicológica que o personagem vivia naquele instante.
Ainda assim, o filme se vale, pelo menos num plano conceitual, pelo que psicologicamente e filosoficamente levanta – ainda que o chamado “payoff” só venha em forma de ironias irrisórias (que, de certa forma, amarram sua narrativa) e de um desfecho mais parecido com um filme erótico trágico ou um pornô softcore sangrento do que um drama psicológico ou até um terror que realmente aterrorize. No fim, então, só resta mesmo o riso.
Perfeito, Caetano. Perfeito.