Reféns (Trespass, Estados Unidos, 2011). Direção: Joel Schumacher. Roteiro: Karl Gajdusek. Elenco: Nicolas Cage, Nicole Kidman, Liana Liberato, Cam Gigandet, Ben Mendelsohn, Dash Mihok. Duração: 91 minutos.
Confesso que não planejei que o documentário Lixo Extraordinário transformasse-se em argumento introdutório do novo filme de Joel Schumacher e Nicolas Cage, Reféns. Mas, é impossível não comparar a história sobre os catadores de lixo do Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, com esta bobagem despejada nos cinemas brasileiros como se nós fôssemos os heróis daquele filme, responsáveis por reciclar um subproduto genérico (a frequência desse adjetivo nas produções de Hollywood me preocupa), feito dezenas de vezes e com muito maior competência. E, distantes de termos um Vik Muniz para criar arte desse monte de lixo, abraçamos como grande lançamento da semana um filme que nas salas norte-americanas não perdurou por mais de 10 dias antes de ir diretamente para o vídeo. Eis o nível de prestígio que o vencedor do Oscar Nicolas Cage carrega consigo, pois se antigamente o ator era “apenas” irregular, alternando ótimos filmes que escusavam os ruins, apenas neste ano ele conseguiu a proeza de estrelas três bombas (este, Caça às Bruxas e Fúrias sobre Rodas), sem contar um quarto filme que sequer conseguiu data de estréia e vai direto ao vídeo. Os prognósticos não são animadores.
Convenhamos que Reféns não é tão ruim quanto parece à primeira vista. É simplesmente tolo e banal, um exemplar costumeiramente exibido nas sessões mais tardias das grades televisivas para preencher horário; algo tão ordinário que não duvido que seu diretor e protagonistas conseguiriam fazê-lo de olhos fechados ou em espasmos de sonambulismo. O roteiro escrito por Karl Gajdusek restringe-se aos eventos ocorridos na invasão de quatro bandidos à mansão dos Miller no curso de uma noite. Ciente de que não tem muita coisa para rechear seus 90 minutos, Gajdusek aposta em uma série de reviravoltas (absurdas, deve-se dizer) e desgastantes flashbacks ilustrando detalhes que o público conheceria no momento oportuno, e adivinhem: pelas mesmas reviravoltas outrora mencionadas.
Bastam 5 minutos para conhecermos nos mínimos “detalhes” cada membro da família: Kyle (Cage) é um intermediário da venda de diamantes, com problemas financeiros brevemente explorados em uma ligação telefônica; Sarah (Kidman) é a esposa carente e superprotetora; Avery (Liberato) é a filha rebelde que não hesita de fugir de casa para ir a uma festa de amigos. O relacionamento dos membros também é precário e a distância de Kyle e Sarah é simploriamente ilustrada pelo afã da mulher de vestir uma lingerie na ânsia de seduzir o marido. Da mesma maneira, a quadrilha é unidimensional: Elias (Mendelsohn) é o líder sereno e, na medida do possível, pacífico; Jonah (Gigandet), seu irmão explosivo e com um segredo; Ty (Mihok), aquele que preza a segurança acima de tudo, cronometrando o tempo estimado de 20 minutos para o roubo sem correr maiores riscos; e, finalmente, Petal (Jordana Spiro), que desde os primeiros minutos é vista fumando uma pedra de crack.
Montado com um ritmo acelerado por Bill Pankow, evitando que o público pense muito no que está vendo, somos jogados em uma situação cujo risco parece ser maior para os bandidos (é comum a briga entre eles, inclusive apontando armas uns para outros), do que é para os Miller, e é curioso como Kyle é a vítima preferida, sofrendo inúmeras agressões, físicas e psicológicas, mas se mantendo firme para revidar o ataque de alguém duas vezes o seu tamanho ou pensar com clareza em um momento determinante no clímax. Aliás, a considerar pela quantidade de sangue derramado pelo protagonista, é gratificante que a partir da metade da narrativa ele não tenha mais forças para falar, o que diminui bastante a tortura que é aguentar Nicolas Cage em modo overacting.
Ao ser confrontado por Elias, repare que Cage começa a fungar e mexer no cabelo exageradamente, e o movimento que faz quando o durão Ty tira a arma de sua cabeça é o suficiente para entender porque o ator está no ponto em que está na carreira. Ou você acha normal que o protagonista se imponha sobre perigosos bandidos (ao menos até ali ele não saberia que eles eram os três patetas), começando a baforejar sobre diamantes, cortes, lapidações, etc? Na mesma esteira de Cage, Gigandet extrapola na sua atuação, desde quando começa a desconectar furiosamente os telefones dos cabos, ou quebrar os porta-retratos e um computador. Mas, ei, o roteiro justifica isto ao explicar que o sujeito é psicótico e não vem tomando seu remédio regularmente (agora sim, tudo fez sentido para mim!). Finalmente, Nicole Kidman enche os olhos de lágrimas, grita e exalta-se, mas é aquém a uma natural e discreta Liana Liberato.
Dirigido em modo automático por Joel Schumacher, algo que ele vem fazendo nos últimos 20 anos, Reféns abusa de planos inclinados, deturpando incorrigivelmente os seus propósitos, usando-o sobretudo para ressaltar os bandidos, e não as vítimas. Além disso, Schumacher mostra-se alheio a diversos vícios de linguagem: a explicação das consequências da superdosagem de uma seringa ou o plano-detalhe posterior com apenas metade do conteúdo e a (quase) colisão em um poste revelam-se detalhes infantis introduzidos por Schumacher para atar os eventos do clímax.
Contudo, a ordinariedade da narrativa aproxima-se do cômico na ligação da central de seguranças dos alarmes da mansão, manifestando uma tensão inexistente e culminando na visita domiciliar de uma ronda abrupta e decepcionante. Em outro momento, um personagem apenas permanece vivo o tempo suficiente para poder contar detalhadamente a traição de um personagem e outro aponta a arma para a pessoa errada na escolha final, e bastava um pouco de inteligência para deduzir que se tivesse apontado para a outra, as consequências seriam bastante diferentes.
Fotografado com competência por Andrzej Bartkowiak e com a rica direção de arte de Nathan Amondson, criando uma mansão bela, porém pouco funcional, Reféns é exatamente o filme que ninguém espera ver no cinema: comum, banal, ordinário, simplório. Algumas características que, infelizmente, Nicolas Cage e Joel Schumacher, e em menor grau, Nicole Kidman, atualmente abraçam sem restrição e pudor.
Ou o equivalente a “dane-se a minha carreira”!
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
5 comentários em “Reféns”
Eu concordo com o que você escreveu, principalmente com a parte em que comenta a respeito de ser mais perigosa a situação dos bandidos – já que eles são inconstantes – do que a situação dos reféns.
Fiquei me perguntando também o porquê de ela parecer flertar com todos os bandidos o tempo todo. Me perguntei qual é o lance com aquela seringa, o porquê de correrem tanto no jardim, porque daquele efeito horrível de sobreposição de imagens nos flashbacks, oh.
Fúria Sobre Rodas é um lixo tão divertido… HAHAHA.
Concordo com o que você disse. primeiro porque sai do cinema querendo meu dinheiro de volta e 3x o valor a mais de indenização por perder meu tempo; Segundo porque parece mesmo que Nicole Kidman deve realmente estar precisando muito de dinheiro para aceitar trabalhar neste tipo de filme, já que esta mesma atriz fez filmes maravilhosos como "Os Outros" e "As Horas"; Terceiro porque realmente este filme conseguiria facilmente um lugar no "Domingo Maior" da globo. Tantos filmes com o mesmo gênero foram muito mais felizes, na minha opinião, como "O Quarto do Panico" e "Phone Booth"; Como muitos são adeptos do "nada se cria" eles poderiam ter ao menos tentado copiar algo para fazer alguma coisa no mínimo tragável para arrecadar dinheiro (porque neste caso quem foi ao cinema doou dinheiro). Ri muito com "espasmos de sonambulismo", me lembrou as piadas do Woody Allen.
ele parece muinto com o filme espanhol Secuestrados 2010,a premissa e parecida demais,o espanhol e bem melhor, esse filme e um lixo.
Concordo "Anônimo", e Secuestrados está na minha lista de sugestões no menu superior do BLOG.