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A Felicidade não se Compra

A Felicidade não se Compra (It’s a Wonderful Life, Estados Unidos, 1946). Direção: Frank Capra. Roteiro: Frances Goodrich, Albert Hackett e Frank Capra. Elenco: James Stewart, Donna Reed, Lionel Barrymore, Thomas Mitchell, Henry Travers, Frank Faylen, Ward Bond, Gloria Grahame, H. B. Warner, Frank Albertson, Todd Karns. Duração: 131 minutos.

“Estranho como a vida de um homem toca todas as demais”, afirma o anjo sem asas Clarence em determinada ocasião de A Felicidade não se Toca. Essa frase não poderia ser mais pertinente pois, à beira de um colapso e flertando com o suicídio, o desanimado e desamparado George Bailey parece condenado a vivenciar o seu último Natal, embora na sua casa família e filhos o aguardem, e na pequena cidade de Bedford Falls amigos enxergam nele o anjo terreno que salvou as suas vidas. Nossas vidas não são exclusivamente nossas, argumenta Clarence, misturam-se com a de todos outros cujos destinos entrelaçam-se. Para provar isto, e reacender a esperança na vida de George, enfraquecida em face dos problemas cotidianos, o anjo o convida a descobrir o que seria da vida de seus amigos e familiares se ele não tivesse existido.

Como muitas obras de Frank Capra, o cinema é um produto otimista e recompensador, a bondade e a generosidade dos personagens intrínseca, sem os engessar como figuras unidimensionais, e a vilania, apesar de presente, encontra apenas um pequeno bolsão de ar para respirar. Por que haveria de ser diferente se desde a introdução é apresentado que Clarence é um anjo menos inteligente que os demais, mas com a fé de uma criança? Ou você esperaria que o desapego de George, abdicando de sua lua-de-mel para auxiliar os conterrâneos, não fosse eventualmente ser retribuído? Embora soe maniqueísta a princípio, a definitiva obra-prima natalina é acolhedora, charmosa e delicada, uma história tão atemporal que é reimaginada até os dias atuais (Um Homem de Família lembra alguma coisa?). E a sua mensagem de Natal nem precisa recorrer ao capitalismo predatório de presentes de Natal ou ao misticismo de renas, pólo norte e o bom velhinho para funcionar, basta apenas a semente de bondade plantada no coração da humanidade… e de um empurrãozinho de um anjo.
Também é engraçado observar como a subtrama de uma pequena firma de empréstimos, sufocada por um voraz banco, permaneça atual no contexto da crise econômica mundial e, especialmente, na crise imobiliária norte-americana. Dessa forma, a imagem do corvo de estimação da firma sobre a maquete de uma casa popular é um símbolo óbvio, mas oportuno. Representando o Sr. Potter (Barrymore), um homem azedo e frio cujo único objetivo é acumular riquezas sobre a miséria dos demais habitantes de Bedford Falls, a ameaça provocada pelo corvo é paralelamente igual a de muitos norte-americanos despejados por não cumprir o pagamento da hipoteca e obrigados a morar em casebres subumanos cujo aluguel é quase tão maior quanto o que pagavam anteriormente.

Subtítulo a parte, o encantador de A Felicidade não se Compra é mesmo a sua estrutura narrativa, comum para os padrões da era dourada de Hollywood, mas hodiernamente descartada e praticamente inutilizada, apesar de rica e permitindo investimento emocional pleno com o protagonista. Assim, depois dos significativos créditos iniciais nos quais ouvimos as preces direcionadas a George Bailey, acompanhamos em um longo flashback todos os passos que o levaram a ser o homem que é hoje. Na infância, salvando o irmão que caira no rio congelado, o que culminou com a perda da audição de um dos ouvidos, ou evitando que o farmacêutico Gower (Warner) ministrasse comprimidos manipulados acidentalmente com veneno. Na adultez, assumindo os negócios da família após a morte prematura do pai e sacrificando uma vida de sonhos, ideais e viagens ao enviar o irmão mais novo para a faculdade no seu lugar. Finalmente, seu casamento com a linda e doce Mary Hatch (Reed, excelente) que prometera desde jovem amá-lo incondicionalmente.
Envolvendo-nos com a vida de George por quase 100 minutos, Frank Capra atinge seu objetivo: nos importamos incondicionalmente com o destino de George e sua salvação torna-se imprescindível. Portanto, o conflito que culmina na intromissão de Clarence surge como um bofetão de aviso, e não uma lição de moral; um pesadelo breve e impactante, que permite a George reavaliar suas decisões, o que para alguém que “já nasceu velho”, recebendo um punhado de responsabilidades de presente no colo, não é a tarefa mais fácil. Nesse sentido, James Stewart (que ator fantástico) consegue dosar a jovialidade e impulsividade do jovem sonhador apaixonado pelo sonho dos trens chegando à estação – o concurso de dança segudo do salto na piscina é divertido em capturar os últimos momentos despreocupados de sua vida – com o desanimado caminhar arquejado e o olhar sucumbido às mazelas da vida.
A direção de Capra deixa a narrativa da vida de George fluir sem apelar para pieguice ou vitimizá-lo excessivamente. Ele é retratado não como um homem a quem a vida virou as costas, e sim, como um alguém que sacrificou-se para assumir as responsabilidades na medida em que elas surgiram, a sua vida é um fruto de suas escolhas, apesar de, em última análise, a sua personalidade não lhe conferiria outra saída. Apostando em discretas intromissões como a mudança do plano fechado entre George e Violet (Grahame) para um plano mais geral, revelando as pessoas rindo da natureza do seu convite, ou a poltrona que inferioriza aqueles recebidos no escritório do Sr. Potter, e investindo nos clássicos cânticos de natal, A Felicidade não se Compra é uma obra-prima linda e emocionante.
Uma pena que no ano em que concorreu ao Oscar existia no seu caminho o mestre William Wyler.

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3 comentários em “A Felicidade não se Compra”

  1. Em uma postagem anterior havia até pedido para que fizesse essa crítica, já que o filme me toca muito emocionalmente. E não tem como, toda vez que revejo chorro muito no final. Desta vez não foi diferente, no dia 25 de Dezembro eu revi e no final escorriam lagrimas dos meus olhos, misturados à um sorriso ingênuo. Só A Felicidade Não Se Compra é capaz disso, a obra natalina mais bela já feita, de longe.

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