Os Smiths são uma família de classe média alta habitando no rico subúrbio de St. Louis no início do século passado (1903). Seu pai é sócio de uma importante filial na região, permitindo o irmão mais velho se matricular em Princeton e mantendo a vida confortável e certos luxos da esposa e de suas filhas. A mais velha, Rose (Bremer), é apresentada na espera de uma ligação interurbana que poderia mudar sua vida; o aguardado pedido de casamento sonhado por todas as jovens moças naquela época. Aparentemente, porém, é a precoce Esther (Garland) a mais ansiosa por essa ligação, resquícios da influência da
Bianca shakesperiana na continuidade da linha matrimonial, apesar deste entendimento manter-se implícito durante a narrativa. A chegada de um vizinho John Truett (Drake) movimenta o coração de Esther que busca todos os meios para chamar a sua atenção, sem sucesso.
Curiosamente, o roteiro de Irving Brencher e Fred F. Finklehoffe humaniza as Smith não pelo que elas possuem, mas por aquilo que elas sonham e idealizam acordadas, sentadas à varanda da sua casa. Apesar da riqueza distinguir os Smith dos demais e, possivelmente, esconder inúmeras falhas de caráter dos familiares, o roteiro não hesita em transformar o desejo fútil e a dependência da unidade patriarcal como os motes da busca da independência pessoal simbolizada no amor da casa ao lado. Ironicamente, as Smith apenas caminhavam em círculos para retornar no mesmo ponto, aquele que o amor verdadeiro se transformaria em um novo patriarca, o qual todos dêvessem cega obediência mesmo quando contrariado pelos demais. Nessa narrativa demasiadamente burguesa, Judy Garland encanta irrestritamente como quando eternizou Dorothy em O Mágico de Oz.
Transformando Esther em uma jovem vibrante, cuja voz contrasta diretamente com a estatura diminuta, Garland investe nos recursos que a transformaram em um sucesso imediato. Sua meiguice e simplicidade misturam-se com o tradicionalismo esperado da sociedade conservadora daquele período, embora pontualmente ela não se incomode de sugerir roubar um beijo de John se a ocasião o pedir. Por sua vez, a criança Margareth O’Brien brilha como a pequenina Tootie, roubando a cena sempre que surge em tela nas brincadeiras de Halloween ou chorando amarguradamente à irmã pela mudança sugerida pelo pai para a cidade de Nova York.
Eis um dos elementos que tornam Agora Seremos Felizes um charme especialmente na maneira de contar histórias. Diferentemente das narrativas contemporâneas, acostumadas a introduzir o conflito central nos 20-30 minutos inciais, a direção de Vincente Minnelli é paciente investindo o tempo necessário para transformar as Smith em pessoas agradáveis e não meros esteriotipos da sociedade daquela época. Dessa maneira, a notícia de que Mr. Smith (Ames) será transferido para Nova York depois do Natal, e antes da esperada feira de St. Louis, surge apenas com 65-70 minutos de duração. A implicação dessa decisão artística comprova a importância conferida ao desenvolvimento dos personagens mais do que aos clichês provocados pelo choque da notícia – as filhas são contrárias, pois todos os que conhecem moram em St. Louis, existe o oportuno medo da mudança, de chegar a um lugar em que não se pode chamar imediatamente de lar.
Além disso, a proximidade das festas natalinas permite a interessante, embora o roteiro a mantenha superficial, discussão acerca de renovação, a periódica fatalidade nas nossas vidas proveniente de mudanças e exigindo uma compromissada adaptação. Novos empregos, novos sonhos, novas pessoas e quem sabe a perda de outras; as Smith encontram amparo na inércia do conforto e comodidade da vida pretérita, na superação do obstáculo que é a materialização do desconhecido e inesperado de uma nova vida. É uma pena, portanto, que Vincente Minnelli escolha a decisão mais simplória e a menos natalina, não graças ao otimismo desmedido dos minutos finais e a mensagem de união familiar, mas graças às coincidências obrigatórias para atar os nós soltos na narrativa recheando o sorriso no rosto das Smith.
Minnelli mal sabia que a verdadeira mensagem natalina estava ali, estampada nos versos de Have yourself a merry little christmas cantados por Esther a irmãzinha Tootie – a qual momento depois daria uma demonstração forte e imponente de resignação – e no presente escondido atrás da árvore de natal durante um baile. Pois, se esta decisão fez Agora Seremos Felizes uma agradável e divertida comédia romântica e indiscutivelmente um ótimo filme, não o transformou no clássico que poderia (e deveria) ser. Certamente, não naquele que faria jus ao vozeirão e ao talento de uma das menores, e mais notáveis, atrizes da história do cinema.
2 comentários em “Agora Seremos Felizes”
Ótima crítica, amo esses filmes de outrora, tem um glamour um charme… Saudosa judy Garland.
Supinpa seu espaço rsrs parabéns!!
Perdi a conta de quantas vezes já assisti a esse filme, é p/ se ter na cinemateca…
Tem um dela similar com o Fred Astaire, Desfile de Páscoa, conhece?