Natal Branco (White Christmas, Estados Unidos, 1954). Direção: Michael Curtiz. Roteiro: Norman Krasna, Norman Panama, Melvin Frank. Elenco: Bing Crosby, Danny Kaye, Rosemary Clooney, Vera-Ellen, Dean Jagger, Mary Wickes, John Brascia, Anne Whitfield. Duração: 121 minutos.
“O que é o Natal sem neve?”, pergunta estupefato um dos personagens de Natal Branco, ao descobrir, na chegada à quente cidade de Pine Tree, em Vermont, que não neva desde o feriado de Ação de Graças, há 68 dias. Isto justifica o fluxo acanhado de hóspedes na pousada Columbia, normalmente abarrotada de homens e mulheres chegando no chamado “trem da neve” de Nova York para esquiar e divertir-se nas festas de final de ano. Mas, este não é um problema que impede os renomados cantores e dançarinos Bob Wallace e Phil Davis de organizarem um inesquecível Natal para o dono da pousada, o carrancudo e generoso ex-general Thomas Waverly, com o auxílio das irmãs vedetes Betty e Judy Haynes por quem, inevitavelmente, a dupla se apaixonará. Prestando homenagens ao célebre compositor russo Irving Berlin e a sua mais conhecida canção natalina, este musical prova como é fácil apaixonar-se por uma produção que, embora manifesta, descarada e orgulhosamente água com açúcar, seja desenvolvida com humor, inteligência e perspicácia.
Proveniente da era de ouro de Hollywood, o período dos musicais clássicos, Natal Branco convida-nos a testemunhar a camaradagem do exército norte-americano na animada celebração da véspera do natal de 1944, meses antes da vitória dos aliados na 2ª guerra mundial. Na voz do talentoso Bob Wallace (Crosby), ao som dos bombardeios e explosões, e acompanhado à distância e admirado por um tímido Phil Davis (Kaye), a comemoração é interrompida pelo Major General Thomas Waverly (Jagger), “não existe Natal no exército”, e os disparos e explosões cada vez mais próximos do acampamento. Durante a fuga das tropas, Wallace é salvo por Davis e os dois estabelecem uma parceira que os alçaria à fama absoluta 10 anos depois, como ilustra a breve montagem de recortes jornalísticos – recurso habitual e popularizado por Cidadão Kane.
Alçados a produtores do seu próprio espetáculo, Wallace & Davis, a dupla desperta o interesse de Judy Haynes (Vera-Ellen), que sonha em uma alavancada rumo ao estrelato, um ângulo que não é completamente desprezado por sua irmã Betty (Clooney). Aproveitando-se disto para encontrar uma companheira para o solitário amigo obcecado pelo trabalho e, de quebra, arranjar “45 minutos só para si”, Davis convence Wallace a embarcar em uma viagem com as irmãs a Vermont, reencontrando o envelhecido General Waverly a pousada praticamente falida.
Investindo em números musicais justificados pela narrativa, habitualmente provenientes de ensaios, o roteiro escrito a seis mãos dedica-se a apresentar o porquê de Wallace & Davis serem tão bem sucedidos no que fazem. Enxergando a música e a dança em todos os lugares – sobretudo no palco e piano -, a dupla tem a veia artística no sangue e de maneira quase prosaica e naturalista elabora novas composições como aquela no vagão bar do trem. Algumas das composições de Gus Levene, Joseph J. Lilley e Van Cleave e, claro, de Irving Berlin, combinam a suavidade do lirismo dos musicais, empurrando a narrativa para a frente nos seus versos, ao mesmo tempo em que emocionam pela entrega e dedicação do elenco. Músicas como “The best thing happen while you’re dancing” ou o vibrante e hipnotizante desempenho da dançarina Vera-Ellen em “Choreography” aproximam-se do sublime, enquanto a balada “White christmas”, apresentada em dois momentos tematicamente oportunos é doce e nostálgica.
Mas, nem apenas de músicas sobrevive um bom musical, e o roteiro investe em diálogos espirituosos e que, não obstante, pavimentam o caminho para tiradas divertidas. Apesar das irmãs Haynes não compreenderem o cálculo dos 45 minutos de sossego sonhados por Davis, a piada havia sido construída momentos antes na conversa despretensiosa com Wallace. Da mesma forma, a vivacidade, agilidade e fluência impressionam e conquistam o público além de justificarem o encantamento mútuo. Assim, quando Davis afirma “precisamos ajudar as amigas” e é rebatido de pronto por Betty “mas não somos amigas, somos estranhas”, ele emenda “nós precisamos cuidar dessas também”, um diálogo recitado no timing perfeito adequado a um cafajeste. As gags também são bem-vindas, como no assombro de Davis ao orçamento da apresentação natalina “quanto custa wow?”.
Tenho comentado demasiadamente do personagem de Danny Kaye, o que não faz justiça aos excepcionais Bill Crosby, Rosemary Clooney e especialmente Vera-Ellen. Apesar dela ser originalmente uma dançarina e não atriz, o que escusa momentos pontuais em que ela surge artificial e pouco convincente, é impossível não se encantar quando ela sobe nos palcos. Por sua vez, Crosby e Clooney conquistam pela força de sua vez e uma atuação segura, embora a trajetória de seus personagens sejam inegavelmente clichê – eles se odeiam, depois se amam, depois sofrem um conflito, e finalmente se reencontram novamente.
Flertando com a obra de William Shakespeare A Megera Domada, e se divertindo com o hábito da governanta da pousada em escutar ligações, com o plano detalhe da imagem de Benny Haynes que justifica o seu apelido e, finalmente, a divertida apresentação travestida, a neve inevitavelmente chega para com a pureza do seu branco encantar aqueles que aceitarem embarcar nesta emocionante viagem no tempo a um inesquecível clássico natalino. Se esse Natal Branco derreteu o coração truculento, apesar de bondoso e generoso, de Waverly, as chances são muitas que ele fará o mesmo com você.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
1 comentário em “Natal Branco”
Oi lá , eu encontrei seu blog por acaso. Eu possuo uma página parecida e estava pensando se você recebe um monte
de SPAM ? Se sim como é que você reduziu? , Existe algum plugin ou alguma coisa
que você pode aconselhar ? Recebo tanta coisa nos últimos tempos que está me deixando doido então qualquer ajuda é muito bem
vindo.