Emma (Hathaway) e Dexter (Sturgess) passam a noite de formatura juntos e, apesar dos esforços de fisgar e seduzir o jovem, Emma consegue estabelecer apenas laços de amizade com aquele que viria a ser o seu amor platônico. Findo este 15 de julho de 1988, acompanhamos a rotina anual de cada um que, sozinhos ou juntos nos anos subsequentes, trilharam caminhos diametralmente opostos e conheceram novas pessoas. Ela, inteligente, perspicaz e adorável, mas que não consegue alcançar o sucesso que lhe é devido; ele, cafajeste, presunçoso e arrogante, torna-se apresentador de um programa de televisão controverso. Inevitavelmente, eles descobrirão estar destinados um para o outro desde àquela fatídica noite, e mesmo que o roteirista David Nicholls pese a mão, obrigando Emma a cometer sacrifícios enormes e não-retribuídos para conquistar Dexter, o determinismo de uma história de amor na concepção de “foram feitos um para o outro” tem seu quê de charme.
Nesse meio termo, Hathaway rapidamente transforma-se no elo com o público. A doçura sonhadora, a meiguice e o despreendimento transformam Emma em uma companhia agradabilíssima, algo que o babaca do Dexter não consegue enxergar. Antipático, egocêntrico e narcisista, ele usa Emma mais como alguém para saciar a solidão provocada por sua personalidade e aplacar sua dor e vícios do que como uma verdadeira amizade. Interpretado pelo inexpressivo Sturgess e sua característica cara de paisagem e sofrimento, é praticamente impossível crer a bela e sensível Emma apaixonaria-se pelo sujeito depois de um desastrado jantar no qual ele expõe o seu (des)interesse e umbiguismo. Dessa maneira, ela surge como âncora trágica da narrativa, entregando-se aos amores de uma pessoa que ela não ama, apenas para surprir a carência sentimental. O que é revelado na mais clichês das frases, enunciada conforma a cartilha Nicholas Sparks: “ela o fez decente; você a fez feliz”.
Durante o amadurecimento de Emma e Dexter, os traços adolescentes, sonhadores e inconsequentes, cedem espaço para versões realistas, cínicas e desiludidas, propelidas por tragédias, algumas delas abordadas com excessivo descaso e descomprometimento em função da estrutura narrativa – mais um efeito negativo desta. Alçado à condição de protagonista, decisão incorreta e questionável, Dexter submete-se a um arco dramático amplo desde a doença da sua mãe (Clarkson), o cancelamento do programa de televisão, o seu casamento com Sylvie (Garai, a jovem de Desejo e Reparação e cada vez melhor atriz), até um evento que o humanizaria definitivamente. Por sua vez, a vida de Emma é descrita em função do sonho em se tornar escritora ou o relacionamento com Ian (Rafe Spall), o que é decepcionante.
Esmiuçando e dissecando frações da vida daqueles personagens, determinados momentos deveriam ser explorados mais apropriadamente no roteiro de David Nicholls. A demissão de Dexter após uma entrevista desastrada e a contratação em um programa sobre videogame carece do vislumbre da jornada do personagem, apesar de entendermos o que levou a esta queda vertiginosa. Analogamente, o relacionamento de Emma com Ian, apresentado em um jantar sem faíscas ou na inabilidade do sujeito em fazer piads, culmina na explicação de que ela não “aguenta mais ele assistir a Ira de Khan todos os dias”. Essa demasiada exposição torna-se constante no filme, exigindo que um personagem precise contextualizar ao público os eventos que estão transcorrendo, no que expõe a artificialidade da empreitada; ora, se Emma e Dexter são tão amigos, era esperado que ele revelasse às más notícias no tempo esperado e não meses depois.
Por outro lado, a narrativa anual é bem explorada pela diretora dinamarquesa Lone Scherfig (do ótimo Educação), e o uso de raccords e elipses na montagem de Barney Pilling destacam-se. E não apenas a temporalidade, mas o duo de personagens permite que a fotografia de Benoît Delhomme individualize a trajetória de Emma em um sépia nostálgico, ao passo que Dexter está sobremaneira banhado na depressiva paleta de cores azulada. Finalmente, a trilha sonora de Rachel Portman evita ser intrusiva demais, pontuando de forma competente a narrativa.
Sim, a idéia é curiosa e o exercício narrativo válido (apesar de falho). A trajetória de duas pessoas é desenhada diante de nossos olhos e, convenhamos, não é algo costumeiro na produção de romance. É uma pena, portanto, que o 15 de julho escolhido soe desesperadamente clichê e expositivo, tornando por comparação, os desconhecidos 364 dias restantes de cada ano, aparentemente mais interessantes.
E Emma (não Dexter) mereceria uma história de amor melhor.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
8 comentários em “Um Dia”
Achei o filme tecnicamente muito bonito, mas a história é realmente decepcionante, com um desfecho previsível, típico de filmes do gênero.
Parabéns pelo blog, já estou seguind 🙂
Depois de ler sua crítica, instigou-me ainda mais a sensação de assistí-lo. Parabéns!
Não foi um filme que mexesse com os meus sentidos, por isso não me cativou.
http://silenciosquefalam.blogspot.com/2011/12/filme-um-dia-one-day-2011.html
O livro é ótimo, mas a narrativa se perde no filme em razão do pouco tempo para a explicitação dos contextos pessoais. A escalação da Anne Hathaway não ajudou; a composição da personagem ficou bem aquém do esperado para quem conhece o livro.
Eu não conheço o livro, mas achei o personagem do Jim Sturgess péssimo.
Discordo, acho que o que carregou o filme foi a Anne e a a forma doce que ela fez na personagem.
O que decepciona no filme é a falta de desenvolvimento e explicação de algumas coisas, o que o faz um pouco seco, não explora a emoção e as reações dos acasos como devia.
Achei um ótimo filme, isso porque ainda não li o livro, mas achei a história linda, quem gosta do ''gênero'' Nicolas Sparks e Cecilia Ahern, assim como eu, vai gostar do filme!
Bem, certíssimo, mas é um bom filme, mesmo para os não-fãs do gênero literário citado 🙂