Um dos filmes mais amados da história do cinema, JULES E JIM – UMA MULHER PARA DOIS (“Jules et Jim”) é um bem disposto conto romântico francês realizado por François Truffaut (1932-1984) em 1962. Adaptado do romance semi-biográfico de Henri-Pierre Roché, no qual o escritor relata algumas lembranças de sua juventude, começa com as escapadas boêmias de dois companheiros inseparáveis (o alemão Oskar Werner e o francês Henri Serre) e continua com ambos nos braços de Catherine (ponto alto da carreira da musa Jeanne Moreau, na época namorada do diretor), uma garota libertária muito mais que uma simples conquista. Ela torna-se rapidamente o centro da vida dos dois, culminando numa longa série de ajustamentos emocionais e sexuais entre os três que se prolongam durante anos. A história termina em 1933 com uma trágica ocorrência. Influente, abordou de forma bastante polêmica o tema do triângulo amoroso e chegou a ser uma espécie de bandeira do movimento do amor livre nascido nos anos 60. Inspirou dezenas de outros filmes, entre eles “Willie e Phil / Idem” (1980), de Paul Mazursky.
Um dos exemplos máximos da filmografia do cult diretor, afirmando sua paixão por adaptações literárias. Despojado, com uma montagem fragmentada e vários toques criativos na narrativa, como legendas que aparecem de repente no meio da imagem ressaltando diálogos, celebra a amizade, o amor e a própria vida. A narração em off da história mostra que Truffaut quer ser o mais fiel possível à literatura quando faz cinema. Num jogo de cumplicidade entre literatura e cinema, o filme se desenvolve naturalmente. Cativante e extremamente sólido, destaca-se também com a bela trilha sonora composta por George Delerue – um dos nomes obrigatórios da Nouvelle Vague – e os desempenhos assombrosos de Jeanne Moreau, Henri Serre e Oscar Werner (que trabalharia novamente com Truffaut em “Fahrenheit 451”, 1966) – um dos maiores atores do cinema europeu. Leviana e egoísta, a personagem da magnífica Jeanne rouba a cena. Ela nos brinda com uma memorável atuação e inesquecíveis momentos, como ao cantar “Le Tourbillon de La Vie”, ou na cena em que corre vestida de rapaz. A atriz voltaria a filmar com Truffaut no excelente noir “A Noiva Estava de Preto” (1968).
Denso, ousado, imaginativo e irreverente, evidencia também o estilo humanista do diretor, que realiza aqui mais um dos seus notáveis trabalhos. Ele imprime uma direção ágil, visceral e enérgica, apoiada pelo jogo de câmeras de Raoul Coutard. Lírico e ardente, é um filme repleto de paixão, cheio de vontade de viver, e aborda um tema tabu com tamanha delicadeza que fica difícil não se apaixonar pelos personagens. Truffaut considerava esse longa um dos prediletos de sua filmografia, e dizia sempre que foi feito para celebrar a intensidade e a fugacidade das paixões mais incendiárias. JULES E JIM deveria ser programa obrigatório para qualquer cinéfilo. Imperdível.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
1 comentário em “Jules e Jim – Uma Mulher para Dois”
Obrigado pela publicação, caríssimo. O seu blog é excelente. Juro que pensei que já o havia adicionado aos meus favoritos… Falha resolvida.
Abração,
O Falcão Maltês