Guerreiro (Warrior, Estados Unidos, 2011). Direção: Gavin O’Connor. Roteiro: Gavin O’Connor, Anthony Tambakis e Cliff Dorfman. Elenco: Tom Hardy, Joel Edgerton, Nick Nolte, Jennifer Morrison, Frank Grillo, Kevin Dunn, Maximiliano Hernández. Duração: 140 minutos.
Tendo decepcionado nas bilheterias norte-americanas, apesar de um sucesso de crítica naquele país, é incompreensível que
Guerreiro não tenha passado pelas telas de cinema nacionais, haja visto o enorme apelo popular e respaldo que o MMA, as artes marciais mistas ou se você preferir, vale-tudo, tem encontrado no coração dos brasileiros sobretudo com lutadores carismáticos como Anderson Silva. Mais do que isso, o filme é uma ótima oportunidade para se acostumar com um dos novos queridinhos de Hollywood, o bom ator inglês Tom Hardy, alçado a fama imediata em
A Origem, e que futuramente será o vilão Bane na última parte da trilogia do cavaleiro das trevas. Finalmente, os amantes de dramas esportivos, particularmente, das emocionantes histórias de azarões, como
Rocky ou
O Vencedor, ou aqueles interessados em conflitos familiares, disputas e mágoas entre irmãos não ficarão decepcionados.
A história gira em torno de um novo formato de competição do MMA chamado Sparta, uma espécie de gran-prix de vale-tudo no qual os 16 competidores devem duelar ao longo de duas noites na jaula disputando um prêmio de 5 milhões. Tommy Riordan (Hardy) é um ex-fuzileiro naval que certa noite reaparece na casa do seu pai, o ex-alcóolatra e treinador Paddy (Nolte), depois de ter fugido com a mãe quando era criança. Enquanto isso, Brendan Conlon (Edgerton) é um professor de física que, junto com a esposa Tess (Morrison), tenta sustentar as duas filhas e manter a hipoteca da casa em tempos de crise econômica. Para isso, ele não hesita em mentir para sua esposa e participar de lutas no estacionamento de clubes e bares até que, repreendido pelo conselho escolar, acaba matriculando-se na academia de artes marciais de seu amigo Frank Campano (Grillo). Também não poderia esquecer de mencionar: Tommy e Brendan são irmãos, separados na infância, e com meia dúzia de esqueletos no armário para lidar. Convocados a disputar o Sparta após, respectivamente, a divulgação de um vídeo no YouTube e a contusão de um dos participantes, Tommy e Brendan têm na premiação oferecida ao vencedor a chance de ajudar a ex-esposa de um amigo falecido na guerra e de salvar a casa e a família.
Infelizmente esquemático e clichê, o roteiro escrito a seis mãos parece tornar inevitável o combate físico entre Tommy e Brendan, apesar deste ser incrivelmente menos capacitado para o torneio que todos os outros demais. Além disso, os roteiristas não enxergam que obrigar um personagem a dizer que ficou “1.000 dias sem beber” é o suficiente para que saibamos que o fundo da garrafa está próximo novamente. Por outro lado, menos expositivo do que poderia ser, os autores evitam flashbacks e deixam que a mágoa e rancor dos personagens conte o passado trágico dos Conlon nos pertinentes cutucões (ao olhar o antigo carro de Paddy, Tommy não hesita em afirmar “você cuida dele melhor do que cuidou dela”, na clara alusão à mãe; ou ao se reencontrarem nas areias da praia, descobrimos naturalmente como Tommy e Brendan se separaram na infância de maneira prática e econômica). Entretanto, e mesmo com muita boa vontade, é difícil aceitar os comentários deslocados dos narradores das lutas (um dos maiores problemas, a meu ver, nos filmes de esportes) e a elipse da reportagem da CNN que inaugura o ato final. Neste sentido, os depoimentos registrados pelos soldados no Iraque e pela ex-esposa do seu amigo morto prestam um deserviço gigantesco ao personagem de Tommy, muito melhor se visto como uma incógnita.
Por falar nele, Tom Hardy faz uma bela composição em transformar o calado e misterioso Tommy em uma explosão de testosterona e raiva acumulada, especialmente no seu estilo de luta brutal e impiedoso. Lembrando o
touro Jacky Vanmarsenille (Matthias Schoenaerts), do candidato belga ao Oscar 2012
Bullhead, que comentei na Mostra de SP, Tommy esconde um bom coração, o único músculo que não conseguiu desenvolver apropriadamente em função das tragédias vividas na infância. Do outro lado, o excelente ator australiano Joel Edgerton surge como o verdadeiro protagonista, um professor cujo carisma e gentileza é traduzido no estilo de luta técnico e perseverante (embora o diretor Gavin O’Connor ache necessário confirmar isso nas entradas na jaula ao som de Beethoven). Empolgando o espectador em lutas dramáticas – os duelos de Tommy são breves -, Brendan exibe um autossacrifício e força de vontade incomuns que compensam a disparidade técnica e física em relação aos outros competidores. Fechando o elenco, Nick Nolte tem um grande desempenho reconhecido na indicação ao prêmio de ator coadjuvante do Sindicato dos Atores (um termômetro fiel para o Oscar para quem se preocupa e está se perguntando). Humilhando-se para atingir uma reconciliação com seus filhos, é impossível não ter pena de Paddy, embora a imagem de um pai alcóolatra e abusivo nos venha à cabeça ininterruptamente. Desta forma, a dolorosa cena que se passa em um caça-níqueis e os ignorados desejos de
“Boa sorte” antes das lutas parece sepultar o arrependimento de Paddy e as idas à igreja. Me pergunto, seria sua intenção altruísta ou mais um sintoma do egocentrismo manifestado na busca insensata por perdão? E, apesar da resposta, frise-se que apenas grandes atuações me fazem pensar dessa forma.
Fotografado por Masanobu Takayanagi, cujo trabalho encontra a identidade apropriada de cada uma das histórias, cores pálidas e uso de sombras pontuam a trajetória de Tommy e cores quentes acalentam os problemas financeiros de Brendan (que ao menos tem sua família como porto-seguro), Gavin O’Connor tem uma direção correta e eficiente construindo bem a tensão e emoção evocadas no clímax das já mencionadas lutas de Brendan. Entretanto, eu desprezo a necessidade de incluir um lutador russo, Koba, na figura de falso vilão, trajando as cores da extinta União Soviética como maneira de re-editar os conflitos da Guerra Fria ou, quem sabe, de dar a essa história o seu próprio Draco (interpretado por Dolph Ludgren na franquia Rocky).
Encerrando com uma conversa ao pé do ouvido, acertadamente mantida em sigilo para o público, e ignorando reconciliações artificiais ou um desfecho piegas,
Guerreiro é um bom filme, e mesmo que tenha sua parcela de defeitos (e não são poucos), merece ser descoberto não apenas por aqueles mencionados no primeiro parágrafo, mas também, por todos que gostam de cinema.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
11 comentários em “Sugestões: Guerreiro”
Fico cada vez mais impressionado com a atenção (imagino que merecida) que Guerreiro vem recebido. É raro ver um filme que sai em DVD sendo tão comentado pelos críticos brasileiros. Até hoje estou enrolando para assistir. Me parece muito interessante. Conferirei por gostar de cinema, não de MMA, já que acho o esporte estúpido e incompreensível – não vejo graça em ver duas pessoas brigando!
Vale a pena ver essa mancada das distribuidoras nem que seja em DVD (o filme TINHA que ter passado nos cinemas).
Nossa ! O filme nem vai ser exibido nos cinemas? Que mancada !
Filme sem nexo. vc nao sabe quem eh o vilão e ken eh o mocinho na historia.Filme horrivel. Pifio
Preciso fazer uma correção. Koba não representa Drako mas sim o também russo Fedor Emilianenko que nunca lutou nos EUA, era campeão mundial de Sambo e se manteve campeão invicto do extinto Pride, o grande torneio mundial de MMA antes do UFC. este seu "desprezo" ficou com cara de desinformação.
Obrigado pela informação, porém me refiro a quesitos cinematográficos e não à história real (que desconhecia). E repito, o Koba com sua roupa comunista da União Soviética (??) é a versão MMA do Draco, no sentido cinematográfico da coisa.
Achei um filme apenas bom, nada alem disso, vi em outras criticas falarei super bem do filme, porem não vi tudo isso confesso, tambem li que esse é a melhor adaptação de um filme de luta, também tenho que discordar e muito repito Guerreiro é apenas um filme bom nada de excepcional, o filme é muito grande pra historia em si, 2h e pouco pra uma historia simples e sim cliché, muito cliché alias, arrastou muito o drama do filme,o diretor teve 2h e tanto de filme e não conseguiu dar um ritmo bom, ficou muita lacuna principalmente sobre a historia familiar dos protagonistas,não revelou muito coisa sobre isso, e aquele final, o que foi aquilo, ficou bem claro que Tommy é muito melhor lutador que o irmão e pra deixar a historia bonitinha e com certo drama ele acaba perdendo pro irmão bem inferior tecnicamente, quem entende de MMA sabe do que estou falando,se fosse aqui na realidade Tommy nunca perderia a luta, fora que o nunca ficou definido quem era o protagonista ate a cena final do filme, enfim filme nota 6
Pra mim as melhores cenas são as finais, angustiantes, onde Brendan deve finalizar a luta. Agora os comentários dos narradores são mesmo um saco de engolir.
Acho que para os amantes de MMA ( não é o meu caso, pois eu não gosto do esporte, estava apenas esperando um bom filme, após ler tantas críticas bacanas sobre)o filme pareceu clichezão…mas, para quem estava com a mente aberta para ver a história sobre uma família disfuncional, com 3 personagens centrais complexos e com o MMA de pano de fundo, o filme é maravilhoso e supreendente sim! Eu nem senti as 2 hs passarem. E não existe vilão ou mocinho nesse filme. São retratadas apenas pessoas, com qualidades e defeitos.
kkkkkkkkkkkkkk mas que comentário inútil!!!! Como assim vilão e mocinho??? Vc tá zoando ou é burro de verdade ???
Curti muito esse filme. É um excelente filme no qual mostra os dramas, dilemas, altruísmo, traumas e superação de cada personagem. Porem na minha opinião, a forma q foram focadas as lutas do Tommy e as do Brendan deu um "ar fictício" no final . Sparta é o nome dado ao torneio, no qual tinha 16 lutadores e era quase uma luta atras da outra. As lutas de Tommy era rápidas, concisas e objetivas e os oponentes eram literalmente massacrados sem ao menos acertar um golpe. Já as lutas de Brendan, eram longas, cheias de altos e baixos, sofridas, pesarosas e seus oponentes dando muito trabalho até serem vencidos. OK, resumindo e indo direto ao ponto. LUTA FINAL: Tommy(invicto com vitórias fáceis e rápidas, INTACTO e SEM TOMAR UM GOLPE SEQUER) vs Brendan ( invicto com vitórias extremamentes sofridas, PÓ DA RABIOLA e TER APANHADO MAIS DO Q GATO NO SACO). Quais as possibilidades de vitória do Brendan tendo em vista um campeonato como aquele, onde não há tempo para a recuperação física do atleta ???
Mas tirando isso, o filme é perfeito !!!!
Concordo com vc sobre a luta afinal(veja meu cometário acima) mas como assim, não ficou claro quem era o protagonista ??? O Brendan ficou destacado o filme inteiro.