Esse homem é Nick Cassidy (Worthington), ex-policial e fugitivo do presídio de Sing Sing sentenciado a 25 anos pelo suposto roubo de um diamante do magnata David Englander (Harris). Determinado a provar sua inocência ameaçando sacrificar a sua vida, ele submete-se ao crivo da imprensa representada pela caricatura de repórter interpretada por Kyra Sedgwick e ao juízo da platéia de cidadãos nova-yorkinos, ao mesmo tempo em que é os negociadores Dougherty (Burns) e, sobretudo, Lydia Mercer (Banks) tentam convencê-lo, inicialmente, a abdicar da ideia suicida para em seguida, tornarem-se participantes diretos nos eventos. Simultaneamente, o seu irmão Joey (Jamie Bell, o eterno Billy Elliot) e a namorada Angie (Rodriguez) tentam furtar o autêntico diamante do cofre de Englander a fim de provar a inocência de Nick e desmascarar o vilão protegido por um esquema envolvendo policiais corruptos, dentre eles, Dante (Welliver).
Sim, o roteiro de Pablo F. Fenjves é consciente da irrelevância de mais da metade dos personagens, e desafio o espectador a encontrar a mínima utilidade do negociador Dougherty cuja única função aparente é convocar Mercer a pedido de Nick. A propósito, considerando o esforço do roteirista em conceber a totalidade da situação descrita (como Um Dia de Cão ou O Quarto Poder), é embaraçosa a ação dos cidadãos que, em um primeiro momento, instigam Nick a saltar com gritos de “Pule! Pule”, para em outro momento, transformá-lo no herói do povo, no homem comum levado ao extremo. Há, inclusive, o vergonhoso momento manipulador em que, para retardar a ação de alguns policiais, Nick começa a lançar maços de dinheiro à população de curiosos causando tumulto e alvoroço nas ruas. Obrigado seus personagens a agir de forma estúpida e incompreensível – é Englander quem remove o diamante do único lugar em que ele estaria verdadeiramente seguro para, bem, colocá-lo naquele em que ele se encontra mais exposto -, Pablo F. Fenjves ultimamente comete o equívoco de introduzir um dos elementos mais frágeis para unir as pontas do roteiro: o livre-arbítrio potencializado pelo tempo meticulosamente seguido por Joey para executar as ações no outro prédio. Dessa forma, a identidade de Nick TEM que ser revelada no momento exato para induzir os policiais a checarem a segurança e fornecerem a senha de segurança para entrada no cofre (agora imagine um filme todo recheado de situações desse tipo).
Mesmo com um roteiro tão problemático, a competente direção de Asger Leth distraí e empolga o espectador o suficiente para que ele ignore a movimentação das engrenagens e suspenda a descrença na maior parte da narrativa. Balizando sua direção na simplicidade de recursos óbvios, mas eficientes, Asger Leth apresenta Nick em um ângulo baixo rodeado de arranha-céus, rapidamente convidando o espectador a compartilhar a experiência vertiginosa através de planos plongés, aproximações de baixo para cima e a abundância de travellings aéreos, adotando uma abordagem mais convencional para as cenas transcorridas durante a tentativa de furto do diamante. Usando a visão privilegiada de Nick para conceber sequências empolgantes e tolas (é uma sorte que nosso herói não sofra de algum distúrbio oftalmológico), a direção é beneficiada pela boa montagem de Kevin Stitt que, de forma equilibrada e fluida, alterna entre as histórias paralelas sem prejudicar o ritmo e o envolvimento do espectador.
Ajudado pelo desempenho correto e simpático de Sam Worthington e seus “olhos honestos” como mencionado por um personagem em determinado momento, o ator parece nascido para interpretar heróis perseverantes (vide Avatar e Fúrias de Titãs). Além dele, Elizabeth Banks extraí o que pode de sua personagem unidimensional, imediatamente apresentada ingerindo comprimidos, consequência de um suicídio “bem-sucedido” no mês anterior. No mais, o restante do elenco despudoradamente traja a máscara da canastrice: Jamie Bell é estabelecido como um jovem constantemente tenso e suado, Ed Harris é o vilão ganancioso e incompetente, Anthony Mackie, o melhor amigo arrependido e Genesis Rodriguez, bem, apesar de não fazer nada ela se despe até ficar apenas de lingerie rosa antes de se preparar para invadir um cofre, o que diz muito sobre o seu caráter e planejamento da ação. Apresentando membros da imprensa que não hesitam em apostar com quantos minutos Nick irá pular, ao menos o roteiro não tortura o espectador incluindo o antipático chefe de polícia ou um ex-relacionamento amoroso do herói chorando ao vê-lo no beiral e implorando para ele descer.
Afora isso, mesmo com sua parcela de clichês, pedaços do roteiro extraídos de filmes melhores e meia dúzia de personagens caricatos, além de um formato burocrático e derivado, À Beira do Abismo tem o seu ar de novidade (exceto, talvez, se você já tiver visto A Tentação) e é ágil e intenso o bastante para não deixar o espectador pensar nos seus defeitos e furos de lógica.
Menos mal, pois dessa forma ele funciona precisamente como uma boa diversão escapista facilmente esquecível. Agora Asger Leth, como ousa não incluir o contrazoom de Hitchcock?
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
1 comentário em “À Beira do Abismo”
Em Viagem 2: A Ilha Misteriosa tem contrazoom. Você deveria ver.
Mas discordo de você sobre a vertigem. Acho que o filme não consegue representar bem. Enfim…
Toda a parte do roubo é ofensiva, cheia de falhas, de possibilidades. Uma chatice. Cortar o fio vermelho? Sério?