O atentado às torres gêmeas permanece uma chaga aberta no patriótico coração norte-americana e, na medida que os anos passam, é natural que o cinema explore detidamente as consequências e as dores provocadas por aquele ato de indizível violência sob tácita alegação de que a ferida está cicatrizada. A arte geralmente tem essa dimensão fustigadora e inquisidora e a possibilita tecer um panorama realista e minimalista de uma família vitimada pela morte do progenitor no fatídico 11 de setembro. Recriando no imaginário do espectador a imagem mais perturbadora daquele dia logo nos créditos iniciais – o salto de pessoas dos andares mais altos na vã esperança de um milagre ou tomados pelo profundo desespero -, o fascinante diretor Stephen Daldry parecia compreender a dimensão da tragédia nas suas mãos no indicado ao Oscar de Melhor Filme Tão Forte e Tão Perto, até que inevitavelmente, tivemos que conhecer seu protagonista Oskar.
Filho do simpático joalheiro Thomas (Hanks), o seu único amigo, e de Linda (Bullock), Oskar (Torn) é um jovem bastante brilhante e curioso, cujo rápido raciocínio e destreza para números e probabilidades rivaliza com a timidez e escassa inteligência emocional. Instigado pelo pai a participar da batizada “Expedição de Reconhecimento” na busca do distrito perdido de Nova York, onde deveria interagir com os habitantes da cidade na busca de pistas e desenvolver, consequentemente, habilidades sociais, Oskar é surpreendido com a notícia dos atentados e a prematura morte do pai. Transcorrido um ano, ele acidentalmente descobre uma chave, desiludidamente atribuída a segredo escondido pelo pai, que o leva a uma jornada ao redor de Nova York na frustrante busca da fechadura apropriada.
Curiosamente similar a outro dos indicados, A Invenção de Hugo Cabret, a aventura de Oskar recorda a do órfão Hugo na busca de um fio de esperança que os reaproxime à memória do pai. E, apesar deste buscar a chave que ative o segredo do autômato e Oskar o oposto, ambos esbarram na ínfima possibilidade de sucesso o qual apenas poderia ser atingido com doses avassaladoras de sorte e coincidências arranjadas artificialmente no terceiro ato, mormente na participação de Linda e na maneira deselegante com que Oskar descobre um número de telefone. Além disso, o roteirista Eli Roth (de Forrest Gump e O Curioso Caso de Bejamin Button) abusa da boa vontade do espectador transformando os moradores da grande maçã em caricaturas ansiosas por contato humano e a selva de concreto em um ambiente convidativo e aprazível ao desenrolar da intransigente tarefa do nosso jovem protagonista.
Falhando em se esquivar das armadilhas da pieguice, especialmente no terceiro ato quando a trilha sonora de Alexandre Desplat rende-se, enfim, aos acordes melosos e sentimentais, a direção de Stephen Daldry (dos ótimos Billy Elliot, As Horas e O Leitor) vive um conflito interno aparente. Se de um lado, a voz mecânica da secretária eletrônica anuncia com frieza a trágica data (Oskar a chama de “pior dia”), por outro lado nos deparamos com um embaraçoso “Eu te amo” dito na fresta da porta e na menção ao muro dos desaparecidos, onde os nova yorkinos despediam-se dos seus parentes. Entretanto, Daldry é inteligente na diminuição da profundidade de campo e a constante perda de foco na fotografia de Chris Menges anuncia um dos sintomas mais comuns da síndrome de Asperge: o severo prejuízo na convivência social. Além disso, deve-se aplaudir os esforços do diretor que, na maior parte do tempo, afasta Oskar de Linda, ocasionalmente vista à distância, ou detrás de um vidro do banheiro ou na câmera subjetiva.
Pontuado pela desnecessária narração de Oskar, cujo efeito é o oposto de nos aproximar do pequeno, nos afasta, pelo irritante egoísmo e restrição no interesse, a presença de um pandeiro é tão irritante quanto o jovem que o carrega e a autocomiceração em forma de flagelo soa exagerada. E ainda, embora justificável narrativamente o autismo social de Oskar, Thomas Torn parece determinado em transformá-lo na criança mais chata do cinema em 2012, gritando, ofendendo cruelmente a mãe ou, na maior parte do tempo, sendo desagrável com sua ofensiva curiosidade. O que cede espaço para que Max von Sydow, o novo inquilino da sua avó, brilha mesmo que não abra a boca em nenhum momento. Dando prosseguimento à educação de Oskar, catando as migalhas que seu pai deixou, o particular trauma que impediu o inquilino de falar – a direção de arte de seu quartinho é acertada ao ver inúmeros blocos de anotação, o histórico dos seus diálogos – permite um equilíbrio interessante com a personalidade de Oskar, exigindo do jovem mais paciência e atenção. Finalmente, atores como Viola Davis, Tom Hanks, Jeffrey Wright e Sandra Bullock, nesta ordem, roubam a cena sempre que dividem a tela com o jovem Torn.
Montado por Ellen Lewis e Mele Negler que se esforçam para conferir a fluidez e ritmo narrativos que faltam na repetitiva jornada, acompanhamos transições elaboradas como o raccord pós-11 de setembro ou as fusões entre o elaborado esquema de Oskar e a atuação dele aos diversos “Black” que encontra no caminho. Contando com boas ideias, como a existência de arranha céus subterrâneos para os mortos, ultimamente Tão Forte e Tão Perto é um esforço previsível – todo mundo antecipa o conteúdo da sexta mensagem – e pouco relevante sobre o momento mais escuro da história norte-americana.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
6 comentários em “Tão Forte e Tão Perto”
Rapaz, eu juro que jurava que você ia gostar bem mais desse filme! Estou para vê-lo o mais rápido possível, mas o tempo está bem apertado. A sua não foi a primeira crítica nem tão positiva assim em relação ao filme. Vamos ver, vamos ver…
tres estrelas é a nota global do filme mesmo…eu, voce, o julio rs…todo mundo
Ainda não vi, mas tenho uma certa esperança, admiro muito o Daldry. O que me assusta é aturar Sandra Bullock e Tom Hanks juntos. Que diretor de casting é esse?
O Falcão Maltês
Menciono isso. O Daldry só fez filmão… até este daí.
Assino em baixo. Pra mim um dos maiores furos do filme foi ter colocado a Viola Davis pra aparecer no início e depois 'sumir', acho que estava claro que ela voltaria a cena, se considerarmos que os outros 'blacks' eram meros figurantes. Entregar o possível destino da história logo no início do filme diminiu o meu interesse pelas outras experiências do garoto na sua busca… enfim.
*embaixo rs