Certo momento de Guerra é Guerra!, observa-se de relance um trecho do faroeste Butch Cassidy, no qual Paul Newman interpreta o fora-da-lei título e Robert Redford seu inseparável parceiro “The Sundance Kid”. Uma referência um tanto óbvia, pois assim como os bandidos do velho oeste sutilmente disputavam a afeição da bela Katharine Ross, os personagens desta inusitada assemblagem de comédia, romance e ação interpretados por Chirs Pine e Tom Hardy parecem determinados a arruinar anos de amizade e de serviço secreto para conquistar o coração de Reese Witherspoon, que há muitos anos divide a confortável posição de Meg Ryan como queridinha da América junto com Kate Hudson.
Escrito por Timothy Dowling e Simon Kinberg, o roteiro acompanha os agentes da CIA, Tuck (Hardy) e o mulherengo FDR (Pine) que, depois de uma missão atrapalhada, são colocados “de castigo” pela superiora interpretada por Angela Basset, uma constrangedora figuração que aposenta de vez a boa atriz. Durante a ociosidade, Tuck inscreve-se em um sítio de relacionamento onde conhece Lauren (Witherspoon), uma solitária mulher que, segundo a melhor amiga Trish (Handler), “consegue escolher a marca de sabão em pó, mas não um namorado”. Depois de uma coincidência apenas existente nos filmes, Lauren esbarra em FDR e, apesar de se odiarem a princípio, acabam impelidos a engatar sucessivos encontros. Não tarda para os amigos compartilharem a foto da nova “namorada” e uma competição pelo coração de Lauren tome lugar levando o subgênero a um novo patamar de estupidez e presunção, indiretamente comparando-se a um dos clássicos do mestre Alfred Hitchcock.
Mesclando elementos de “A morte lhe caí bem” e “Noivas em guerra”, o roteiro mal reaproveita os mais exauridos clichês das mais tolas comédias românticas, como o casal que se odeia, mas deve ficar junto, um beijo forçado para provocar ciúmes no ex-namorado ou uma amizade abalada pela recém chegada de uma bela mulher. Embora irrite pela rotineira insistência e previsibilidade, são as piadas de mau gosto (a mais reprovável sendo a que compara uma grelha à genitália feminina) e as sobejas resoluções, notadamente a descoberta do paradeiro dos heróis através do tecido de um paletó, a incontestável prova de que macacos treinados poderiam ter substituído a dupla de péssimos roteiristas sem grandes modificações no texto final.
Da mesma maneira, McG mostra-se aturdido e preguiçoso na desastrada decupagem das sequências de ação, “auxiliado” pelos montadores Nicolas de Toth e Jesse Driebusch, cujas pouco inspiradas transições envolvendo imagens de satélite apenas não são piores do que os cortes sucessivos e rápidos que impedem terminantemente a compreensão da geografia das cenas e de quem está atirando em quem. Mostrando-se descartável a subtrama de espionagem (e, por tabela, a do alemão Til Schweiger), nada mais do que um fiapo de desculpa para justificar a presença de dois espiões ao invés de cozinheiros ou professores do nível elementar, incapaz de provocar o mínimo de esboço de empolgação, McG nos bombardeia na péssima introdução transcorrida na cobertura de um prédio, onde o único mistério é descobrir como Tuck surgiu dependurado no parapeito do prédio, e no tiroteio debaixo das epilépticas e intermitentes luzes de uma boate.
Errando menos na comédia de absurdos, sobretudo na divertida escalada de contra-ações tomadas para frustrar o competidor, e que envolve o uso de aviões espiões, dardos tranquilizantes, grampos telefônicos e engenharia social, McG decepciona novamente na confortável covardia de evitar penetrar no politicamente incorreto, no humor negro e/ou no marginalmente violento. É uma decisão segura, carente da excitação de dirigir um Camaro em alta velocidade e de disputar um torneio de paintball intenso, e que inequivocamente transforma os momentos mais piegas, como o beijo depois de saltar de trapézio no picadeiro (?) e o último conselho da melhor-amiga, na definitiva constatação de que estamos diante de um pavorosa bobagem…
Mas, eis que surge o milagre do casting! Disputada por ninguém menos do que o Capitão Kirk do reboot de “Jornada nas Estrelas” e o vilão Bane do novo Batman, Reese Witherspoon encabeça um trio dono de invejável naturalidade e química na pele dos unidimensionais personagens. Ela, uma testadora profissional que parte em busca de “testar” um novo namorado (imagino os roteiristas orgulhando-se de sua “astúcia”), enquanto Chris Pine e Tom Hardy representam dois estereotipados pólos do sexo masculino, como se apenas existissem no imaginário feminino o homem romântico, atencioso e aborrecidamente seguro ou o cafajeste e imaturo sedutor o qual possui uma piscina no teto de sua casa (!). Moldando-se aos intérpretes como uma luva, não é difícil constatar que, longe de ser uma vergonha alheia, o trio esforça-se em conferir não relevância ou profundidade, mas um disparate divertimento.
Assim, mesmo que praticamente indefensável nos aspectos primordiais narrativos, vesti a toga de defensor público e acabei comprando aqueles três insanos sujeitos que, no mundo ideal, mereceriam um filme cheio de riscos e possibilidades alucinantes. Da maneira que é, porém, “Guerra é Guerra!” é um entretenimento passável. Nada mais.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
3 comentários em “Guerra é Guerra!”
Preciso dizer que eu fui assistir a esse filme com certo preconceito, mas acabei me divertindo tão logo ignorei a previsibilidade do filme. Até ri em alguns momentos, principalmente na parte da lama com gravetos e dedadas no quadro.
Tenho tendencia ao sadomasoquismo cinematográfico. Dito isso, vi o trailer do Guerra é Guerra e achei muito bacana, aguardando bastante sua estreia. Pena que ele lançou quando estava atolado de coisas, portanto não deu para eu conferir nas telonas. Agora é ir atrás dele depois… Aparentemente, é divertido como imaginei, e problemático como imaginei também. Deve valer como um bom passatempo!
Me diverti muito com o filme, vc viaja em um mundo que só existe no cinema, sem as verdades duras e cruéis do dia a dia. Momento de descontração porque afinal e pra isso que serve o cinema.