A história é ambientada na poluída Thneedville, cidade manufaturada de plástico na qual as árvores precisam de pilhas para funcionar, as flores artificialmente brotam do chão e a natureza é um conceito assustador distante do imaginário dos moradores, alienados por uma corporação cuja nova invenção é o ar puro engarrafado. Mas, a cidade nem sempre fora assim, tendo sido povoada por imponentes árvores de trúfulas “macias como a sede e cheirando a leite de borboleta” e divertidas criaturinhas como peixes cantores, cisnes amarelos e ursinhos brincalhões. Atrás da mítica trúfula, o jovem Ted parte na busca do presente definitivo para conquistar Audrey, seu amor platônico, o que o leva além dos limites da cidade em um mundo preso na fotografia enegrecida e opressiva da devastação desoladora e dos rios poluídos de detritos e piche.
Longe dos muros de Thneedville, Ted conhece Umavez-ildo, eremita cuja ganância fora a causadora do desmatamento das trúfulas em um passado não tão distante. Contando a sua história através de flashbacks, que diminuem a fluidez narrativa consideravelmente, Ted descobre sobre o Lorax do título, o ser guardião da floresta e dono das filosofias mais óbvias do universo cinematográfico: a de manter as suas promessas, de não esquecer a sua verdadeira essência e não se deixar influenciar pelos outros. Por falar na manifestamente escancarada moral, a mensagem ecológica do filme é mastigada para os menores, o que não parece errado considerando-se o público alvo, mas atesta a carência de realizadores refinados que consigam plantar a semente do subentendido sem recorrer a diálogos expositivos sobe a importância de plantar uma árvore.
Esse, aliás, é o maior dos problemas nas adaptações das obras do Dr. Seuss: o material é sutil demais e, na época da publicação, exigia o compromisso e envolvimento dos pequenos leitores, o que não existe numa sociedade de informações abundantes, pouca leitura, estímulos visuais obrigatoriamente intensos e um preocupante deficit de atenção e concentração. Soma-se a isto que os contos do Dr. Seuss não são suficientemente longos para encher um filme de 90 minutos, exigindo o acréscimo de subtramas, umas descartáveis (o interesse amoroso de Ted e a mal utilizada ideia do monitoramento por câmeras) e outras mais divertidinhas (o napoleônico vilão O’Hare), além de números musicais que, empolgantes num primeiro momento, acabam relegados ao esquecimento logo depois que as luzes se apagam.
Nos aspectos visuais, a animação investe num mundo de cores vibrantes (igual aos demais filmes baseados nos livros do Dr. Seuss’), contrastes acentuados e texturas bem delineadas que diferenciam a artificialidade das construções de Thneedville dos elementos intrinsecamente naturais. Pecando apenas na animação de fluidos – especialmente na pobre cena que se passa em uma corredeira -, é difícil não se hipnotizar com os detalhes do design de produção, as gelatinas que furtam a forma de outros alimentos e as divertidas publicidades que ornam a cidade (sendo a do ar engarrafado diet a mais inspirada). Até as criaturas que cantam a marcha fúnebre e o jingle de Missão: Impossível e os ursinhos, narrativamente inúteis, funcionam como satisfatório alívio cômico.
Por sua vez, a direção de Chris Renaud e Kyle Balda mascara a inércia narrativa existente no curso dos cansativos flashbacks em sequências de ação que, embora não justifiquem o descartável 3D, prendem a atenção dos menores especialmente no terceiro ato que é, basicamente, uma grande perseguição. No entanto, os diretores não hesitam em empregar clichês variados como a gag da interrupção da música dentro do elevador lotado e a distração empregada pela mãe de Ted para beneficiar a fuga do filho.
Apresentando uma criatura vendida como a rabugenta protagonista (a voz rouca de Danny DeVito da versão legendada faz muita falta), o Lorax materializa a consciência ecológica da coletividade, ciente da importância do elemento humano para o (des)equilíbrio ambiental e desapontado por não conseguir mudar o rumo das ações de Umavez-ildo. Não é a toa que ele não divida sequer uma cena com o energético e impulsivo Ted, que não demora para superar a romântica jornada egoística e compreender a importância de restaurar a ordem e equilíbrio naturais.
Distante de ser sutil, O Lorax – Em Busca da Trúfula Perdida afasta-se do refinamento do conto de Dr. Seuss, distraindo-se no agitado mundo de cores e confundindo suas prioridades narrativas. Mas, não se espante se, na saída do cinema, empolgados jovens discutirem sobre a vontade de plantar uma árvore, pois o que pode parecer apenas banalidade efusiva infantil, talvez signifique que uma pequena semente de trúfula tenha sido plantada naquelas cabecinhas. Quem sabe, então, a mensagem não tenha sido em vão?
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
2 comentários em “O Lorax – Em Busca da Trúfula Perdida”
Porcaria de filme.
Assinado: dono da verdade.
Esqueci de fazer duas observações:
A) O correto, se você quiser ficar… correto, é Sneedville. Em português brasileiro, digo. Sei disso porque conferi nas press notes. Corrija se quiser.
B) Eu, particularmente, não gosto de textos com imagens interrompendo a leitura. Pode até ajudar quem tem preguiça de ler (porque não dá pra ter certeza se o texto tá acabando ou não sem ter que rolar a página), mas eu PARTICULARMENTE não faria isso no irretocável Cinema Sem Erros.
Abs.