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A Perseguição

(The Grey), Estados Unidos, 2011. Direção: Joe Carnahan. Roteiro: Joe Carnahan e Ian Mackenzie Jeffers. Elenco: Liam Neeson, Frank Grillo, Dermot Mulroney, Dallas Roberts, Joe Anderson, Nonso Anozie, James Badge Dale e Ben Bray. Duração: 115 minutos.

Sobreviver é tudo o que John Ottway tem feito desde que abandonou a cálida humanidade, simbolizada pelas memórias da mulher que deixou para trás, e aceitou o emprego de segurança de uma estação petrolífera no Alasca. De constituição e porte avantajados e conduta taciturna, John é interpretado por Liam Neeson, ator irlandês à beira de 60 anos, que há alguns anos subitamente migrou dos dramas para assumir a condição de herói de ação ou de mentor, mas cujas profundas linhas de expressão e olhos cansados ostentam uma significativa experiência e uma melancólica bagagem emocional determinantes ao protagonista de A Perseguição.

Auto-descrito como um pária da sociedade, Ottway destina-se ao isolamento. No bar, ele é discreto, alheio a confusões e à convivência; no perímetro da estação, a presença dos lobos é demasiadamente fugaz para lhe fazer companhia. Até que certo dia, o avião em que ele e outros trabalhadores estavam sofre um acidente e caí na uniforme paisagem invernal: aguardar não é uma solução, eles congelariam antes de serem resgatados, e a descoberta de territorialistas lobos os obriga a buscar abrigo na floresta avistada no horizonte. Quem os lidera é Ottway, o alfa de uma “matilha” de sete sobreviventes nas mais adversas condições imagináveis: escassez de água e alimentos, frio rigoroso, reduzida moral e no raio de ataque de predadores violentos.

Condições descritas no diegético uivo de lobos, ouvidos tão logo se inicie a narrativa, e no estarrecedor visual da fotografia de Masanobu Takayanagi, opressiva na neve e claustrofóbica no interior da floresta. Paisagem esta naturalmente bela e harmônica, mas pouco convidativa, atribulada por borrascas e manchada pelo sangue de vítimas que se acumulam na medida em que aquele reduzido bando de sobreviventes marcha em busca de salvação. Diferente do pertinentemente citado Vivos, essa não culminaria no reencontro de familiares, pelo contrário, implicaria no retorno à miserável e subumana existência; a coragem, portanto, brotaria do instinto de preservação do ser humano e das acalentadoras e pontuais memórias, como a dos cabelos da jovem filha de um personagem roçando no seu rosto.
Esse tom existencialista e filosófico distingue esta de outras narrativas similares, na qual um agressor mata um a um os membros de uma equipe. Entretanto, o diretor Joe Carnahan não se contenta com tão pouco. Há ferozes ataques, freneticamente montados na alusão à irracionalidade destrutiva dos lobos, e as sequências de ação impressionam pela crueza realista da câmera subjetiva empregada, como na excepcional queda do avião, mas é o víeis humanitário seu maior diferencial. Desde o momento em que Ottway tenta dirimir a aflição de um homem condenado à morte inevitável, surge a preocupação de tornar a vida dos demais imprescindível, embora as adversidades levam a narrativa a rumo diverso.
A reduzida profundidade de campo aproxima o espectador de cada um daqueles homens, seus medos, a fisionomia e os olhares, e a calorosa fogueira ilumina e afasta a noite fria, além de unir e estabelecer a camaradagem. Há inevitáveis divergências, e Diaz (Grillo, excepcional) de pronto contraria as decisões de Ottway e veste o esteriótipo de vilão, apenas para, em seguida, se revelar um dos mais conflituosos do grupo. Aliás, o roteiro co-escrito por Carnahan e Ian Mackenzie Jeffers evita transformar aqueles homens em caricaturas unidimensionais: se Flannery (Anderson) soava como um alívio-cômico, seu destino tem impacto suficiente para dissipar esta impressão, já Hendrick (Roberts) assume um lado espiritual óbvio e não se esquiva de render orações aos mortos, embora se revele um sujeito agradável e interessante. Outros personagens como Talget (Mulroney) e Burke (Anozie) enriquecem a narrativa e tornam a preocupação do espectador por seu destino mais concreta.
Receio fundado na trajetória mais aguda do bando, confrontado com obstáculos naturais aparentemente intransponíveis – a travessia do precipício é genial no emprego do plano plongé no momento exato -, e a sugestão de que uma recompensa feliz pareça estar fora de cogitação na medida em que as carteiras, usadas para identificar os que morreram, começam a se acumular. Este é o destino de quem enfrenta a impiedosa natureza, por mais hipnótica e sedutora que ela pareça à primeira vista, o que Talget comenta ironicamente ao questionar o porquê deles terem sobrevivido ao acidente, se eles estão destinados ao fim nas presas dos lobos?

Deus saberia responder essa amarga zombaria do destino, mas Ele prefere silenciar, enviando Ottway à desoladora solidão no abandono à autossuficiência, tal como o lobo “alfa”. À sua forma, isto traduz a poesia, viva na memória de Ottway e baluarte de sua definitiva intransigência.
“Mais uma vez rumo ao combate
Para a última boa luta que eu jamais viverei
Viver e morrer neste dia
Viver e morrer neste dia”

P.S.: após os créditos há uma ambígua sequência final.

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