(The Avengers), Estados Unidos, 2012. Direção: Joss Whedon. Roteiro: Joss Whedon. Elenco: Robert Downey Jr., Chris Evans, Mark Ruffalo, Chris Hemsworth, Scarlett Johansson, Jeremy Renner, Tom Hiddleston, Clark Gregg, Cobie Smulders, Stellan Skarsgard, Samuel L. Jackson, Gwyneth Paltrow. Duração: 142 minutos.
Faz 4 anos que, após os créditos finais da surpreendente aventura do
Homem de Ferro, a Marvel fez uma manobra ousada ao sugerir a iniciativa Vingadores. Durante os quatro filmes seguintes da companhia, cronologicamente, a fraca continuação
Homem de Ferro 2, o
reboot do
Incrível Hulk, além das estreias do deus do trovão
Thor e do ufanista
Capitão América, pistas foram deixadas e o arcabouço da definitiva reunião de super-heróis montado. Tudo isto foi o suficiente para que os fãs idealizassem, especulassem e ansiassem pelo fatídico dia em que a Marvel poria à prova seu ambicioso projeto e responderia a pergunta: valeu a pena comprometer, e as vezes sacrificar, às histórias solo dos heróis em prol de algo tão grandioso? A resposta não poderia ser mais entusiasticamente afirmativa, apesar de conter algumas ressalvas.
Boa parte do sucesso de Os Vingadores credita-se imediatamente na conta daqueles envolvidos nas aventuras anteriores de cada herói que, embora jamais espetaculares, mas sim, seguras e burocráticas em demasia, mantiveram-se fiéis à essência dos quadrinhos e privilegiaram o desenvolvimento humano ao invés de cegamente investir na ação despudorada. Consequentemente, reencontrar o narcisismo mordaz de Tony Stark e a imponência orgulhosa de Thor é como esbarrar em amigos que há tempos não se via, o que permite ao roteiro de Joss Whedon mergulhar rapidamente na dinâmica da equipe em formação, nas faíscas e afinidades oriundas do choque de personalidades. Existem figuras complexas e tridimensionais detrás dos embaraçosos figurinos (a capa do Thor é comparada com as cortinas de sua mãe, adivinhem por quem!), sedimentados por intérpretes competentes e o conhecimento de causa de uma companhia que conhece a fundo seus heróis.
Assim, Tony Stark nunca esteve tão afiado nas ágeis intromissões ao se referir a um “modelo artificial de vida” na ligação do agente Coulson e ao celebrar a sobrecarga de 400% de energia na sua armadura. Também se destacam os sugestivos apelidos, quando Gavião Arqueiro é chamado de Legolas ou Thor de Caçadores de Emoção graças à semelhança a Patrick Swayze nesse filme. Porém, engana-se quem pensa que Robert Downey Jr. rouba o filme para si, o que ocorre quando o Hulk entra em cena. Dono das melhores gags do longa, o gigante esmeralda, que não obteve êxito nas aventuras solo, depara-se com o improvável posto de alívio cômico (não, você não está lendo errado!) e não decepciona no encontro com Loki, no tabefe desferido em Thor ou na sugestiva forma de despertar Tony Stark em certo momento.
Por outro lado, mesmo dividindo harmonicamente tempo em cena, Capitão América e Thor saem visivelmente prejudicados. Este, desde o momento em que retorna inexplicavelmente à Terra – a ponte arco-íris havia sido destruída e a breve explicação recaí na magia negra -, apostando novamente nos agora aborrecidos conflitos familiares com Loki (Hiddleston); enquanto isso, o bandeiroso é incapaz de medir forças com deuses e monstros, inferiorizado até mesmo pelas ações da Viúva Negra e do Gavião Arqueiro que sequer têm super-poderes.
Nessa reunião de heróis, é Loki quem se destaca. De longe o melhor super-vilão dos filmes da Marvel, o deus da trapaça surge mais seguro e ameaçador, vaidosamente enxergando-se como uma diva, um monumento digno de adoração convicto do seu poder e da suposta inferioridade dos humanos. O que não impede o ótimo Tom Hiddleston de enfatizar ricas nuances, como as lágrimas que brotam após a sugestão de retorno a Asgard por seu irmão, e a nítida superioridade emanada no desprezo do duelo verborrágico com Tony Stark.
Para conduzir esta orquestra de egos, o diretor Joss Whedon, conhecido por séries televisivas como Buffy e Firefly, parecia a mais improvável escolha, revelando-se ultimamente uma aposta acertada. Equilibrando o humor e ação, sem olvidar do desenrolar da narrativa, Whedon é competente tanto em conferir amplitude e intensidade às sequências de ação como nos momentos mais intimistas, extraí uma química interessante entre os seus intérpretes – o encontro de Banner e Stark é genial no mútuo respeito nutrido pelos cientistas. Reconhecendo a grandiosidade daquele universo a partir de enquadramentos de baixo para cima, Whedon deixa boquiaberto o mais exigente no espetacular plano-sequência durante o clímax, onde revela as ações de cada herói em pontos distintos.
A montagem de Jeffrey Ford e Lisa Lassek também é feliz, desacelerando a narrativa sem que esta perca o fôlego e momento – a duração é superior a 140 minutos – e evitando transformar as sequências de ação em incoerentes emaranhados de cortes. O maior êxito dos montadores, porém, é o equilíbrio encontrado entre tons tão díspares quantos os respectivos mundos dos heróis, conseguindo a proeza de soar fluido homogeneamente ao longo da narrativa. Aliás, o design de produção, afora os figurinos, está de parabéns na concepção do hercúleo porta-aviões voador da S.H.I.E.L.D. e de monstruosas criaturas similares a tartarugas voadoras.
Mas, logo quando eu começava a soar o mais abusado fanboy, é impossível não reparar nos inúmeros defeitos do roteiro de Whedon. Assim, embora as brigas entre os heróis sejam inevitáveis, a envolvendo o Homem de Ferro e o Thor beira a incredulidade e o embaraço. Outro grave defeito é a mudança da personalidade do Hulk ao longo na narrativa, evoluindo da bestialidade de força da natureza à criatura inteligente, capaz de compreender e acatar as ordens do Capitão América. E como não estranhar ouvir Nick Fury afirmando estar encerrada a iniciativa Vingadores se esta sequer tinha sido posta em prática num primeiro momento?
Nada que consiga, no final, prejudicar gravemente este empolgante e grandioso evento cinematográfico, a realização dos sonhos do mais ardoroso fã e um baita blockbuster que, enfim, esmaga!
P.S.: (SPOILERS) Há uma cena durante os créditos incluindo um personagem do universo Marvel cujo nome flerta com a morte.
Termômetro do Kritz:
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
7 comentários em “Os Vingadores – The Avengers”
Foi ideia ousada os filmes solo… e eles preparam o terreno muito bem! Estou ansioso pelo filme, até agora só li críticas positivas.
Parabens pelo blog, gostei muito das criticas que li aqui. Continue assim!
"inferiorizado até mesmo pelas ações da Viúva Negra e do Gavião Arqueiro que sequer têm super-poderes" – ok, sou obrigado a concordar. Apesar de achar o Chris surpreendentemente natural no filme (justo eu, que havia achado ele o câncer do filme solo do herói), a ação dos outros dois personagens é muito mais interessante – principalmente a do Gavião.
Loki é, sem dúvida alguma, o melhor vilão que a Marvel trouxe ao cinema. Ele não está mais contido como em Thor e se diverte demais, adorei isso. Mas fui realmente enfeitiçado por Whedon e os erros de roteiro que tu e o Pablo falaram, não acho tão evidentes e acho facilmente explicáveis.
A questão do Hulk, por exemplo, vejo nas entrelinhas. Desde o filme de Norton o personagem trabalhava na busca por um controle temperamental (o principal acerto do filme). Aqui, há dois momentos de transformações: uma é quando ele não consegue se controlar, assim, ele perde completamente a cabeça e tenta atacar tudo e todos; por outro lado, quando ele QUER se transformar ele passa a ter o controle sobre o gigante, o que não coloca o "acatar ordens do Capitão" tão imperdoável (ao meu ver).
Outra coisa, a questão do Fury e iniciativa dos Vingadores tem no Homem de Ferro 2. Ele cita que iriam colocar o projeto pra funcionar, mas sem todos os heróis e o Homem de Ferro não funcionava no espírito de equipe, lembra? Já as brigas entre os heróis é rotineira nas HQs e vejo como uma forma de homenagem.
No mais, era isso, Márcio. Ótima crítica, como sempre.
Abração,
Andrey Lehnemann
Boa tarde, Márcio.
Muito boa sua crítica, mas só por você ter citado "magia negra" (que bobagem) dá pra ver que nunca leu um gibi do Thor na vida.
Realmente não é explicado como Thor voltou para a Terra, mas em certa hora do filme Loki cita que Odin deve ter gasto muito de sua energia para fazer isso.
Sobre o Huk mudar de atitude muito rapidamente, o que o pessoal comenta é que a primeira transformação foi não intencional, daí ele atacar a Viúva Negra, já no final Baner controlou a mudança e conseguiu (relativamente) direcionar o comportamento do Hulk.
Achei o filme bem divertido, Whedon conseguiu unir personagens diferentes em um roteiro ágil e claro.
Se a continuação for nesse mesmo nível, o público agradece.
Eu e um amigo meu escrevemos sobre o filme aqui
http://fantasticocenario.com.br/2012/04/30/dissecamos-os-vingadores/#comment-4635.
Valeu
Jacques, o Loki não usa o termo magia negra, é verdade, mas ele fala algo relacionado, o que, independentemente dos gibis, é uma explicação muito rasteira e simplória para algo tão importante.
Concordo com todos os defeitos, embora sejam ofuscados pela grandiosidade e o resultado final, que empolga e diverte o público. A dinâmica entre o grupo é realmente muito bem trabalhada, sendo que cada herói tem seu tempo necessário em tela. Ainda sim, é uma pena ver o Capitão América sendo tão reduzido pelo roteiro. Já a Viúva-Negra me surpreendeu: suas coreografias e lutas são sensacionais, e no meio de tantos rapazes, era necessário um "mulherão" assim. haha
Pra quem lê quadrinhos de super herois desde 1979, é um sonho realizado!! A melhor notícia é que qualquer um via que a chance do filme sair uma droga era muito grande, e eles conseguiram fazer um bom filme, o que num projeto tão grandioso assim acaba gerando esse estrondoso blockbuster……