(The Pirates! Band of Misfits), Inglaterra/Estados Unidos, 2012. Direção: Peter Lord e Jeff Newitt. Roteiro: Gideon Dafoe. Vozes de: Hugh Grant, Martin Freeman, Imelda Staunton, David Tennant, Jeremy Piven, Salma Hayek, Anton Yelchin e Brendan Gleeson. Duração: 88 minutos.
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O trabalho dignifica o homem“, afirma o dito popular, e afora o fato de permanecer uma grande criança, isto explica o meu carinho inabalável por animações. Exigindo, normalmente, um empenho maior do que o visto nos filmes tradicionais para ser produzida, esta técnica narrativa, mesmo nos esforços mais picaretas e fracos, consegue cativar nem que seja apenas no traço do ilustrador dos exemplares à mão, ou na atenção a detalhes, cores e texturas das animações computadorizadas. Ciente do esforço dos estúdios Aardman (de
Fuga das Galinhas), que no curso de 5 anos usou o
stop-motion para animar piratas modelados à mão e cenários construídos em reduzidas salas, é difícil não assistir a
Piratas Pirados! munido de olhar tenro.
Baseado nos contos de Gideon Dafoe, que também assina o roteiro, a história acompanha os esforços do atrapalhado, entusiasmado e vaidoso Capitão Pirata na busca de ganhar o prêmio de pirata do ano, o qual almeja há 20 anos. Com barba vistosa e postura altiva, o pirata desanima diante do êxito dos competidores rivais, até que durante as tentativas frustradas e engraçadas de pilhar outros navios, ele esbarra no HMS Beagle, a lendária embarcação do cientista Charles Darwin. Descobrindo que Poli não é o papagaio gordo que pensava, mas a supostamente extinta ave dodó, o Capitão Pirata aceita expô-la em Londres, na feira de ciências patrocinada pela Rainha Vitória, iludido pela promessa de uma grande recompensa em ouro.
Embora parta da simplória premissa do personagem buscando aprovação de seus pares, o que o Capitão Pirata e Charles Darwin têm em comum, e contenha conflitos previsíveis e elementos batidos de aventuras bucaneiras, a narrativa co-dirigida por Peter Lord e Jeff Newitt tem um humor cínico tipicamente britânico e irresistíveis gags visuais. Se é sedutora a ideia da escritora Jane Austen dividir uma cena com o Homem Elefante, a concepção do Rei Pirata como um sósia de Elvis Presley, o inusitado corpo de jurados do pirata do ano e a constelação de cientistas amontoados para ver a dodó agregam um bem-vindo sarcasmo adulto.
Os pequeninos também têm fartos motivos para se entreter, graças ao ritmo ágil e intenso nos 88 minutos e sequências de ação divertidas, como aquela envolvendo uma banheira nas infinitas escadarias da mansão de Darwin, ou no clímax passado na nau da Rainha Vitória. Até transições conceitualmente típicas, como a que se passa nos mapas e desmistifica a presença de um monstro marinho (ou não), e personagens descartáveis como o macaco que se comunica por cartões, acertam mais do que erram.
Depositando no design de produção sua principal qualidade, a animação tem um impressionante zelo com a expressividade dos personagens, cujos olhos, pálpebras e sobrancelhas (frise-se: de massa de modelar) expõem mais sentimentos do que Taylor Lautner ao vivenciar um imprinting. A fluência dos movimentos também é marcante, e apenas o galope travado do cavalo da carruagem demonstra uma pequena falha no método perfeccionista dos estúdios. Por sua vez, o detalhismo da animação atinge níveis extraordinários na aspereza das papilas da língua de uma baleia ou na borra de sangue na lâmina do machado do carrasco.
Mas, raríssimas histórias funcionam sustentadas apenas na estética visual, e é louvável o comprometimento do Capitão Pirata a sua tripulação, e a admiração que estes sentem por ele é nítida, apesar dele ser um fracasso no ofício bucaneiro. Já a historicamente bondosa rainha Vitória, torna-se uma vilã cruel, salivando diante de iguarias exóticas, enquanto Charles Darwin um cientista inseguro e franzino, submisso à imagem dominadora da rainha.
Batizando os demais tripulantes divertidamente salientando as suas características pessoais (o pirata albino ou o pirata da perna de pau), Piratas Pirados! é o agradável fruto do árduo trabalho de um estúdio de animação mestre na técnica do stop motion e, de quebra, de fascinar os olhos e encantar o coração.
Termômetro
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
4 comentários em “Piratas Pirados!”
Estou muito ansioso para ver essa animação. Gostei do trailer e estou precisando relaxar.
Valeu a dica, Márcio. Vou vê-lo.
O Falcão Maltês
Também tenho essa paixão por animações, e a Aardman é sempre um estúdio que me fascina no preciosismo incansável e na criatividade visual e narrativa que suas produções têm. Mas PIRATAS PIRADOS!, infelizmente, me encantou apenas na técnica; achei a história bem desinteressante, e um protagonista não muito divertido. Se em A FUGA DAS GALINHAS eu chorei e em A BATALHA DOS VEGETAIS eu ri bastante, aqui eu apenas fiquei admirando a direção de arte e a paciência em se filmar tantas variações de bonequinhos.
Simplesmente fantástico!!!