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Mamma Roma

Mamma Roma, Itália, 1962. Direção: Pier Paolo Pasolini. Roteiro: Pier Paolo Pasolini. Elenco: Anna Magnani, Ettore Garofolo, Franco Citti, Silvana Corsini, Luisa Loiano, Paolo Volponi. Duração: 106 minutos.


Pier Paolo Pasolini incomodou gente demais em sua breve carreira cinematográfica. Ateu confesso na Itália católica, com seus trabalhos controversos ele deflagrou uma guerra artística usando a Bíblia para criticar dogmas e tecer comentários e apologias acerca da marginalização social e sexualização. Não é à toa que Mamma Roma, a personagem título de seu segundo trabalho, tenha contornos tão explícitos das Marias: da Madalena, a sua origem como prostituta; da de Nazaré, a inabalável dedicação materna por seu filho único, Ettore. Mas, isto não seria tão grave se a narrativa não viesse em uma embalagem implicitamente edipiana e os olhares disparados a uma basílica não hesitassem em responsabilizar Deus das mazelas transcorridas na difícil vida da mulher.
Antes disto, porém, o roteiro do próprio Pasolini busca situar o espectador em uma Itália pobre, quente e pouco escolarizada, onde os personagens se movimentam em torno de um escambo moral, cunhando e quitando favores e dívidas de espécies diversas. Nesta Itália, de rostos familiares e histórias contadas no pórtico das casas, Mamma Roma (Magnami) desfila arrogância e sensualidade e ajuda a compreender no jeito efusivo, o encanto que provocava nos homens (e o ciúme das mulheres) de quando rodava as ruas de Roma. Movida a resgatar e integrar o filho na sociedade romena, ele havia sido abandonado criança em uma cidade vizinha, Mamma também se dedica a encontrar um emprego e uma boa mulher para ele, tarefa árdua já que o vadio e arredio Ettore (Garofolo), desabituado ao estudo e profissão.
Filho do cafetão Carmine (Citt) e dono de uma infância e adolescência jamais revelados (assim como as de Jesus), Ettore acaba apaixonando-se por Bruna (Corsini), uma libertina mulher que não tem problema algum em dispor da sua sexualidade com qualquer um dos jovens malandros da vizinhança. Esta atração de Ettore por Bruna remete a um complexo de Édipo desenvolvido sem alarde por Pasolini e, mesmo que o jovem desconheça a vida pregressa da sua mãe, é natural concluir que a fixação decorre instintivamente do paralelo dessa com Mamma. E as semelhanças entre elas não se prendem exclusivamente às liberalidades sexuais, e ambas também foram mães na juventude de bebês doentes, detalhe mencionado sutilmente certo momento.
Inspirado pelo movimento neorrealista, Pasolini explora a realidade nua, crua e desglamourizada de Roma, desencadeando os eventos de maneira livre (alguns diriam, frouxamente), sendo que muitos destes parecem existir independentemente dos demais, quase apêndices, como a visita de Mamma e um comparsa fingindo serem irmãos. Se ajuda no desenvolvimento de facetas de uns personagens, serve inclusive como respiro de jovialidade no terceiro ato, onde o romanticismo pausado cede lugar a uma sucessão súbita de situações que escalam em complexidade. Não obstante, ainda, a fotografia de Tonino Delli Colli acentua a precariedade daquela população, expondo-os usando apenas a iluminação natural, o que rende a sequência mais bela da narrativa: Mamma Roma vagueando na rua escura, debaixo das parcas luzes dos postes de iluminação que mais parecem pequenos lampiões incandescentes à distância.
Utilizando sobretudo atores amadores, de forma a construir o retrato mais honesto e autêntico, com exceção da ótima Anna Magnani, não é difícil observar a sensível perda na qualidade assim que algum dos jovens da gangue assume as rédeas da ação, cuja inexperiência é denunciada agudamente nos closes de Pasolini. O mesmo acontece nas intervenções bem humoradas e descartáveis de convidados na cerimônia de casamento de Carmine e Clementina. Aliás, é neste momento que Pasolini sugere a sua versão da Santa Ceia, usando o mesmo enquadramento frontal visto na pintura de Leonardo da Vinci. A usurpação de símbolos religiosos viria ou na forma de objetos cenográficos, como escapulários e crucifixos, quanto na condução do “calvário”  e a imagem de um personagem de braços abertos e prestes a expirar apenas poderia significar a sua paixão.
Nada, entretanto, que justifique o banimento desta belíssima obra de arte de muitos cinemas ou a agressão infligida por neonazistas na ocasião de seu lançamento, o que viria a fomentar a curiosidade do público na simplicidade e ousadia da obra de um diretor incômodo e mordaz e, inegavelmente, talentoso e poético. 



Esta crítica integra o especial do Cinema com Crítica que celebra o aniversário de clássicos que completaram 50 anos de idade. Na próxima edição, A Faca na Água.

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3 comentários em “Mamma Roma”

  1. É irônico como o Pasolini era ateu, homossexual e comunista (até certo período da vida), mas a Igreja Católica abraçou o belíssimo "O Evangelho Segundo São Mateus". Mamma Roma é um dos que mais tenho vontade de conferir, na filmografia do diretor italiano.

  2. Por caminhos áridos estás andando. Pasolini sabia dirigir, mas o q ele gostava mesmo era de perversão, escatologia, sadismos, etc. Esse filme, assim como o evangelho de mateus era totalmente Marxistas, portanto ateu, antibíblico, o que a revista Veja falou do evangelho de mateus é tudo mentira. Veja Saló… Outra, se você ler a Bíblia, verá que em nenhum evangelho diz q maria madalena era prostituta. Procurem não ter uma visão deturpada da historia, se baseando apenas em filmes.

    ABRAÇOS

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