Escrito por Shauna Cross e Heather Hach, a história acompanha quatro casais grávidos e um outro esperando na fila de adoção, seus problemas individuais e a responsabilidade crescente com o iminente nascimento do bebê. Uma das futuras mamães é Jules (Diaz), a controladora apresentadora de um reality show de perda de peso que está grávida de Evan (Morrison), o seu parceiro no programa dança das celebridades e com quem ela nunca parece chegar a um consenso. A outra gestante é Wendy (Banks), casada com Gary (Falcone) e cuja ansiedade em engravidar está estampada no seu ofício (ela é dona de uma loja de bebês e autora de um bizarro livro infantil sobre amamentação), assim como no aplicativo que informa o período de sua ovulação ou ainda na necessidade de realizar cinco testes de gravidez para comprovar que esta ocorrera de fato. Mas Gary tem outros problemas: lidar com o pai extremamente competitivo Ramsey (Quaid) e com a madrasta Skyler (Decker), grávida de gêmeos e adorando a gestação (para a inveja desesperada de Wendy). Ainda há o casal Holly (Lopez) e Alex (Santoro) adaptando a sua vida para esperar uma criança africana (um comentário humanitário mas com traços de crítica social) e os cozinheiros concorrentes Rosie (Kendrick) e Marco (Crawford), jovens que reviveram os tempo de colegial praticando sexo irresponsável – cuja consequência é uma gravidez inesperada.
Mesmo carismáticos, os intérpretes encaram o traumático carma da unidimensionalidade, infelizmente, tão comum neste gênero e acentuado pelo próprio formato que exige uma rigorosa divisão de tempo entre os personagens. Nesse sentido, Jules quer tudo do seu jeito, enquanto Evan é inclinado ao diálogo; Wendy manifesta o pior da gestação, como os pés inchados, gases e incontinência urinária, além de um descontrole sentimental inverossímil que a leva a destruir o celular de sua (também) irritante ajudante ou a realizar uma palestra atipicamente sincera; já Gary, o filho inseguro, e Ramsey, o pai ricaço que acha que um bolo de dinheiro sacado do bolso é a solução de todos os problemas, limitam-se a um antagonismo tolo e obrigam a patricinha Skyler (quem diria!) a ter a ingrata missão de apartá-los. E se Rosie e Marco encarnam os clichês das comédias românticas juvenis, como o tom de “eles se odeiam, mas se amam” e as amizades descartáveis, Holly e Alex falham em ser personagens reais em meio a subterfúgios engraçadinhos (ele adere a um grupo de pais chefiado pelo verborrágico personagem de Chris Rock) e inconvenientes (ela é demitida do emprego de fotógrafa e mente ao marido, mesmo não sendo da sua índole) – e esta seria a subtrama mais propensa a ter um autêntico conflito, graças à infertilidade de Holly que é simplesmente cuspida na tela para que Jennifer Lopez possar ter seu momento “dramático”.
Talvez esteja sendo demasiadamente exigente condenando a narrativa somente por causa de esteriótipos e personagens rasos, porém não posso ignorar o descompasso moral que permeia o projeto. Reduzindo a importância dos homens a ponto de torná-los meros bancos de sêmen dispostos a realizar as vontades de suas mulheres por temor ou em troca de favores sexuais (Holly convence Alex sugerindo praticar sexo oral), a narrativa defende que, por terem “sacrificado o corpo”, “mulheres controlam o universo dos bebês”, o que lhes permite agir de forma intransigente e autoritária – e digo isto sem machismo e reconhecendo ser impossível, para um homem, entender a turbulência emocional vivida pela gestante. Praticamente castrados, é compreensível que os machões terminem venerando o fortão do parque (solteiro e sem filhos, evidentemente) e não vacilem ao afirmar que “bebês estragam a felicidade”. Mas, ei, para manter-se nos cômodos trilhos do clichê, o desfecho acumula pedidos de desculpas e reconsiderações do suporte masculino na gravidez, do amor à família, e outros ensinamentos prontos que dá sono só de pensar em repetir.
Por sua vez, privilegiar o humor pastelão e a escatologia em prejuízo de aproveitar o potencial de certas situações demonstra a superficialidade da narrativa. Assim, a inclusão de um aborto é uma decisão ousada, mas que acomete confortavelmente a menos preparada a ser mãe, esvaziando sua subtrama e tornando-a dispensável. Além disso, a hemorragia ocorrida durante um dos partos serve só para provocar “tensão” e reconciliar dois personagens. Entretanto, o que esperar de uma narrativa cuja corrida de carrinhos de golf (?) surge como a reviravolta emocional de um perdedor? Pior somente o “senso de humor” do diretor Kirk Jones (dos bons A Fortuna de Ned e Estão Todos Bem) investindo no vômito dentro do troféu e na justaposição desse e um prato de almoço, ou o estímulo visual na forma de uma mordida numa banana empregado durante uma discussão sobre circuncisão.
Apresentando uma cronologia frouxa e uma estrutura narrativa precária que recorre a coincidências forçadas para unir as subtramas (Gary participou de uma edição do programa de Jules, já Holly aceita fotografar os Cooper), o que mais impressiona no final é a realista barriga prostética usada por Cameron Diaz. Curiosamente, esse elogio resume O Que Esperar Quando Você Está Esperando, uma comediazinha de boa aparência e bem realizada, mas falsa e vazia de humor, drama e romance.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
1 comentário em “O Que Esperar Quando Você Está Esperando”
Em vários aspectos nossos textos são parecidos, Márcio. Sinceramente, essa divisão de núcleos, sem um desenvolvimento necessário de cada uma, torna o filme apenas esquecível – tive que recorrer ao IMDb para lembrar um dos núcleos do filme. Há algumas piadas até ousadas, mas o humor na obra é, de forma geral, "bobo". O romance idem.