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Crítica | Argo

Argo | Estados Unidos | 2012 | Direção: Ben Affleck | Roteiro: Chris Terrio baseado no artigo de Joshuah Bearman | Elenco: Ben Affleck, Bryan Cranston, Alan Arkin, John Goodman, Victor Garber, Tate Donovan, Clea DuVall, Scoot McNairy, Rory Cochrane, Christopher Denham, Kerry Bishé e Kyle Chandler | Duração: 2h


Dentre aqueles que despontaram nos cinemas a partir de meados da década de 90, nenhum tem surpreendido mais do que Ben Affleck. Repetidas vezes chamado de ator canastrão, amargurando participações em projetos de gosto duvidoso e, talvez, até mesmo vislumbrando uma aposentadoria forçada das telonas, Affleck se reinventou e descobriu seu talento como diretor sensível e inteligente e, ao mesmo tempo, também amadureceu como ínterprete. Hoje, não mais enxergado como grande surpresa, com direito até a uma expressão de espanto estampada no rosto, como ocorreu na época em que estreou na direção com o ótimo Medo da Verdade, e após seu trabalho seguinte o thriller Atração Perigosa, a prova de fogo que sedimentaria o seu nome, Affleck resolveu adaptar a história real mais surpreendente do ano no competente Argo, que de quebra fez o seu nome parar bem alto nos bolões de aposta da temporada de premiações.

Baseado no artigo escrito por Joshuah Bearman a partir de uma crise diplomática mantida em sigilo até poucos anos atrás, o roteiro de Chris Terrior transporta a história ao Teerã da década de 79 quando a população oprimida pelo governante anterior, o Xá, através de uma série de rebeliões, levou ao poder o líder islâmico, o Aiatolá. Instigados por uma mensagem de ódio, e a exposição em praça pública de dissidentes enforcados é um alerta para quem desejar se insurgir contra o novo governo, os manifestantes furiosamente se dispararam contra a embaixada dos Estados Unidos exigindo a devolução de um adoecido Xá, que oportunamente se exilou em terras ianques, já que mantinha boas relações com o governo de Jimmy Carter. Durante a invasão, 6 membros do corpo diplomático conseguem fugir e se refugiar na embaixada canadense, mas é apenas uma questão de tempo para que eles sejam descobertos pelos iranianos cuja ojeriza pelo povo norte-americano automaticamente os condenaria à morte. Entra em cena o agente da CIA especializado em exfiltração Tony Mendez (Ben Affleck) para organizar uma ousada missão de resgate.

Carente de opções viáveis, Tony Mendez recorre a uma ideia absurda, e que por isso mesmo poderia funcionar, recrutando de Hollywood o artista de maquiagem vencedor do Oscar John Chambers (John Goodman) além do produtor Lester Siegel (Alan Arkin) para ajudá-lo a organizar um filme falso, a ficção-científica Argo, inspirado em algum episódio tosco de Flash Gordon. Com a desculpa de buscar locações exóticas na Ásia para as filmagens fictícias, Tony se manda para o Irã com passaportes falsos e um plano de fazer os 6 fugitivos se passarem por membros da equipe de filmagem, algo que aterroriza aqueles homens há meses enclausurados dentro da embaixada sem nem ter a liberdade de pisar o pé de fora.

Apresentando desde o início uma narrativa que flerta com o extravagante universo do cinema embora mantendo firmes os pés no chão, Ben Affleck contextualiza a situação política através de evocativos storyboards que contam a história iraniana nos últimos anos, para em seguida corta e retratar a crueza de uma rebelião popular em que bastaria o acalorado ânimo da população para um confronto. Frisando o estado de agitação popular em que o mero avistamento de um ocidental branco leva a um exaltado bate-boca, e transferindo com elegância e fluência a ação para os corredores frios da CIA instantes depois, a narrativa muito bem montada por William Goldberg equilibra-se satisfatoriamente entre a ação in loco no Irã, a politicagem debatida nos escritórios da inteligência e o mundo falso do cinema.

Atribuindo identidade própria a mundos tão distintos, o diretor de fotografia Rodrigo Prieto investe em uma paleta de cor azulada para apresentar os inquietos e apressados agentes da CIA, chefiados pelo autoritário e cônscio Jack O’Donnell (Bryan Cranston, que tem um ótimo momento, mas nada para justificar o cochicho de Oscar), e não é a toa que eles parecem sempre estar em movimento constante, carregando documentos de cima para baixo e aguardando ordens disparadas por FAX e telefone. Enquanto isso, as sequências nos estúdios envolvendo os divertidos Chambers e Lestes aproveitam as cores fortes inspiradas no glamour do show business, que sofrem uma radical mudança ao pisar no Irã ganhando tons saturados, além de um grão grosso e tom urgente nos closes em rostos ansiosos e no claustrofóbico isolamento na embaixada canadense.

Mas é a faceta cineasta de Affleck quem eleva Argo a um patamar maior – como ator, ele está bem, conforme o restante do elenco, mas nada muito espetacular. Dono de um estilo clássico (e classudo), o diretor realiza suas escolhas com competência, ou conferindo credibilidade à história introduzindo o interesse do ministério da cultura iraniano em acompanhar a equipe de filmagem, ou elevando o nível de tensão a um grau absurdo durante a conclusão. Nem mesmo o uso excessivo de exageradas artimanhas – atravessar um set de filmagens nunca pareceu tão difícil – prejudica a narrativa que naquela instante já havia prendido o espectador na cadeira e dentro de sua inacreditável história real.

Trazendo algumas imagens de arquivos que revelam as licenças dramáticas empregadas na composição do elenco e conferem autenticidade ao que fora vista, Argo é a mais nova prova – como se precisássemos de tantas assim – do imenso talento de Ben Affleck como cineasta, para cético nenhum botar defeito… inclusive em relação à história.

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1 comentário em “Crítica | Argo”

  1. Muito bom filme, e eu acho que o interesse gerado no assunto discutido, mas para ser honesto, eu sinto um pouco elitista, porque nem todo mundo entende. Definitivamente vale a pena assistir Argo é um filme contou com inteligência, bom ritmo e um elenco muito atraente.

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