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Crítica | Marcados para Morrer

End of Watch | Estados Unidos | 2012 | Direção: David Ayer | Roteiro: David Ayer | Elenco: Jake Gyllenhaal, Michael Peña, Natalie Martinez, Anna Kendrick, David Harbour, Frank Grillo, America Ferrera, Cody Horn | Duração: 1h49 min

Cursando matéria eletiva de cinema na faculdade de direito, o patrulheiro da polícia de Los Angeles Taylor não desgruda da câmera digital para registrar avidamente o cotidiano da ronda efetuada nos perigosos bairros da cidade e certos procedimentos internos, como a atribuição das zonas aos oficiais, para finalizar uma atividade do curso. Junto do parceiro e melhor amigo Zavala, desde logo ele refere a si mesmo heroica e vaidosamente como a “conta não paga”, a mera consequência da proliferação de violentas gangues que afligem a segurança dos cidadãos de bem. Ele não tem papas na língua e nem falsa modéstia, xinga inconscientemente, é brincalhão em demasia e debocha do que julga pitoresco durante seu turno; mas principalmente, é completamente dedicado à digna atividade que presta.

A partir dele, e por tabela do seu parceiro, Marcados para Morrer faz um ótimo trabalho em retratar positivamente o imprescindível trabalho policial. Nesse recorte da realidade, o mundo criminal assume apenas os tons preto e branco em que policiais caçam bandidos e zelam pelo bem-estar social. Não há o fantasma da corrupção e nem o chefe da repartição está em conluio com alguma gangue de traficantes; todos ali são bons e honestos trabalhadores, e mesmo que alguns revelem um jeitão embrutecido após anos de trabalho (o caso de Van Hauser) ou exagerada imaturidade (Taylor), poderíamos confiar cegamente que eles realizariam seu trabalho da melhor forma. Evitando parecer panfletário, a narrativa de David Ayer, especialista no gênero policial – tendo escrito S.W.A.T. e Dia de Treinamento e dirigido Os Reis da Rua -, foca-se mais nas pessoas do que nas missões e é bem sucedido na abordagem quase documental empregada.

Com uma estrutura bastante similar à de Polissia, a narrativa explora tanto a vida particular dos patrulheiros, e os relacionamentos amorosos e familiares revelam mulheres conscientes do risco apresentado pelo trabalho policial e receosas de que o seu medo maior venha se concretizar algum dia, quanto aquilo com que Taylor e Zavala se deparam na ronda diária, e nunca existe um dia igual ao outro. As vezes chamados para prender um traficante que perturbava a paz da vizinhança, noutras para auxiliar um colega em dificuldade, a dupla encara situações corriqueiras, inusitadas (a briga consensual entre Zavala e um bandido) e chocantes (uma em particular impressiona pela intensidade gráfica), além de lidar com a frustração de não poder explorar o trabalho investigativo, tarefa incumbida a detetives.

Essa abordagem acerta ao cumprir a dupla função de documentar aspectos procedimentais inerentes ao serviço – repare a coordenação entre viaturas, helicóptero e a central policial – e de humanizar aqueles na ponta que registram a ação em seu aspecto mais cru e brutal. Funcionando inclusive como bom exemplar do subgênero buddy cop, a narrativa recorre ao carisma e jovialidade de Jake Gyllenhaal e à responsabilidade descontraída de Michel Peña para estabelecer a fundamental química entre a dupla, e vê-los crescer diante de nossos olhos à medida em que enxergam a verdadeira dimensão da maldade humana é um dos muitos prazeres proporcionados pela narrativa. Revelando, ainda, a camaradagem existente dentro do precinto policial, com direito à brincadeira da espuma de barbear, a narrativa torna imprescindível o regresso dos patrulheiros ao lar, testando o envolvimento do espectador à prova durante o impactante clímax.

Mas nem tudo funciona muito bem, e o roteiro escrito também por David Ayer introduz um caso principal descartável que busca conferir um fechamento à história, apesar de somente ferir a lógica visual da narrativa. Assim, se já não bastasse Taylor e o seu hábito de cineasta, recorrendo até a câmeras afixadas no bolso do uniforme, há ainda a gangue hispânica que documenta o planejamento e cometimento dos crimes, culminando em uma sequência passada na fronteira mexicana que, usando a visão noturna, registra uma ordem do chefe de um cartel de drogas. E embora esta fizesse sentido caso a narrativa fosse convencional, não deixa de intrigar a falta de uniformidade entre as histórias, levando-me a perguntar quem filmou aquela ordem (dentro, repito, da lógica documental da narrativa). Ademais, ao ouvir o chefe da já citada gangue gritando para desligar a câmera, é difícil não torcer o nariz uma vez que naquele momento ninguém estava com a câmera em mãos.

Abusando do uso da câmera subjetiva – infelizmente, um mal necessário -, que acaba provocando imagens tremidas e as vezes poluídas, de cortes secos e de uma fotografia suja cheia de flares, mas adequada à proposta narrativa, Marcados para Morrer é um bem-vindo chacoalhar no gênero policial com dois ótimos atores e uma abordagem visceral e incisiva como não se via há um bom tempo.

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