Jack Reacher, não o ex-investigador militar da popular série literária criada por Lee Child, mas o retratado por Tom Cruise nesta adaptação de O Último Tiro, é mais falação do que ação e nem todos os seus esforços parecem capazes de mantê-lo à altura de sua reputação alardeada na história ou do receio que inspira nos adversários. Isso não significa, no entanto, que Jack não seja ótimo no que faz, apenas que o diretor e roteirista Christopher McQuarrie não encontrou formas melhores para explorar o enorme potencial cinematográfico do personagem, criando uma narrativa esforçada, igual ao astro que a estrela, sem a pegada empolgante que deveria ter.
Partindo de um múltiplo atentado similar ao cometido por um franco atirador há alguns anos nos Estados Unidos, e que se bobear é a melhor cena de filme, sobretudo graças a edição do som entreouvindo a respiração concentrada do assassino para então voltar-se aos secos disparos de seu rifle, a história desloca-se à rápida investigação policial que prende o ex-militar James Barr (Joseph Sikora). Pressionado pelo detetive Emerson (David Oyelowo) e pelo invencível promotor Rodin (Richard Jenkins) para confessar a autoria do crime e poupar o Estado de um julgamento milionário, Barr escreve só três palavras em uma folha de papel: Chamem Jack Reacher. Não demora para que o autoconfiante e durão protagonista surja em cena, e associe-se à bela e competente advogada de defesa Helen (Rosamund Pike), filha de Rodin, e cujos problemas com o pai vão pouco além dos objetivos opostos no julgamento. Juntos, os dois tentam descobrir o verdadeiro responsável pelo crime e, no processo, desvendar uma grande conspiração capitaneada pelo sombrio Zec (interpretado pelo diretor Werner Herzog).
Meio que um crossover entre os mitos de Chuck Norris difundidos pela internet e a aura indestrutível do agente Ethan Hunt, Jack Reacher é um terço excelente detetive, apesar de não exigir bastante massa cinzenta pra descobrir que havia algo errado na conveniente cena do crime, um terço herói de ação, que com o seu treinamento militar espanca com facilidade alguns marginais na saída de um bar, e um terço sarcasmo, proporcional ao seu raciocínio rápido e frases de impacto. Caí como uma luva para Tom Cruise, que habituado a se entregar totalmente aos projetos que escolhe, fazer crer em tudo que se vê na tela, embora eu deva ser redundante em afirmar que não existem grandes desafios para o personagem.
Isso acontece porque boa parte da investigação é facilitada por decisões equivocadas dos vilões, que deixam de bandeja pontas soltas implorando para ser atadas, algo que Jack faz em um piscar de olhos. Recorde a briga do bar, inconsequente e desnecessária do ponto de vista dos antagonistas, e como ela desencadeia em sequência consequências bastante óbvias. E se mencionei a organização comandada por Zek, que pareceu-me mais uma pequena parte de um todo – corrijam-me se eu estiver errado, fãs dos livros -, é frustrante não haver sequer uma noção próxima do que ela pretende realizar e como irá fazê-lo. Pois, em vez de agir proativamente e antecipar os passos de Jack, o grupo só se limita a incriminá-lo (truque antigo e ineficaz, já que nada o faria abandonar a investigação) ou reagir como manda a cartilha maniqueísta do cinema.
Felizmente, Christopher McQuarrie parece ter preservado intacta a essência implacável do anti-herói, naquilo que o faz ser um grande personagem saído diretamente do cinema de ação da década de 80. Livre de emoções e moralismos que poderiam comprometer a sua missão e nublar o seu pensamento objetivo, e firme com o seu conceito incorruptível e primária do que é justiça, Jack não se desvia da linha de ação traçada para si mesmo em instante algum. Sequer a morte de uma jovem, à qual ele se referiu como doce, tem a força de motivá-lo mais do que já estava e alterar impassivo semblante de quem combateu guerras demais e testemunhou todos os horrores imagináveis.
Com um personagem tão intenso, Tom Cruise facilmente abocanha a sua frieza e injeta nele o carisma de sua persona. Já Rosamund Pike saí-se bem como a mocinha atuante e cheia de rusgas com o papai – gosto particularmente do leve tremor de suas pálpebras ao ouvir de Jack a menção a um estupro coletivo em Bagdá. Fechando o elenco, Richard Jenkins atua no piloto automático, como tem o feito deste que foi indicado ao Oscar, Werner Herzog usa a sua voz sussurrada, indiferente e com ênfase silábica na criação de um personagem ameaçador, e Robert Duvall diverte-se como um instrutor de tiro bem humorado.
Acima da média graças à dedicação do elenco, O Último Tiro perde uma grande oportunidade de estabelecer um cenário mais propício para testar as habilidades do anti-herói Jack Reacher, que mereceria um filme ligeiramente melhor.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
1 comentário em “Crítica | Jack Reacher – O Último Tiro”
Este filme é refilmagem? A cena da pedreira e do clube de tiro ja vi em outro filme.