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Crítica | Gaga – O Amor pela Dança

Gaga - O Amor pela Dança

100 minutos

Os documentários biográficos generosamente servem ao espectador a oportunidade de aprimorar o seu leque cultural e histórico, expandindo-o com a exposição da personalidade e a discussão sobre a arte do homenageado, que, em “Gaga – O Amor pela Dança”, é o importante coreógrafo israelense Ohad Naharin, criador da linguagem de movimento denominada Gaga. E, inserido no universo de produções acerca da dança contemporânea, o trabalho dirigido por Tomer Heymann não empalidece diante do fundamental “Pina”.

Ligeiramente diferente da obra sobre Pina Bausch, exclusivamente preocupada com a arte, “Gaga” encontra Tomer Heymann alternando-se, de modo bastante equilibrado, entre a trajetória pessoal e profissional de Ohad Naharin, narrada e romantizada por ele próprio, em nítida preterição da realidade à fantasia – o que confessa após nos enganar em prol da arte –, ou por terceiros, através de entrevistas atuais ou de arquivo, que rejeitam a sentimentalização do mesmo modo com que faria o biografado, e o amadurecimento artístico do coreógrafo retratado a partir da evolução de obras cada vez mais desafiadoras, sofisticadas e emocionantes.

A propósito, a emoção a principal preocupação de Naharin, e, mesmo eu, um total analfabeto na arte da dança, pude perceber que a insistência para que os movimentos sejam menos pensados possíveis proporciona carregá-los com o sentimento que brota instintivamente após cada inflexão muscular e que confere à dança ritmo e organicidade. Assim, a cena introdutória em que Naharin orienta uma dançarina a não controlar a queda, mas sim permitir o corpo cair é essencial para que aqueles menos versados nessa arte compreendam a diferença entre movimentos que, de modo contrário, poderiam ser indiferentes para o espectador. Isto será repetido adiante, desta vez com maior ênfase no método do coreógrafo quando ele ensina seu dançarino a empregar o próprio corpo como se este fosse um martelo que precisasse cravar um prego com um único movimento.

Tentar compreender como o biografado enxerga a arte é um dos baratos deste documentário, pois, em seu entender, todos nós podemos ser dançarinos, contanto que aprendamos a escutar os sinais do nosso próprio corpo e aprendamos a moldá-lo com base naquilo que permite nossa individualidade. Também é fascinante como Naharin não se mostra estanque, acomodado no sucesso, nem presunçoso, não se incomodando em confessar haver modificado sua percepção sobre a dança: se antes ele condenava, inclusive de maneira acintosa durante os espetáculos, a performance dos dançarinos, que deveriam executar a coreografia sem se expressarem senão por meio dos movimentos planejados, agora ele acredita no oposto, o de que a narrativa nasce na interpretação dos dançarinos da coreografia.

Com efeito, de novo considerando que sou um leigo, é sensível a mudança dos números musicais no início da sua carreira, quando os problemas nervosos e motores subsequente ainda não o impediam de dançar ao lado de sua amada Mari Kajiwara, para os mais atuais, em que existe maior vivacidade e emoção. Espetáculos em que dançarinos rastejam-se no estreito espaço que separa o teto industrial de uma grade que os impede de cair ou o envolvendo centenas de dançarinos precisamente ritmados ou, então, aquele no qual uma dançarina corre sobre uma esteira, indefinidamente, talvez como se esta representasse o conceito do tempo, revelam a criatividade e audácia de Nahari, de modo a não permitir que duvidemos da importância do biografado.

Esta é a conclusão a que chegamos sempre após assistir a biografias bem-resolvidas e competentes: a de que conhecemos uma porçãozinha a mais deste oceano infinito que é a arte, mas não sem antes realizar a contestação crítica na forma de autoquestionamento: por que deixamos apenas agora para conhecer a vida e, sobretudo, o trabalho deste impressionante Ohad Nahari?


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