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Crítica | Paterson

Paterson

118 minutos

Não deixa de intrigar a ênfase aos conflitos enfrentados pelos terceiros coadjuvantes de Paterson em aparente detrimento daquele internalizado pelo personagem-título, enebriado e acostumado com a letárgica rotina que o leva a comutar de estação em estação, apropriando-se de tudo o quanto pode colecionar de estranhos com os quais não pode interagir – por ser motorista de ônibus – senão por meio da estreiteza do olhar e do que pode entreouvir em conversas aleatórias. Um conteúdo bruto, produto da ordinariedade e que o inspira a arte do refinamento da poesia, em cujas palavras está a maneira mais autêntica e intimista com que Paterson se revela, uma razão, só posso inferir, por que não planeje publicar o material que produz em ritmo incessante.

Mas não é isto que tem em mente o diretor e roteirista Jim Jarmusch ao compartilhar os textos que Paterson concebe baseado nos detalhes que compõem o mosaico do seu cotidiano, nem que isto se resuma a sua caixa de palitos de fósforos favorita. Assim, no curso de uma semana – cada dia pode ser visto como a estrofe do poema, em idêntico compasso rítmico –, Jarmusch (que já desmitificou samurais a vampiros nos ótimos Ghost Dog e Amantes Eternos) escancara a porta de entrada da simpática residência onde Paterson (Driver) e Laura (Farahani) habitam, com a intenção de atiçar o interesse do espectador até o ponto em que este se descubra enxergando algo semelhante ao reflexo de sua própria vida no poema construído pelo cineasta. Um autor apaixonado pela beleza do mundano, ignorado pela imposição cultural do sucesso e do excesso e pelo desprezo ao banal, aqui destacado e elevado através da fotografia de Frederick Elmes, que vislumbra, mesmo no reflexo do para-brisas de um ônibus, um caleidoscópio indistinto senão pelas lentes da arte.

Ao mesmo tempo em que abraça o imprescindível tédio, envelopado pela performance minimalista e estudada de Adam Driver (de Silêncio e Star Wars: O Despertar da Força), repare na entonação descontente depois de descobrir que o jantar será torta e, em seguida, no olhar subjacente a primeira garfada, a narrativa também introduz elementos quase surreais, como a discussão de crianças bem versadas na trajetória do ex-boxeador Rubin “Hurricane” Carter ou na quantidade de gêmeos que pipocam aqui e acolá, insinuando a indissociabilidade entre o personagem Paterson (ou os Patersons do mundo) e a cidade onde habita(m), e, à margem, até a poesia homônima escrita por William Carlos Williams, a respeito da “relação entre o homem e a cidade” (aqui cito algo que pesquisei, não que conhecia).

Um relacionamento baseado, evidentemente, no que se tem a oferecer à sociedade, mas também nas interações humanas, escassas para o protagonista, que, afora passar parte do dia detrás do volante do ônibus ou sozinho, escrevendo, reparte o que resta entre diálogos majoritariamente insignificantes com a esposa, caminhadas com um buldogue mais interessado em sabotá-lo e intercalações dentro ou fora do bar de que é freguês habitual, em que se pode discernir conflitos amorosos, financeiros ou existenciais, pincelados em vez de desenlaçados, pois é importante apenas o que Paterson, ex-militar, pode extrair deles. Ou talvez sequer isso, já que a catarse da trama assume o contorno de ironia dramática a ponto de nos fazer questionar seu real propósito, avançando em direção à expectativa construída em torno de situações particulares e que tatuam o subconsciente, como o conselho dado por jovens sobre a segurança do buldogue ou a sugestão de acidentes de trânsito jamais concretizados além de uma pane elétrica.

Existe, evidentemente, a possibilidade de isso ocorrer: o buldogue pode ser roubado por causa da negligência de Paterson ou o “motorista que gosta de Emily Dickinson” pode provocar um acidente fruto da desatenção, embora isto não importe no hiato temporal em que visitamos o universo semi realista e semi fantástico, onde a repetição de padrões (a tradução em inglês é pattern, sonoramente semelhante à Paterson), metafóricos, temáticos e inclusive visuais – o design de produção e o estilo de pintura e decoração de Laura são provas disto –, é a fundação sobre a qual se ergue esta poesia redigida por Jim Jarmusch.


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