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Aos Teus Olhos

Aos Teus Olhos

89 minutos

Ainda que A Caça e este Aos Teus Olhos debatam a mesma problemática, a destruição de reputações após acusações feitas por crianças não terem sido apuradas concretamente, tais trabalhos divergem radicalmente na figura central: enquanto o professor de jardim de infância Lucas era inocente, isto é um fato, pairam dúvidas sobre a culpabilidade do instrutor de natação Rubens, não solucionadas pelo roteiro de Lucas Paraizo. Isto não deveria ser um empecilho para que o cidadão evitasse julgamentos açodados e inflamáveis, que, atirados na fogueiras das redes sociais, tomam proporções incontroláveis e, certamente, irreparáveis, ainda mais em um Estado de Direito que defende a presunção de inocência como princípio instrumental democrático.

É nesta seara escorregadia que adentra a diretora Carolina Jabor (do ótimo Boa Sorte), felizmente sem tropeçar, retratando como a nossa imprudência detrás da tela do celular ou do computador está a um clique de arruinar a vida de uma pessoa que teria, minimamente, o direito de se defender, por mais abjeta ou hedionda tenha sido a acusação. Neste caso, a do comportamento inapropriado de Rubens (Oliveira) com um de seus alunos, Alex (Mello), que teria sido beijado (na boca, afirma a insegura e hesitante mãe). E o que diferencia o público dos que gritam raivosamente por justiçamento (que não é sinônimo de justiça) reside no tamanho da tela: isto porque o cinema permite, prática e metaforicamente, enxergar além da nossa miopia cotidiana, e ao vivenciarmos a via crúcis por que passa Rubens e tatear os indícios espalhados na narrativa, é somente natural esperar que o juízo do espectador seja diverso daquele feito por quem recebeu a mensagem de Marisa (Rabello) e agiu imprudentemente, sem a cautela antes de apontar o dedo.

Por mais que seja evidente a conclusão de que a atribuição de culpa está mais distante do alcance do mouse do que a maioria pensa, Carolina Jabor não descansa e habilmente costura uma narrativa venenosa (no bom sentido), que polvilha sementes de dúvidas e certezas com frequência idêntica. Por que Rubens estava chorando justo no início da narrativa? Por que conversar a sós, no vestiário, com Alex ou se portar como confessou à Ana (Galli)? De outro lado, como ignorar que a acusação de Alex é um clamor por atenção, após o divórcio notadamente conturbado dos pais? O que separa o carinho da carícia, sobretudo quando o contato corporal é uma parte do ofício? Todas estas perguntas têm respostas individuais, cabendo à narrativa inserir pistas visuais, sonoras, temáticas e interpretativas.

Se a fotografia de Azul Serra aprisiona Rubens em primeiríssimos planos (os closes bem próximos do rosto) ou entre objetos, como armários do vestiário, o design de som de Ricardo Cutz, digno de prêmios, potencializa o desconforto de Ana no tique-taque do relógio e o tumulto de Rubens nos sons ensurdecedores das pranchas batendo na beira da piscina. Enquanto isso, Carolina Jabor estabelece uma rima visual eficiente ao empregar persianas que lançam luzes e sombras, a depender do grau de confiabilidade que certos personagens detêm, ao passo que ilustra, graficamente, o estigma irremovível da denunciação possivelmente caluniosa.

Toda a narrativa poderia ser em vão sem Daniel de Oliveira, indiscutivelmente um dos melhores atores brasileiros desta geração. O ator é hábil em construir um personagem alegre e espontâneo, por vezes digno de desconfiança (“O que é que eu sou seu?” ecoa desconfortavelmente nos ouvidos), de maneira a ser perfeitamente admissível alimentar a dúvida quanto sua inocência (ou culpa) e tê-lo como uma vítima do sistema acusatório. Já Marco Ricca empresta seu talento a um pai cuja ausência é logo retratada no posicionamento no canto esquerdo e mais afastado do quadro ao término da competição de natação. Mas do que mais gosto em Davi é sua prudência ante à alegação do filho, que somente rivaliza com a homofobia disfarçada (dá para imaginar, inclusive, seu comportamento se não fosse Rubens, mas Ana que houvesse beijado seu filho, a título meramente retórico). Por falar nela, note como Malu Galli defende Rubens desviando o rosto para o lado, bastante insegura, ao passo que este, ao ser acusado, inconscientemente anda para trás e gesticula nervosamente, em um conjunto de detalhes que apenas enriquece a composição dos atores. E se, por fim, Stella Rabello tem pouco a fazer, até por sua Marisa ser a combinação explosiva de amargor, remédios, álcool e protecionismo materno, o mesmo não posso falar de Luiz Felipe Mello, cuja participação é marcante justo no que mascara.

Aos Teus Olhos é uma obra aguda, pertinente e contemporânea, até mais do que A Caça com a inserção do efeito nefasto das redes sociais, em que a água turva a linha guia da verdade, refratando o seu significado, e impedindo que sua clareza purifique uma mancha que jamais poderá ser apagada.


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