O lançamento mais aguardado deste ano não é ambicioso apenas por reunir dúzias de super-heróis e super-vilões, que mal couberam no pôster oficial, apresentados no decorrer dos 10 anos e 18 filmes de existência do Universo Cinematográfico da Marvel, desde Homem de Ferro, em 2008, até Pantera Negra. Também não o é exclusivamente por causa da escala épica, presente na duração e no escopo, e duvido que haverá reclamações neste sentido como houve em Capitão América: Guerra Civil. O que torna Vingadores: Guerra Infinita tão arrojado, especialmente se pesarmos as convenções típicas do subgênero, é a escolha inusitada, mas feliz, do protagonista, Thanos, assim como a forma com que a narrativa humaniza o tirânico vilão dos quadrinhos, afugentando de vez o maniqueísmo e a pecha atribuída a Marvel de que não sabe desenvolver seus antagonistas (depois de Zemo, Abutre, Killmonger e Thanos, já podemos repousar tranquilos quanto a isto).
E ironicamente, apesar da robustez de personagens, eventos e contextos, a trama escrita por Christopher Markus e Stephen McFeely (roteiristas da trilogia do Capitão América) não poderia ser mais simples: ela retrata a jornada de Thanos (apresentado em Vingadores e revisto em Guardiões da Galáxia e Vingadores: Era de Ultron), felizmente longe do trono espacial, em busca das joias do infinito, com as quais pretende restaurar o equilíbrio do Universo através do extermínio aleatório de metade da população. Os desígnios genocidas do personagem, entretanto, ecoam a partir da destruição do seu planeta, Titã, causada pelo exaurimento dos recursos naturais ante à superpopulação, e pela ideia enviesada de que age em prol do bem maior. A toda evidência, Thanos sequer se enxerga como vilão, e sim como um sujeito (ambientalista, ainda por cima) amaldiçoado com uma cruz cruel e praticamente insuportável.
É verdade que não advoga em favor do bom samaritanismo de Thanos estar acompanhado pela Ordem Negra, quatro capangas que servem apenas para proporcionar os embates esperados pelo público, assim como sua atitude nesta narrativa não guarda muita coerência com o personagem sádico visto anteriormente. Isto não causa maiores danos a esta narrativa propriamente dita (e sim ao UCM como um todo), que revê os personagens após os eventos de suas aventuras-solo respectivas. Assim, após ter a nave destruída e o Tesseract roubado, Thor se agremia com os Guardiões da Galáxia com a intenção de forjar uma arma capaz de destruir Thanos; na Terra, Tony Stark reencontra Bruce Banner através do Dr. Estranho, recebendo a ajuda do Homem-Aranha para impedir a destruição de Nova Iorque. Enquanto isto, Visão e Feiticeira Escarlate são salvos pelo Capitão América, Viúva Negra e Falcão, e partem em direção a Wakanda, onde terão ajuda do Pantera Negra e de Buck Rogers.
Dá para notar que a narrativa dirigida pelos irmãos Anthony e Joe Russo (de Capitão América: Soldado Invernal e Guerra Civil) subdivide-se em módulos, e estes em frações menores, para então se combinarem em segmentos distintos. Isto exige dos montadores Jeffrey Ford e Matthew Schmidt habilidades de malabaristas, na tentativa de balancear cada parte da narrativa, embora o façam valorizando uns personagens em detrimento de outros; assim, se Thor justifica o status divino, Capitão América e Pantera Negra têm pouquíssimo a fazer. Essa modularidade confere a sensação de a trama ser fracionada em fases, portanto episódicas, que mesclam os tons e estilos característicos dos personagens na marra, sem ter uniformidade desejável. Similarmente, muitos dos acontecimentos funcionam como desculpas para pôr, do jeito que for, os heróis na mesma página, não importa os furos grosseiros deixados no meio do caminho. E basta pensar na quantidade de planetas visitados no intervalo de um dia (!) e sem o auxílio da joia do espaço (não há teoria da relatividade que defenda isto).
Mesmo assim, a estrutura narrativa não impede que os heróis, bem estabelecidos anteriormente, adicionem novas camadas dramáticas, como é o caso do relacionamento romântico entre Visão e Feiticeira Escarlate, do mestre / pai e aprendiz / filho de Tony Stark e Peter Parker, com direito à cena que define este como o adolescente imprudente, impulsivo e bem intencionado diante das consequências reais das ações assumidas, ou de Thanos e sua filha adotiva e bússola emocional, Gamora. É interessante notar que, apesar de esta ser incapaz de perdoar o genocídio provocado por Thanos, isto não impede que floresça sentimentos autênticos, não somente de vingança, com um misto de culpa e amor por parte dele. Por outro lado, o senso de humor inconveniente característico da Marvel continua a sabotar os desejos do estúdio em maior ressonância emocional, e não demora para um personagem enlutado fazer piadinhas junto a desconhecidos, ou que os personagens encontrem tempo para gags apesar da perda de milhares de vidas.
Isso não tira o brilho daquilo que a narrativa tem de melhor: Thanos. E embora os efeitos especiais não estejam no nível dos que conceberam César em Planeta dos Macacos, especialmente nos combates em que Thanos participa, o esmero (claro, indispensável) da equipe técnica nos closes permite enxergar o trabalho competente e manso de Josh Brolin, através da técnica de captura de performance. Um esforço que atribui a serenidade inesperada à imponência e determinação, como facilmente observado na conclusão satisfatória e redonda de seu arco.
Quanto ao desfecho acachapante e inesperado, ninguém precisa roubar o roteiro da continuação para saber que se trata de um blefe gigantesco (ao estilo, bem, de Crepúsculo: Amanhecer – Parte 2?), especialmente considerado o calendário divulgado de produções do estúdio. Ainda assim, é fácil se emocionar com o que Vingadores: Guerra Infinita proporciona, uma prova cabal não apenas de sua eficiência, mas da a construção e planejamento do UCM.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.