A típica família norte-americana, enfrentando dificuldades econômicas que exigem até o cancelamento da televisão a cabo, viaja para acompanhar a filha rebelde ao internato. No meio do percurso, acertam com parentes o pernoite em um estacionamento de trailers, onde são os únicos hóspedes naquela noite particular em que são aterrorizados por sádicos assassinos mascarados.
Tramas simples nunca impediram o subgênero do terror slasher de ser divertido, mas existem convenções a que este Os Estranhos: Caçada Noturna, sequência da produção lançada em 2008, apega-se em demasia, particularmente o comportamento das vítimas (Mike, Cindy, Luke e Kinsey). É natural que estes ajam com certa imprudência e mesmo estupidez, afinal decisões erradas integram a engrenagem do slasher, e estas encontram ecos na realidade, diante do excesso de hormônio provocados pelo medo e desespero. Mas nada como visto nesta narrativa que parece não ter aprendido absolutamente nada com o revisionismo satírico de Pânico: os personagens não se separam somente uma ou duas vezes, mas quatro (!), e se todos sabem que presas são mais fortes quando em bando, esta máxima não se aplica àquela família especificamente, ajudando até a saber quem será a próxima vítima.
Assim, se houver dois caminhos a serem seguidos, Kinsey e os outros sempre escolherão a errada. Os vilões também não são diferentes, ainda que por causa da presunção assassina e niilista de quem não está nem aí para o que venha a acontecer e cuja justificativa para aterrorizar e assassinar é “Por que não?”. E o inconformismo não para aí – não se espante se gritar, em voz alta, com os personagens: note que TODOS os familiares esquecem o celular dentro do trailer em certo instante (para encontrá-los estilhaçados quando precisam), ou que uma personagem insiste em ficar dentro do carro mesmo quando poderia escapar pela porta contrária. A propósito, se o motivo de certo personagem não disparar contra um dos mascarados for por não desejar tirar a vida alheia, por que comemora quase com pulos de alegria a ação subsequente?
A narrativa dirigida por Johannes Roberts (de Medo Profundo), apesar de contar com uma geografia labiríntica bem propícia ao terror, não sabe empregar, em favor do desenvolvimento da tensão e do thriller, a vasta extensão e a confusão proporcionada pela similaridade de vias e das locações. O diretor também não investe no claustrofóbico e apertado trailer, senão em uma cena interna curta e praticamente anti-climática, nem tampouco nos elementos diegéticos já introduzidos, como a iluminação com mal-contato e os problemas de infra-estrutura. Enquanto isso, a lógica da narrativa é questionável, e recorde que, no que aparentam ser eventos simultâneos, a sensação é a de que não são apenas três mascarados, mas pelo menos quatro. Só isto explica que haja quem dirija, quem se esconda em canos, quem persiga a pé e quem esteja, noutro canto, atentando personagem diverso.
E se Os Estranhos: Caçada Noturna não é um desastre completo, é graças ao esforço do diretor em criar sequências memoráveis (o certo seria eu ter me expressado no singular, mas oferecerei essa colher de chá), em que subverte baladas românticas no estabelecimento da atmosfera cruel. Isto envolve o plano longo, sem cortes, dentro de uma piscina, com luzes fortes e cores néon bastante eficientes nem que só do ponto de vista estilístico.
Ainda assim, bom gosto jamais salvou terrores que não se importam em estabelecer seus personagens como pessoas por quem zelamos e cuja sobrevivência se torna importante ao espectador. Se sentimos nervosismo, é porque nossa empatia nos coloca naquela situação hipotética, não pelos esforços das performances planas de Christina Hendricks, Martin Henderson, Bailee Madison e Lewis Pullman. E, ao longo da exígua duração de 85 minutos, dos quais cerca de 1 hora é dedicada exclusivamente ao thriller, o fato de não haver o mínimo liame entre espectador e personagens, é prova cabal de que esta sequência nasceu com o punhal cravado no peito.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.