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A Favorita

A Favorita

119 minutos

A Favorita poderia ser a típica comédia dramática de época, investida na missão de transformar a corte da Rainha Ana da Grã-Bretanha (Colman) em um palco de traições e intrigas entre Lady Sarah (Weisz) e Abigal (Stone), que disputavam para ser a mais próxima da monarca e gozar dos privilégios desta posição. Mas, felizmente, está longe de ser trivial, graças à abordagem e ao estilo ímpares do diretor grego Yorgos Lanthimos (Dente Canino, O Lagosta e O Sacrifício do Cervo Sagrado).

Com base no roteiro escrito pela estreante Deborah Davis e por Tony McNamara, mais afeto a séries, inspirado em uma história real e documentada por historiadores, Lanthimos estrutura a narrativa em capítulos intitulados a partir de diálogos específicos e irreverentes. Com isto, cria uma experiência descompromissada, embora não elíptica a ponto de perder a coesão, e supressora de toda informação descartável sem que isto aparente ser negligência. É como se o diretor confiasse ao público a tarefa de preencher as lacunas entre cada segmento, algo simples se considerarmos que a trama não exige maiores rebusques, afora a simbologia (como os coelhos) característica de sua filmografia.

Que, do ponto de vista estético, com auxílio do diretor de fotografia Robbie Ryan (Docinho da América) e do design de produção, já favorito ao Oscar, de Fiona Crombie (Macbeth: Ambição e Guerra), é um deleite para os olhos. É verdade que Lanthimos exagera nas rotações da câmera sobre o próprio eixo (que confere a sensação de giro de 180 graus e uma experiência semelhante a do cinema de Wes Anderson) e nas lentes olho de peixe (que distorcem os contornos do quadro de modo a enclausurar os personagens dentro deles), o que não minimiza a excelência de Robbie Ryan em iluminar a narrativa praticamente sem o recurso de luzes de estúdio. A seu dispor, a luz natural, as dezenas de velas que compõem os lustres improvisados ou as lâmpadas de cabeceira, e candelabros, que tornam os já extensos corredores do palácio decorado por Fiona Crombie em percursos intermináveis a ser feitos por personagens que não parecem ter tempo a perder.

A propósito, o tempo é a variável com que Lanthimos melhor joga, dada a aparentemente interminável guerra contra a França, que serve de pano de fundo para o triângulo central. E note como o diretor é astuto em expor, visualmente apenas, o encadeamento de eventos que conduziria a Rainha Ana ao seu derrame: a gula manifestada na paixão por doces, as feridas que não cicatrizam, sendo estas um dos sintomas mais comuns da diabetes. Por falar na Rainha, Olivia Colman oferece uma performance invejável, ao transformar a monarca em uma criatura pateticamente dependente que grita de forma insuportavelmente aguda quando contrariada, antes de revelar o sofrimento por que passou (eis o motivo dos 17 coelhos) e convencer da fragilidade emocional e debilidade física que a acometeria.

Enquanto isso, em pólos opostos, Emma Stone e Rachel Weisz fogem de suas personas habituais para medir forças. A primeira apela à inocência, que retrata tão bem em seus papéis, para manipular todos ao seu redor conforme sua vontade; a última rejeita a doçura, sendo a autora dos diálogos mais afiados e bem humorados da narrativa. Entretanto, por mais que sejam víboras enroladas na monarca prestes ao bote, o roteiro tem razões sólidas e não gratuitas para que elas ajam assim: ora o instinto de sobrevivência de Abigail, ora os próprios interesses patrióticos (ou não) de Sarah. Ao lado delas, Nicholas Hoult não retira a peruca dos lordes em um papel fora do lugar-comum.

Mais do que o domínio estético e simbólico empregado para narrar suas histórias, talvez a maior virtude de Yorgos Lanthimos seja sua coragem de ir além da fronteira confortável dos gêneros que escolhe, sem receio de desafiar o espectador, chocá-lo ou ofendê-lo. É com esta qualidade que, por exemplo, substitui o céu ensolarado e jardins bucólicos da realeza por nuvens carregadas e vegetação murcha, ou inspira seu elenco a expandir os personagens ao máximo ou cria uma obra de época como nunca antes vista no cinema.

Crítica publicada durante a cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Confira os horários e locais de exibição clicando no link.

Previsão de lançamentos no Brasil: 24 de janeiro de 2019.


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1 comentário em “A Favorita”

  1. alexnietzsche

    uma perda de tempo… até escrever mal sobre o filme é dar-lhe importância desmerecida… quase horrivel!

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