Apesar de o diretor John Carpenter não ter inventado o subgênero slasher com Halloween, tendo se inspirado em Noite de Terror de 1974 (para a maioria dos estudiosos o primeiro da espécie ou, quando não, Psicose em 1960), é certo afirmar que a apresentação de Michael Meyers e Laurie Strode estabeleceu o formato para todas as produções subsequentes (A Hora do Pesadelo e Sexta-Feira 13 incluídas). E não deixa de ser o retrato da importância do personagem que, mesmo passados 40 anos, a indústria ainda esteja à procura de maneiras de ressuscitá-lo para as gerações atuais.
Mas como costuma ocorrer em franquias extensas como essa, o novo Halloween ignora todo o passado, inclusive as produções estreladas por Jamie Lee Curtis (H20 e Ressurreição), e a mitologia em torno do personagem para devolvê-lo ao que era originalmente: um psicopata desprovido de poderes sobrenaturais, conservando a imensa força física, resistência e obsessão. Preso em um hospital psiquiátrico e aguardando transferência para outra instituição, quando inevitavelmente escapará, é apenas questão de tempo para que Myers acenda o terror na noite de Halloween na pequena cidade de Haddonfield, depois de ter assassinado 5 pessoas em 1978. E Laurie (Curtis), sua irmã, tem-se preparado para isto ao longo de quatro décadas, mesmo que isto tenha lhe custado a convivência com a filha (Greer) e neta (Matichak).
Sendo assim, a trama escrita por David Gordon Green, que também dirige, Danny McBride e Jeff Fradley ensaia a discussão sobre a natureza da maldade apostando em Laurie como o contraponto lógico de Michael Myers, ambos obcecados um pelo outro, porém por razões distintas. Mas a trama falha em ir além da sugestão, não estabelecendo oportunidades para que os personagens centrais (as Strode) sejam desenvolvidos além da reciclagem de clichês, senões e porquês. É como se o trio estivesse com pressa para que a matança começasse, relegando o elenco adolescente aos estereótipos superados desde Pânico e conferindo à dupla de jornalistas (Rees e Hall) a função narrativa de serem os expositores, a quem não assistiu ao original ou não recorda, de todo o ocorrido desde então (e depois de fazê-lo, tornam-se descartáveis). Enquanto isto, esquece em banho-maria, até o terceiro ato, o motivo por que retornamos a Haddonfield.
Para piorar, o texto fraqueja ao retratar a motivação do médico psiquiatra Sartain (Bilginer, mas que parece mesmo com Rade Serbedzija). É também repetitivo ao invocar o trivial do gênero (a garota que sobe as escadas em vez de fugir ou a sequência em que o serial killer investiga todos os compartimentos de um toalete) e introduzir momentos constrangedores, como aquele em que um personagem inutiliza o celular da namorada, mergulhando-o em creme de queijo. E se esta é a solução em que três escritores chegaram para que a garota não atendesse a ligação da mãe, era melhor apelar à ladainha da bateria esgotada. Furos como este vêm como uma avalanche no clímax, como por que Laurie não fechou, antecipadamente, todos os cômodos em vez de se expor ao risco de fazê-lo depois?
Aliás, as ações da scream queen mais famosa do cinema são temerárias ao ameaçar toda a família, empregando o conceito semelhante ao da ratoeira que o genro usa para caçar ratos. E permanece no limbo a contribuição de Jamie Lee Curtis nesta parte final, pois a atriz não tem com o que trabalhar para expandir a personagem além do que ocorreu. Por outro lado, o roteiro é astuto ao incitar o clima de vale-tudo ao escolher quem será a primeira vítima de Michael Meyers (ao menos, aquela que vemos morrer) e, portanto, deixar em aberto o destino de todos.
Com a direção de David Gordon Green, uma escolha inusitada se considerarmos que em seu currículo há comédias (Sua Alteza e Segurando as Pontas) e dramas (Joe, Prince Avalanche e O Que Te Faz Mais Forte), não terrores, a narrativa é bastante respeitosa ao repetir os créditos iniciais e a música tema. Entretanto, Green esquece de conferir a própria contribuição, além do elaborado plano sequência que acompanha a matança de Michael Meyers ao chegar na rua principal de Haddonfield. Já o choque inicial em vermos a encarnação do mal de cabelos e barba grisalhos logo é dissipado pela constatação de que a idade não exerce função alguma à narrativa, em nada alterando as ações de Michael e Laurie.
Ainda assim, este Halloween deve ser o que tem o plano mais evocativo do personagem em toda série, cortesia de Michael Simmonds, que o fotografa de baixo para cima e debaixo do filtro vermelho das luzes da viatura policial, acentuando sua imponência e maldade. A este respeito, Green é inteligente em não buscar justificativas para as ações de Michael Myers e humilde para não repetir a mancada de Rob Zombie (o único que pôs palavras na boca do serial killer e tentou subverter o personagem de John Carpenter).
Ao término, o aniversário de quarenta anos da franquia mais famosa do slasher é a razão solitária de ser desta sequência com cara de reboot: eficiente como seu assassino naquilo que faz de melhor, apesar de incapaz quando tenta expandir a mitologia além do comodismo.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
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