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Homem-Aranha: No Aranhaverso

Homem-Aranha: No Aranhaverso

112 minutos

Da primeira superprodução do subgênero fantástico dos super-heróis, Superman: O Filme (1978), até o advento do Universo Cinematográfico Marvel (MCU) ou do Universo Estendido DC (DCEU), foram raros os diretores capazes de transportar o formato e estilo característico das HQs e a sensação de estar lendo um gibi enquanto se assiste à ação desenrolar na tela de cinema. No máximo, os diretores contentavam-se em introduzir os elementos típicos da mídia, como balões de diálogo, onomatopeias, planos divididos que sugeriam a subdivisão da página do HQ em quadros etc, mas daí não passavam. Esta foi e é a regra, cujas bem-vindas exceções foram os subestimados Tank Girl – Detonando o Futuro (1995), de Rachel Talalay, e Hulk (2003), de Ang Lee.

Sendo assim, nesses 40 anos de superproduções, nenhuma adaptação de HQ atingiu o vanguardismo artístico proporcionado por Homem-Aranha: No Aranhaverso: um verdadeiro gibi em forma de cinema que já impressiona pelo emprego dos traços característicos da mídia de onde deriva, como também pela representação visual dos elementos que compõem a ação.

Dirigida pelo trio Peter Ramsey (A Origem dos Guardiões), Bob Persichetti e Rodney Rothman – ambos estreantes -, a partir do roteiro deste e de Phil Lord (Tá Chovendo Hambúrguer, Anjos da Lei 1 e 2 e Uma Aventura Lego), a trama apresenta Miles Morales, um adolescente negro deslocado em seu colégio elitista e que, em uma oportunidade, mata aula para grafitar as paredes abandonadas da metrópole ao lado do tio Aaron. Nesta ocasião, é mordido por uma aranha radioativa e desenvolve super-poderes que não consegue controlar (já conhecemos esta parte da história). Quando retorna ao local para investigar o que houve consigo, testemunha a tentativa malsucedida do Homem-Aranha em impedir que o Rei do Crime, auxiliado pelos capangas Duende Verde e Gatuno, acione o acelerador de partículas desenvolvido pela Dra. Octopus, e que provoca uma inesperada reunião de realidades paralelas e das respectivas encarnações do teioso. Agora, o sexteto aracnídeo (pegaram o trocadilho, acredito) tentará frustrar os planos de Wilson Fisk, enquanto tenta restaurar o espaço tempo.

Esse ponto de partida é perfeito para resgatar as cores típicas das HQs – aspecto bem feito em Aquaman -, que, nos últimos anos, foram ficando desbotadas à medida que os super-heróis começaram a avocar uma sobriedade incompatível com a atmosfera fantástica que os envolve. Mas não basta apontar o dedo a Zack Snyder na DCEU e culpá-lo, porque a própria Marvel Studios começou a trilhar o mesmo caminho (com bem-vindas exceções, como Thor: Ragnarok ou Guardiões da Galáxia, Vol. 2). Assim, Aranhaverso adota um arco-íris néon, com predominância óbvia do azul e vermelho do uniforme característico, fundido na selva urbana de Nova Iorque para criar uma estética inconfundível e apropriada.

Enquanto isso, as cenas de ação são de cair o queixo, e mesmo que Sam Raimi, Marc Webb e Jon Watts – nas versões live-action do super-herói – tivessem à disposição um orçamento imenso e efeitos visuais e computacionais de última geração, não chegaram à liberdade e fluidez proporcionada pelo formato animado e bem aproveitada pelo trio de cineastas. Eles invertem o eixo da “câmera” (criando planos que ficam de ponta cabeça repentinamente) e movimentam-na como assim desejam, acompanhando de perto o deslocamento do intrépido Miles – como na cena final, um bombardeio de cores e movimentos, que já está entre as melhores que as adaptações de HQs proporcionaram -, assim como o das demais versões do herói.

A respeito deles, cada Homem-Aranha tem personalidade própria, trama de origem e dramas expostos com brevidade, mas de modo convincente, além de importarem consigo um estilo de traço próprio. É o caso do anime Peni Parker, do preto e branco do Homem-Aranha Noir – que cria um contraste divertido diante de um cubo mágico, além de ser dublado por Nicolas Cage – e do Porco-Aranha, à primeira e última vista o Presuntinho dos Looney Tunes, inclusive na maneira com que usa a despedida dessa turma em certo momento. Enquanto isso, Gwen Stacy e Peter Parker expõem facetas diferentes das que nós estávamos acostumados dos personagens clássicos – ela, a trágica mocinha fadada a morrer nas mãos do Duende Verde, agora tendo esta lógica invertida; e ele, o herói jovial e bem-humorado, nada parecido, portanto, com o sujeito melancólico e desesperançado de quem perdeu o amor de sua vida e, com ela, a auto-estima.

A realidade em que se passa a trama também possibilita versões modificadas dos principais inimigos do super-herói, como um Duende Verde monstruoso e a Dra. Octopus, alterando, sem esforço, os parâmetros das aventuras a que estávamos habituados. E se Wilson Fisk é um vilão com um propósito crível, ainda que poderia ser melhor desenvolvido ou melhor aproveitado, Miles Morales desponta como o maior atrativo da narrativa. O fator representatividade novamente vale ouro, e isto traz consigo a valorização da arte de rua, típica dos moradores da periferia (negros, em sua maioria), que tem nos muros o único painel onde expressam seus trabalhos, e no hip-hop, sua expressão musical – a trilha sonora de Daniel Pemberton é um detalhe a parte. Enquanto isto, o retrato da família multi-étnica de Miles e a criminalidade justo ao lado ajudam a tornar, mais convincentes, os dramas adolescentes, em particular pelo fato de o herói estar na encruzilhada da vida em que precisa decidir que homem desejará ser quando crescer.

Certamente, um que sabe que com grandes poderes, vem grandes responsabilidades, e que aprendeu que o elemento definidor de um super-herói está na quantidade de vezes que se levanta depois de cair, não em sua invencibilidade (o bordão desta aventura). Afora isto, alguém que sabe que, não importa gênero ou etnia ou idade ou sexo, qualquer um pode vestir a máscara do Homem-Aranha, basta ter o coração para isto. Nossa, como amei esta animação revolucionária.

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