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O Banqueiro

O Banqueiro

121 minutos

Anthony Mackie e Samuel L. Jackson associam-se para enfrentar a discriminação dentro do sistema financeiro

Filme Disponível na Apple TV+

Apreciar “O Banqueiro” é tarefa fácil. Não apenas os espectadores gostam de histórias reais que pareceriam ficcionais caso não houvesse nenhuma pista nos letreiros iniciais, como também sabem admirar, ao menos nas telas, a luta contra injustiças que, se não podem ser apagadas usando as ferramentas legais, precisam ser enfrentadas não importa quais subterfúgios sejam usados. E não posso ignorar como é prazeroso assistir a dois extraordinários empreendedores, cuja raça era o único empecilho que lhes impedia de atingir o cume da pirâmide econômica, explorarem um branco, o famoso ‘laranja’, para servir de fachada para seus negócios. Seria melhor se a narrativa mantivesse a integridade da proposta e não a subvertesse no meio do caminho, deixando-nos com uma premissa fascinante, porém mal desenvolvida.

Dirigida por George Nolfi, que estreou na direção em 2011 com a ficção-cientifica “Agentes do Destino”, a narrativa não mede esforços para revelar o racismo explícito da sociedade norte-americana mesmo em uma de suas cidades mais vanguardistas: Los Angeles. Chega a exagerar ao enfatizar homens que torcem o pescoço, igual a Regan em “O Exorcista”, para “cochichar”, em voz alta, comentários maldosos contra Bernard (Mackie), que, mais tarde, é censurado por entrar no próprio condomínio que acabara de adquirir: “Este é um prédio branco”, afirma a idosa inquilina. Evidentemente há ainda um plano que revela a bandeira confederada, símbolo do Sul racista da Guerra Civil americana. Contudo, por ser parte essencial, podemos desculpar a questão racial ser martelada com a mão pesada, mesmo que a narrativa tenha oferecido alternativas sutis e eficientes, como o simples fato de Bernard e seu sócio, Joe (Jackson), serem proibidos de entrarem em seu banco recém adquirido no Texas por causa da cor de sua pele. Ou de o engraxate, um garoto negro, negar-lhes serviços também por esta razão.

Entretanto, não existe justificativa para a direção tenta politizar, desastradamente, a narrativa. No primeiro ato, ao ser repreendida pelo pai por comentar que iria trabalhar para auxiliar o marido, Eunice (Nia) retruca que “não é problema para ele decidir!”, uma assertiva que viria de bom tom prol feminismo se a narrativa, no restante do tempo, não tratasse as mulheres como acessórios, obstáculos ou enfeites dos homens. Eunice atua como a incentivadora de Bernard nos momentos difíceis; já Susie é a esposa interesseira de Matt (Hoult), que acaba fazendo-lhe cobiçar mais do que desejava. Isto porque não comentei que Joe é introduzido ao público com uma mulher sentada em seu colo e duas outras ao seu redor. Não para aí, pois a tentativa de a narrativa ser inclusiva e representativa soa ingênua, como ao revelar, em um plano médio, que o advogado honesto também é deficiente físico, ou ao introduzir diálogos pavorosos, como aquele em que Matt afirma que o dinheiro é verde e esta é a única cor com que se importa, não a da pele de seus contratantes.

Por falar neles, embora admire Anthony Mackie por haver fugido do lugar-comum, Bernard é apenas o arquétipo do gênio com dificuldades de convívio social, enquanto Samuel L. Jackson nem se esforça mais em atuar desde “Django Livre”, permanecendo no piloto automático que é repetir a mesma performance despachada e verborrágica de sempre. Daí porque soa irônico que seja Nicholas Hoult o destaque de um filme que NÃO deveria ser dele. Claro, não é culpa do ator ser talentoso o bastante na construção do arco dramático do mecânico, “engraxado” (usando a simbologia narrativa) para aprender matemática financeira, etiqueta e golfe, e que, paulatinamente, evidencia indícios de ressentimento por não ter direito de voz ou espaço para  ascender na empresa. Faz isto sem ignorar que deve a seus empregadores a oportunidade que teve e prontamente aceitou, tornando-o mais interessante e contraditório no terceiro ato.

Mesmo incapaz de desenvolver os personagens centrais desta história real, George Nolfi, que co-escreveu o roteiro ao lado de três escritores, ao menos não suaviza o fato de que Bernard e Joe apelaram a práticas negociais inusuais e heterodoxas, quando não ilegais, para contornar a legislação da época que não era mais apta a regular as relações econômicas de uma sociedade multiétnica. Embora seus princípios norteadores sejam nobres – colocar em igualdade brancos e negros, oportunizando a estes os imóveis e as linhas de crédito que aqueles dispunham –, os ardis que adotaram não foram diferentes do que esperamos vindo de banqueiros.

Além disto, o roteiro repete o que comédias como “A Grande Aposta” fizeram bem: apresenta um linguajar financeiro tão confuso e técnico, com menção a termos, percentuais e métricas virtualmente incompreensíveis para nós quanto para o personagem-interlocutor, que torna crível que Matt consiga enganar praticamente a todos com o mínimo de aprendizado possível. E, mais uma vez, ajuda que seja Nicholas Hoult nestes tais instantes, emprestando a arrogância necessária de quem sabe o que está falando. Ou, melhor, fingindo que sabe, eis o motivo de a virada do terceiro ato ser decepcionante, pois presumíamos que Matt detinha o conhecimento mínimo de onde estava pisando.

Algo semelhante a “O Banqueiro”. George Nolfi engana compreender qual a melhor maneira de narrar esta história fascinante, interessante e significativa por revelar mais um dos inúmeros degraus que o negro norte-americano precisou construir em defesa de igualdade e respeito – encerrando com as costumeiramente clichês imagens de arquivos dos personagens reais. Na realidade, porém, está somente acomodado na segurança que a trama lhe proporciona, sem a coragem de realizar o mesmo que Bernard e Joe fizeram.

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