Crítica: Se considerados os fatos narrados na biografia de Richard Williams, o sucesso profissional no tênis de suas filhas, Venus e Serena, acontece menos POR CAUSA dele e mais APESAR dele. Sem dúvida, Richard teve participação decisiva nas atletas que suas filhas são: ele identificou seu talento nato, sacrificou-se para treiná-las, de dia ou de noite, faça sol ou chuva, em condições inóspitas, dedicou tempo para estudar sobre tênis e não abaixo a cabeça enquanto não encontrou treinadores dispostos a refinar o talento delas. Apesar disto, Richard colocou em risco suas carreiras, abraçando um plano que facilmente poderia haver desandado e só se manteve porque Venus e Serena são prodigiosas, Mozarts que criam sinfonias com uma raquete de tênis.
O roteiro acerta no recorte, limitando-se a narrar eventos desde Venus descolar um treinador até se profissionalizar em um Grand Slam. Com isto, trouxe ainda uma crise familiar mal explorada: o escanteamento de Serena e a mágoa resultante, que é contraditória com o amor que sentia pela irmã mais velha. Como os conflitos narrativos, este drama mereceria ênfase além de um monólogo sentimental e moralizante de Richard. A propósito, King Richard erra em tom quando mistura lição de moral – a exemplo da batida do serviço social e da justificativa de ser rígido para que as filhas não fossem para as ruas nem para o crime – e discurso de coach que parece representar 9 em cada 10 diálogos do protagonista.
Isto porque o caso de Venus e Serena é atípico. Não é só a dedicação, nem a insistência do pai, é o talento nato. Evidentemente que poderia ser desperdiçado se não fosse estimulado e desenvolvido, mas daí a concluir de que bastaria treino e empenho, é um salto irreal e desleal. Além disto, são acrescentadas cenas injustificadas senão pela lição de moral: por que Richard deixaria de jantar com a família e retornaria à quadra? Apenas para que houvesse um conflito dramático depois, não importa se artificial. O roteiro pretende conferir tridimensionalidade a Richard citando (!) controvérsias, como o abandono de 3 filhos de um casamento anterior.
Mesmo que tenha ressalvas ao filme, é inegável que a narrativa toca o coração em enxergar 2 garotas divertindo-se com o talento que tem e não há como questionar a forma sentimental. Pode até parecer óbvio obter este efeito a partir de tomadas edificantes, fotografia ensolarada e trilha musical cativante, mas seja como for, emociona e sensibiliza, e consigo (mais) criticar uma opção estilística que acerta no que almeja. Além do mais, a narrativa é certeira em criticar o elitismo branco do tênis e como a aceitação de Venus e Serena tinha forte elemento de exploração capitalista.
Por King Richard, Will Smith conquistará uma indicação ao Oscar, embora com uma biografia que abranda e floreia um personagem controvertido enquanto perde oportunidades de se aprofundar em quem importa: Venus e Serena. Mas, ei, é emocionante.
King Richard: Criando Campeãs estreia quinta-feira (2) nos cinemas brasileiros com distribuição da @WarnerBrosPicturesBR.
Em breve, o filme estreará na @HBOMaxBr.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.