Por Alvaro Goulart
“toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ela”, afirma o 10º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Em A Jaula, Djalma (Chay Suede) é um ladrão de carros que, em poucos segundos, consegue entrar na SUV estacionada em uma rua de pouco movimento. O carro, equipado com um forte sistema de segurança, enclausura o ladrão dentro de sua lataria. O que parecia ser uma presa fácil se transforma em uma armadilha.
Uma oportunidade de roubo fácil. Só mais um delito. Só mais um número na estatística criminal de uma cidade. Um evento como qualquer outro em uma grande metrópole passa a ser o pontapé inicial para esse thiller psicológico brasileiro adaptado do argentino “4×4”. Ambientado a maior parte do filme dentro da SUV, o filme estimula nossa claustrofobia. Em diversas tentativas – falhas – vemos Djalma se desesperar enquanto definha dentro do carro. Sua ratoeira de metal não permite com que ele seja visto ou ouvido pelo lado de fora, exceto por aquele que o aprisiona.
O algoz (Alexandre Nero) se comunica através do rádio do carro, o mesmo que Djalma havia tentado roubar. Sua voz pausada e firme invade os ouvidos de todos nós enquanto assombra com sua presença fora de campo. Ele conta sobre sua criação, sobre o fato de já ter sido roubado diversas vezes. Enquanto se revela aos poucos, demonstra o quanto aprecia estar finalmente em sua posição de poder.
O filme revela outras figuras bastante comuns no dia-a-dia: policiais, cidadãos com medo da violência, cidadãos que respondem a violência com mais violência, jornalistas que lucram com a violência (Astrid Fontenelle, impecável). E fazendo uso de cada uma dessas figuras, o filme escancara o posicionamento de diferentes faces da sociedade enquanto discorre sobre crime e castigo.
O ritmo do filme se intensifica e desacelera na medida certa. Trazendo desconforto proposital ao expectador enquanto nos faz tentar antecipar a resolução do conflito. O filme também faz algumas escolhas interessantes, outras nem tanto. Muito me agrada a figura policial responsável pela negociação no auge do conflito ser uma mulher (Com uma interpretação firme de Mariana Lima). A conclusão do terceiro ato, apesar de surpreendente, me gera um certo incômodo por interpretá-la insuficiente.
São muitos os paralelos que o filme faz com o que vivenciamos, ainda mais nos últimos anos aqui no Brasil. Apesar de nunca termos ficado presos em carros como o SUV do filme, algumas das falas proferidas pelo personagem de Alexandre Nero já foram ouvidas antes. E A Jaula, com certeza, não é um filme que limita seus questionamentos a duração de sua exibição.
JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 2 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico.
2 comentários em “A Jaula”
Fiquei mais ansiosa agora pra ver essa produção nacional!!
Pode ir sem medo! O filme traz reflexões bem necessárias e atuais!