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Catarina, A Menina Chamada Passarinho

Catherine Called Birdy

108 minutos

Lena Dunham adapta livro popular de época com toques de Fleabag

Não li a obra de Karen Cushman em que se inspirou o roteiro escrito e dirigido por Lena Dunham (Girls), mas a impressão que tive desta comédia feminista de época era a de assistir à versão adolescente de Fleabag por muitos motivos. Primeiramente, a posição questionadora dos valores tradicionais da sociedade do período, que obriga os pais a lhe darem em casamento para quitar dívidas criadas pelos hábitos e pela gestão mal-sucedida do dinheiro herdado pelo pai da esposa. Depois, o elemento formal da quebra da quarta parede, pois Catarina se dirige ao espectador como a narradora da história, colocando-se em um momento futuro e levando o espectador a conhecer esse tempo específico na vida da pré-adolescente, logo depois de menstruar. E, acidentalmente ou não, a escalação de Andrew Scott, que aqui interpreta o pai de Catarina. 

Interpretada por Bella Ramsey (a Lyanna Mormont de Game of Thrones), Catarina é um espírito livre que preferiria atrasar o relógio cronológico e biológico para continuar usufruindo a liberdade, brincando com as crianças de sua idade e realizando travessuras na acolhedora Stonebridge. Só que a idade chega e, com esta, a responsabilidade de casar com um homem rico cujo dote possa aliviar as dívidas contraídas por Sir Rollo, que aguarda a vinda do herdeiro com Lady Aislinn (Billie Piper). O roteiro acompanha as desventuras de Catarina a cada pretendente que lhe é apresentado – os quais despacha com senso de humor e espirituosidade – e evita transformar seu pai no vilão da história. Quando muito, Sir Rollo é ilustrado como um homem inconsequente que não percebe colocar em risco a felicidade de sua filha. 

Formalmente, a direção de Lena Dunham é anacrônica. Enquanto estamos no território do cinema de época, com a pompa esperada do design de produção e dos figurinos, sobre este mundo está a camada contemporânea, com muitas canções pop e gírias e expressões características dos pré-adolescentes de hoje. A decisão da direção é coerente – repito, não posso dizer se com o material original – ao substituir a solenidade e sisudez habituais de dramas de época em favor da engenhosidade da comédia, facilitando a comunicação com o público-alvo da narrativa, jovens que têm a cabeça de Catarina e que vivem no mundo povoado por redes sociais. 

Aliás, a quebra da quarta parede ainda torna a experiência de Catarina em um diário, bem ao estilo dos stories do Instagram ou do TikTok, em como a protagonista confidencia a sua vida a estranhos, em busca de quem simpatize com sua jornada. Isso ajuda a contrapor o tema ultrapassado, pois os casamentos arranjados são distantes da realidade da sociedade brasileira. E, mesmo que Lena Dunham esteja utilizando o cinema de época para revelar o patriarcado ou o sexismo persistente no mundo de hoje, apoia-se em elementos ineficazes (ao menos do ponto de vista do homem que vos escreve; pode ser que a crítica feminina e feminista pode expor pontos cego que não pude notar na minha). 

De todo modo, gosto de como o roteiro é articulado entre a miríade de subtramas que comungam dos mesmos valores em alusão à interseccionalidade tão debatida nos dias de hoje: o tio George (Joe Alwyn, de A Favorita) casa-se com uma mulher mais velha e rica (Sophie Okonedo), o seu melhor amigo (Dean-Charles Chapman) é gay mas não tem meios de revelar dentro da sociedade, a relação do pai com a mãe e a obrigação dela de gestar filhos. É agradável assistir ao amadurecimento e aprendizado de Catarina, enquanto toma conhecimento de uma realidade além da gaiola onde habita, permitindo-lhe criar a empatia para lidar com cada aspecto de sua vida. 

Além do mais, a narrativa ainda conta com a atuação de Bella Ramsey, uma atriz dinâmica e carismática, cuja jovialidade contagia o espectador e cujos questionamentos colocam-no a seu lado, não atrás dela, acompanhada de um elenco coadjuvante competente e igualmente cativante (Andrew Scott, por exemplo, é o tipo de sujeito que é difícil de antipatizar, mesmo que tome decisões erradas e contraditórias dentro da narrativa). Assim, Catarina, A Menina Chamada Passarinha, além de retrato de época com o dedo contemporâneo, é ainda retrato afetivo de hoje a partir do olhar carinhoso para o ontem. 

É o tipo de filme que acerta exatamente onde deseja, e mesmo quando a conversa recai em temas já superados, é o equivalente a escutar a avó lembrando de seus tempos idos. Você pode até não se identificar, embora ainda escute com atenção o que esta tem a dizer. 

O filme está disponível no catálogo da Amazon Prime

Filme assistido no 47º Festival Internacional de Cinema em Toronto

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