Sinopse – Durante as férias em uma cabana remota, uma garota e seus pais são feitos reféns por estranhos armados que exigem que a família faça uma escolha impensável para evitar o apocalipse.
Dirigido por M. Night Shyamalan, que adapta o livro de Paul Tremblay, BATEM À PORTA têm no elenco Jonathan Groff, Ben Aldridge e Dave Bautista.
O filme estreia amanhã, 2 de fevereiro, nos cinemas!
Crítica:
A partir de um cenário mínimo, o interior e exterior de uma cabana no meio da floresta – o ponto de partida de um terço de filmes de terror -, o diretor elabora a construção do suspensa a partir de uma premissa que não revelarei, mas que envolve forças opostas: o casal Eric (Jonathan Groff) e Andrew (Ben Aldridge), e a filhinha Wen (Kristen Cui), e os invasores chefiados por Leonard (Dave Bautista). Ainda que pareça o típico terror de invasão domiciliar, BATEM À PORTE não é bem assim.
Com a cena inicial em que Wen prende gafanhotos dentro do jarro de vidro, que remete à praga bíblica dos gafanhotos e metaforiza com o tema da narrativa, Shyamalan encena o jogo de força entre Leonard e Wen. Enquadrado de baixo para cima, como será a tônica na narrativa, Leonard oprime Wen, miniaturizada de cima para baixo, até se abaixar e ficar à altura da criança. O pré-julgamento com que encaramos tipos iguais a Leonard impede o espectador, a princípio, de aceitar que está diante de um professor de ensino fundamental e, à toda evidência, um exemplar profissional no trabalho que desempenha. Muito da força da narrativa reside na habilidade de Dave Bautista em ser desconfortável, apesar da voz mansa e paciente com que administra o inevitável.
O desenvolvimento do roteiro somente parte da premissa de invasão domiciliar, mas logo abdica de convenções do subgênero: o quarteto tem interesse em dinheiro, nem em torturar psíquica e fisicamente a família (ainda que invariavelmente faça isso). O desenrolar do roteiro nega a fonte do terror do subgênero em como o quarteto lida com as ‘negativas’ da família, e cria uma apreensão maior no conflito entre o ceticismo de Andrew e a paranoia ou profecia religiosa dos demais. E o desenvolvimento é adequado em empurrar o espectador de lá para cá, com o roteiro tendo sido reescrito por Shyamalan da adaptação de Steve Desmond e Michael Sherman a partir do livro de Paul Tremblay. Rejeitar o sobrenatural é fácil, ainda mais quando parece ser pregado por fundamentalistas religiosos, enquanto aceitá-lo, mesmo diante de acontecimentos inexplicáveis, pode ser mais difícil de processar.
A narrativa justifica o ceticismo nos flashbacks – que não curto, já que interrompem a tensão em favor de explicações de fácil inferência para qualquer pessoa que entenda o que homofobia. Os flashbacks quando muito saciam o desejo do espectador que gosta de tudo explicadinho – curioso para saber o comportamento de parte da cinefilia em relação a isso – , e auxiliam pouquinho no desenvolvimento dos personagens e do relacionamento. Ao menos são pontuais, e Shyamalan rapidamente recupera o controle da narrativa: a imagem é forte e não admite meias verdades. Em certo momento, Leonard está no campo visual, mas fora de foco, na posição de pilar que divide aquela família no meio: do lado de cá, o irredutível Andrew; do lado de lá, Eric, que desconfia ter visto algo, embora a justificativa possa ser médica (o golpe que tomou na cabeça).
O controle da imagem auxilia Shyamalan a criar momentos de pavor a partir das armas do quarteto e da edição sonora; o diretor não sente a necessidade de ser expositivo ou explícito, raramente sentiu (salvo na cena contorcionista no interior da caverna de Tempo). Pois é no fora do campo que a direção formiga o suspense, por não estar erguido na expectativa do que poderá acontecer caso a família não decida, mas na certeza e iminência de que os invasores levarão o plano até o fim e na incerteza se a família obedecerá, ou não. O medo é enxergado nos semblantes de Andrew, Eric e Wen, do mesmo modo que o desespero e a angústia crescente no rosto dos membros do quarteto – em closes e primeiríssimos planos que sensibilizam ainda mais a experiência do espectador.
É em favor disto que Shyamalan decide abrir mão de convenções da forma: em um flashback, a câmera não está bem centralizada dentro do carro – como ocorre de praxe -, mas ‘mutila’ levemente o rosto de Andrew e enquadra melhor Eric (que dirige) e Wen (no banco de trás). É um momento “esquisito”, no sentido formal, e depois ressignificado no terceiro ato. Pois as convenções só podem levá-lo até certo ponto, e BATEM À PORTA requer enfrentá-la para criar uma experiência única e até mesmo original de um terror pautado na invasão domiciliar, no isolamento e no fanatismo.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.