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Os Banshees de Inisherin, indicado a 9 Oscars

Sinopse – Embora Pádraic e Colm tenham sido amigos de longa data, eles se encontram num impasse quando um deles abruptamente rompe o relacionamento, trazendo consequências graves para ambos.

Os Banshees de Inisherin estreou nos cinemas e é dirigido e escrito por Martin McDonagh (Na Mira do Chefe e Três Anúncios para um Crime) e tem, no elenco, Colin Farrell, Brendan Gleeson, Kerry Condon e Barry Keoghan, todos indicados ao Oscar nesta edição.

O que acho sobre o filme?

Após o Oscar de melhor roteiro original por Três Anúncios para um Crime e o divertido Sete Psicopatas e um Shih Tzu, Martin McDonagh reúne-se com a dupla do excelente Na Mira do Chefe para este drama cômico (ou seria comédia dramática?) The Banshees of Inisherin, uma analogia explícita à Guerra Civil irlandesa, posterior à independência da Inglaterra, que colocou amigos em lados opostos.

Enquanto a guerra acontece além das fronteiras da remota ilha de Inisherin, no litoral da Irlanda, o fazendeiro Pádraic (Colin Farrell) caminha despreocupado para se encontrar com o melhor amigo, Colm (Brendan Gleeson), para o programa que fazem todos os dias: ir ao pub local e jogar conversa fora. Algo está diferente, porém, e ao recebê-lo, Colm apenas lhe responde: “Eu não gosto mais de você”. Da forma casual como Brendan Gleeson enuncia a afirmação ao abalo emocional que provoca no ingênuo e bonachão Pádraic, o tom narrativo é prosaico (“Deve ser por causa do 1º de abril” sacramenta Pádraic) antes de se aprofundar por caminhos dramáticos inesperados, quiçá surreais.

É que, diante da insistência reiterada de Pádraic em compreender o motivo de o melhor amigo terminar a amizade e não desejar mais sua companhia, Colm realiza um ultimato: “Se você não parar de falar comigo, vou cortar um dedo de minha mão e continuarei a cortar até não ter mais dedos para cortar”. Vindo de um homem que começou a praticar o violino a fim de produzir uma canção por que será recordado, esta ameaça de automutilação serve ainda para revelar um eventual egoísmo de Pádraic, cuja curiosidade pode vir ao custo de arruinar o sonho de Colm em se eternizar na música.

O intrigante no roteiro de Martin McDonagh é a ausência de uma hostilidade desenvolvida entre os personagens para justificar o rompimento definitivo. Aliás, Colm respeita a amizade que teve, é paciente em pedir mais de uma vez para que Pádriac se afaste, até insiste com a sua irmã Siobhán (Kerry Condon), e defende o ex-amigo após ser espancado pelo policial da redondeza. Colm somente deseja a tranquilidade ou a seriedade que Pádriac não pode lhe oferecer. Assim, na ação ambientada em 1923, causa, consequência, acidente, absurdo e mesmo premonições na supersticiosa região jogam em um roteiro bastante articulado em relação ao conflito central – desenvolvendo-o até o limite das possibilidades -, como também quanto aos personagens coadjuvantes: Siobhán, que deseja deixar a região para morar na cidade, e Dominic (Barry Keoghan), abusado fisicamente pelo pai e que se torna, para Pádriac, o amigo que este era para Colm.

Além de a narrativa evidenciar o paralelo com a guerra civil irlandesa, ainda soa, para mim, metáfora de tópicos sobre saúde mental. Pádriac, desta maneira, é a vozinha ininterrupta e exaustiva na cabeça do artista Colm que o impede de criar. É o tumulto quando o cérebro somente exige a mesma paz que se encontra na idílica fotografia dos campos ou do mar da Irlanda. A amizade com Pádriac é, para Colm, o equivalente à perda de foco provocada pelo TDAH, e é compreensível que este último decida romper a qualquer custo a amizade, nem que isto custe a capacidade de criar a arte que ama. A propósito, a arrogância artística de Colm é desafiada por Siobhán ao recordá-lo que Mozart não é do século XVII, mas XVIII.

Com uma atuação serena de Brendan Gleeson, Colm é contraditório para dizer o mínimo: a forma pausada como fala e mesmo a composição que elabora são máscaras do desespero que confessa sentir ou das ações extremas que levam a consequências drásticas, no estilo de comédias de humor ácido (pinceladas com as cores do drama). Enquanto isto, Colin Farrell demonstra uma melancolia dolorosa de um modo particular, enquanto a ingenuidade passa a ser sufocada por adeus de muitos personagens com quem podia conversar.

Entretanto, o mais triste mesmo que há em Banshees of Inisherin é perceber como, na vida, amigos com quem passamos anos, décadas, podem amadurecer noutras pessoas e trilhar caminhos diferentes dos nossos. Afastar-se daqueles com quem crescemos ou com quem passamos a vida é natural, apesar de doloroso. E, no roteiro em que não há personagens maus (ao menos não no núcleo central), perceber como irmãos que antes cantavam juntos agora podem provocar danos irreparáveis uns nos outros é a constatação tragicômica do efeito até hoje nefasto da guerra na sociedade irlandesa. E na vida desses dois homens.

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