Sinopse – A vida de uma família que cultiva pêssegos em uma pequena vila na Catalunha muda quando o proprietário de sua grande propriedade morre e seu herdeiro decide vender a terra, ameaçando de repente seu sustento.
Direção – Carla Símon
Elenco – Jordi Pujol Dolcet, Anna Otin, Xenia Roset, Albert Bosch, Ainet Jounou, Montse Oró
ALCARRÀS está disponível na Mubi Brasil.
Em uma propriedade agrícola, as gerações de uma mesma família na Catalunha subsistem na base da cultura de pêssegos. Mas o progresso ameaça esta existência em razão de o avô haver celebrado o contrato apenas verbalmente, não em papel, e agora tem um ultimato: precisa colher o que plantou até o final do verão já que os pessegueiros darão lugar a painéis fotovoltaicos para produção de energia solar. Com isto, vão também as oportunidades de emprego que a família dava a pessoas, sobretudo imigrantes, da região.
Este drama é contado com a substituição do drama pelo naturalismo graças à sensibilidade da diretora Carla Simón, que parece amar o verão catalão a exemplo do trabalho anterior Verão 1993. A partir de uma abordagem realista, Carla ilustra como cada geração encara o desfecho inevitável enquanto estabelece a relação familiar em torno do chefe da família. A diretora evita aprofundar-se na crítica a esta sociedade patriarcal – compreendendo que seu trabalho é retratar, não refletir a respeito -, para apresentar as disputas dos cooperados por melhores condições mercantis, ou a insistência do pai para que o filho largue a plantação e estude. Tudo, repito, sem juízo de valor mas como um documentário retratado na base de um drama familiar.
O naturalismo resulta da opção por uma iluminação justificada, que investe na luz solar – olha a ironia! – que penetra na lente da câmera para proporcionar uma sensação de aconchego e calor àquela vida mesmo quando à beira do precipício. Além disto, a encenação de Carla reconhece como as crianças reagem como se estivessem em férias eternas, enquanto os adolescentes procuram alternativas ou sentido, ao passo que os adultos ou manifestam no corpo o estresse da situação (o pai) ou a tristeza de se sentir responsável por assistir ao legado familiar ser destruído (o avô, e a performance de Josep Abad machuca sem precisar de muitas palavras, apenas o olhar marejado).
O roteiro reforça esta incursão no real a partir de uma tendência de rejeitar o acabamento mais dramático que poderia advir do projeto: assim, a descoberta do plantio de maconha de Roger e a reação do pai foge a qualquer catarse, em favor do paralelo antecipado ao que acontecerá com a plantação. Contudo, ainda que o desenvolvimento do roteiro pulverize o conflito central de tal modo que seja um fato consumado, no aguardo do tempo para concretizar seus efeitos, isto me parece menor diante do êxito da direção em retratar o universo particular de seus personagens à espera da tempestade perfeita.
Um drama sem o d de dramalhão, e nem por isto menos emocionante.
Crítica publicada durante a cobertura do 72º Festival de Berlim
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.