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Entre Mulheres, a poderosa obra feminista indicada ao Oscar

Um grupo de mulheres em uma comunidade menonita isolada luta para reconciliar sua realidade com sua fé após uma série de agressões sexuais cometidas pelos homens da colônia.

Direção – Sarah Polley
Elenco – Rooney Mara, Jessie Buckley, Claire Foy, Francis McDormand, Ben Wishaw

ENTRE MULHERES está em exibição nos cinemas e indicado a 2 Oscars (Filme e Melhor Roteiro Adaptado).

Crítica:

O roteiro, de autoria de Sarah, tem vocação teatral ao reunir um elenco talentoso dentro de um espaço físico limitado, no qual as mulheres devem decidir o que irão fazer, na ausência dos homens da comunidade, para combater as agressões sexuais em série que sofrem na colônia religiosa onde habitam. Ona (Rooney Mara, de Os Homens que não Amavam as Mulheres) adota o ponto de vista do espectador no centro da balança que ora pende para o lado de Salome (Claire Foy, de The Crown), que inflama as mulheres a fugir dos captores pois caso contrário certamente irá se vingar deles, ora de Mariche (Jessie Buckley, de A Filha Perdida), que acredita que a fuga não é a melhor decisão com medo da retaliação. Ao lado das três, adolescentes (Michelle McLeod, Kate Hallett e Liv McNeil) e experientes (Judith Ivey, Sheila McCarthy, Frances McDormand) que têm a própria maneira de enxergar a situação ou mesmo o propósito desta reunião, assistida por August (Ben Whishaw), que é apaixonado por Ona.

A princípio, a sensação que tive era de assistir à obra de uma época passada: o ambiente rural, os figurinos característicos e os costumes sugerem isso. Até a violência física e sexual generalizada praticada contra as mulheres – sugerida, não explícita, mostrando a diferença de ter uma diretora atrás das câmeras dirigindo filmes com temática feminista – era também prova de estar em tempos idos. Até cair minha ficha. Não é que Sarah Polley esteja falando do ontem, mas de como este é conservado no hoje sob a desculpa de tradição ou costume, com o consequente comportamento patriarcal, machista e misógino de uma comunidade fundamentalista religiosa (parece mórmon, mas poderia ser de qualquer religião). A quebra da expectativa veio com o surgimento de uma caminhonete à distância, expressiva de uma atemporalidade da denúncia.

Desse modo, Women Talking, que leva a sério o título original, é uma obra sobre mulheres resgatando mulheres e a si mesmas em um plebiscito que é sinônimo de terapia individual e sororidade. Nele, deverão decidir entre perdoar os homens que as violentam para conservar a fé religiosa, permanecer na comunidade onde nasceram e foram criadas e se vingar dos mesmos homens ou deixar para trás o passado e começar a vida do zero. A narrativa está preocupada com a tomada de decisões, não com a ação posterior, em uma forma similar a de 12 Homens e uma Sentença: além de adotar o formato de câmara, reduzindo a ação ao mínimo de cenários, adota a discussão ideológica, com argumentos favoráveis e contrários, a fim de decidir sobre a própria existência feminina, seja na comunidade, seja além dela.

Além disso, muitas questões são tratadas discretamente embora conservem o impacto: a importância da educação (o analfabetismo da maioria exige que August assuma a função de redator), do direito ao voto conquistado pelas mulheres, a duras penas, em meados do século passado, da importância do papel do homem, não como um príncipe salvador, porém como apoiador do feminismo. Por falar neles, Ben Whishaw tem uma atuação doce, trágica e dilacerante, ao justificar a atitude dele porque deixaria a mãe dele orgulhosa (afinal, será que os homens que cometem atos contra mulheres não lembram que têm / tinham mães ou filhas?). A questão geracional é talvez a mais necessária, em como evidencia o esforço das mulheres que sofrem as violências com habitualidade no convencimento das mais jovens a se engajar e das mais velhas, e cansadas, a vencer o pessimismo de uma vida de abusos.

Se a temática é urgente, a forma usada para contá-la é poderosa. As cores dessaturadas tonalizam o mundo de trevas em que vivem as mulheres. Já a montagem pincela momentos de violência para pontuar argumentos, sem desejar reviver o trauma dos espectadores que já passaram por situações parecidas. E Sarah Polley também encontra espaço à esperança em meio ao medo e à violência, sentimento que brota a partir da comunhão de mulheres, ilustrada de modo caloroso.

E mesmo que Rooney Mara tenha pouco a oferecer senão a simpatia, dado o caráter mais utilitário da personagem em reproduzir o olhar do público, Jessie Buckley e Claire Foy estão incandescentes no modo como defendem os argumentos com paixão e ardor, sem que isto faça delas personagens unidimensionais (é possível vê-las como concorrentes a prêmios de atriz coadjuvante, caso a distribuidora jogue o jogo da temporada de premiações de modo correto). Já Frances McDormand tem uma performance poderosamente contida, movida a partir do olhar e sobretudo dos espinhos pragmáticos que precisou criar para se proteger do mundo dos homens.

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