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Crônicas do Irã

3.5/5

Ayeh haye zamini

2023

77 minutos

3.5/5

Diretor: Ali Asgari, Alireza Khatami

À primeira vista, Crônicas do Irã é um exercício narrativo em formato de antologia com o propósito de criticar, a partir do bom humor, a influência da religião e da burocracia na vida e liberdade do indivíduo no país teocrático. Com o passar do tempo, contudo, a obra escrita e dirigida por Ali Asgari e Alireza Khatami revela um panorama maior e ambicioso, trágico eu diria, ao enfatizar, de uma forma astuta, que da infância à velhice, o destino da pessoa está traçado irremediavelmente.

Com uma dezena de esquetes em 77 minutos de duração, Ali e Alireza confiam no roteiro e na forma eleita: a última adota a câmera estática que enfoca, somente, quem demanda ao Estado ou à empresa privada e invisibiliza o braço destes, o funcionário público ou privado, que nega o pedido. Deste temos só a voz, irônica às vezes e sempre impositiva, e diálogos desenvolvidos do natural ao surreal. Essa invisibilidade elimina a subjetividade, culminando na conclusão óbvia quanto à sua indiferença. Não importa se é João ou Maria que negam o pedido, importa que quem quer que seja negará o pedido porque assim é o país.

Excepcionalmente, a mão do entrevistador entra no quadro, mas isto tampouco produz uma aproximação. É apenas para alcançar um documento. Enquanto a invisibilidade sugere a impessoalidade, o plano estático expõe o amadurecimento, o avançar etário e cronológico. Um recém nascido, representado pelo pai, é o primeiro a participar e requerer o registro de seu nome, David, negado por não ser muçulmano; a penúltima esquete encontra uma idosa que acabou de perder o cachorrinho, vai ao canil da cidade e tenta reavé-lo. No ínterim da narrativa, a infância, a adolescência e a adultez representam ideologicamente a mesma pessoa (ainda que o sexo ou a etnia mudem).

Logo, é pertinente que a narrativa inicie com um time lapse de Teerã (a capital do país), pois a estrutura narrativa, longe de ser afrouxada, está comprometida com a ideia de ilustrar o passar do tempo a partir da idade dos intérpretes. Neste sentido, a esquete final é poética, tanto na idade do sujeito diante da câmera quanto da conclusão do time lapse. A obra é, talvez, a que mais provocou risadas nos 42 filmes de que participei no ano. Um humor fácil e acessível, apesar de criticar a política iraniana especificamente, e que é dialógico, visual e simbólico – que a criança esteja com a camiseta do Mickey Mouse é esperado, mas que o adulto que deseja a carteira de motorista vista uma estampa parecida, infantiliza-o, além de relacioná-lo com a personagem-mirim.

Minha ressalva está, apenas, em duas histórias específicas que posicionam no campo do surreal o que é factual: o assédio sofrido por uma mulher e um homem, respectivamente em uma entrevista de emprego e uma entrevista para obtenção de licença para dirigir. Não há comicidade, ao menos não da forma feita pela narrativa, e especialmente em comparação à história em que o nome do bebê não pode ser David mas pode ser Davood ou o perrengue de um diretor diante do órgão censor.

Ainda assim, tão agradável quanto é cirúrgico, o iraniano Crônicas do Irã é a evidência do riso como alternativa à repressão que, hoje, parece invencível naquele país.

Crítica publicada durante a cobertura do Festival de Cannes 2023

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