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The Mother of All Lies

4/5

Kadib Abyad

2023

96 minutos

4/5

Diretor: Asmae ElMoudir

A marroquina Asmae El Moudir é mais uma artista que emprega a arte cinematográfica como meio de conhecer as suas raízes e explorar a história de seu país. Quanto mais pessoal, melhor, disse Martin Scorsese. Enquanto Asmae investiga o motivo de ter apenas uma fotografia tirada na infância, aprofunda-se na história do Pai, da Avó e a relação com os tumultos ocorridos na capital Casablanca, em 1981, quando a inflação do pão levou as pessoas a protestar nas ruas com uma resposta violenta do governo opressor. Oficialmente, 66 pessoas morreram, um número dez vezes menor do que o factual.

The Mother of All Lies (ou A Mãe de Todas as Mentiras) concilia a mentira contada pela Avó a fim de poder sobreviver ao trauma, com a mentira articulada pelo Estado, a partir de uma ‘história’ que não corresponde aos fatos. O ponto de partida é até contraditório: por que a avó não gosta de fotos, apesar de não parecer se opor a ser fotografada ao cinema? Esta pergunta pode também ser feita ao Estado, pois há apenas uma fotografia oficial do tumulto o que a obriga Asmae a procurar respostas em um jogo de cena que envolve a maestria do pai no artesanato e construção de maquetes, com a investigação documental empreendida pela filha formulada em um processo de reconstituição histórica. 

Um tico semelhante à obra do cambojano Rithy Panh em A Imagem que Falta, Asmae parte de uma espécie de diorama modelado e construído pela memória e artesanato do Pai para representar a rua onde moravam. O trabalho produzido, e cujo processo testemunhamos, é dotado de uma riqueza de fachadas, cores, edificações e modos de vida que me obrigaram a refletir a partir de que memória adveio. Se de uma memória factual, gravada por causa do trauma daquele período, ou se uma memória fabricada e idealizada, bela e enriquecida. Eu estou inclinado a crer na primeira versão, em razão do trauma de ver o sonho de ser um jogador de futebol em um pesadelo (o campo de futebol tornou-se o cemitério onde foram enterrados os corpos das pessoas submetidas à violência do Estado).

Apesar de os sulcos nos rostos e os olhos baixos dos sobreviventes da família exibirem um passado que não desejam reviver, Asmae investiga o passado, mas o faz de modo sensível e compreensivo. Ela evita julgar o Pai e a Avó, mas tenta compreendê-los, e assim também o primeiro em relação à última. Seria injusto Asmae condenar as ações da Avó hoje, cerca de 40 anos da tragédia; o que a diretora busca é o conhecimento, pois depende disso para compreender. Se o Estado nega o acesso a fatos, a alternativa que lhe resta está na família. É por essa razão que, durante o relato emocionante de um vizinho sobrevivente, encenado a partir da utilização de bonecos de argila, a sensação é de que a encenação é feita para os outros, não para as câmeras (nós). 

Em resumo, a relação do espectador com The Mother of All Lies não é com a dor daquelas pessoas que sobreviveram à violência injustificada do Estado, mas sim com a curiosidade da diretora, que entende a propriedade da imagem em embalsamar a memória e a história. A busca não é exploratória ou fetichizante, não temos o ímpeto de procurar a catarse na dor alheia. Pelo contrário, a dor é apenas dor, não é transmudada nem ressignificada em nada. Apenas existe dentro do tempo narrativo, ao lado da ânsia de preencher as lacunas que as imagens que faltaram ou que as histórias sonegadas pela Avó não puderam fazer. 

The Mother of All Lies é, de uma forma muito particular, uma obra sobre a arte do cinema, a arte que pode até mentir 24 quadros por segundos, embora neste caso, esta mentira fosse indispensável para que Asmae El Moudir aprendesse mais a respeito de si.

Crítica publicada durante a cobertura do Festival de Cannes 2023.

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