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Argylle: O Superespião

3/5

Argylle

2024

139 minutos

3/5

Diretor: Matthew Vaughn

Até pensei em escrever uma crítica que ignorasse a existência da publicidade em torno de Argylle: O Superespião, por não guardar relação com o filme propriamente dito. Contudo, é compreensível a frustração de parte do público levado a acreditar em certo protagonismo ou em certo tipo de abordagem, e como essa expectativa prejudica a melhor sorte da narrativa. É compreensível, mas não é justificável, e sou levado a comentar a respeito. Expectativas são o caminho mais rápido para a decepção, frutos de um desejo manifestamente fabricado pelo marketing. Expectativas são como se um filme caminhasse sobre um campo minado e, a qualquer instante, pudesse pisar em um explosivo, arruinando uma ilusão existente apenas dentro da cabeça do espectador.

Sem expectativas, Argylle: O Superespião não é um thriller de ação e espionagem estrelado por Henry Cavill, Dua Lipa e John Cena. É uma paródia desse tipo de filme, que parte de um espião genérico, cumprindo missões igualmente genéricas, dentro de um ambiente calculadamente cinematográfico, em que imperam o desprezo às leis da físicas mais elementares e a utilização de efeitos visuais propositadamente artificiais. Tudo isso é um produto da cabeça de uma escritora popular, introvertida e reclusa, Elly Conway (Bryce Dallas Howard). O conflito inicia fora das quatro linhas da espionagem, quando Elly descobre, durante uma emboscada em um trem, que os livros escritos relacionavam-se com as ações de uma organização criminosa chefiada pelo Diretor Ritter (Bryan Cranston). Quem a resgata é o espião Aidan Wilde (Sam Rockwell), em nada similar à impecabilidade física de um James Bond ou Argylle.

Matthew Vaughn pautou sua carreira – com exceção de X-Men: Primeira Classe – em obras que, embora não fossem paródias, eram bastante conscientes das convenções e dos clichês dos (sub)gêneros. Em Kick-Ass, Kingsman ou Stardust, Matthew trabalhou o conhecimento prévio do público, a favor de uma subversão de expectativas não completa, mas que se afastava o suficiente para aparentar originalidade. Argylle diverge desses meios para alcançar o mesmo fim dos anteriores, e o resultado é irregular, com espaço até para especulações. Ao atribuir a Elly uma visão simplista da literatura de espionagem ou do estereótipo de um superespião, Matthew não estaria sendo paternalista? Pode ser que esteja, embora enraíze uma justificativa para a literatura da escritora em elementos narrativos que advogam exatamente o contrário de um sexismo.

De volta à irregularidade. Matthew adota uma espécie de paródia pela metade. Seu humor não é escrachado, não propõe uma risada larga, não desnuda nem vira do avesso o thriller de espionagem do smoking alinhado. É limitado a observar situações específicas e apontar o dedo àquilo de que debocha, enquanto se satisfaz com a reciclagem da típica história de uma pessoa comum tragada ao mundo da espionagem, onde precisa saltar três andares de um prédio para sobreviver ou se defender mesmo não tendo recursos para tal. Assim, a paródia torna-se somente o disfarce de Argylle, que é o mesmo tipo de filme que parodia no fim das contas e para o qual retorna quando as cartas estiverem na mesa, com o diferencial de ter posado de espertinho durante o caminho.

A esse respeito, o roteiro escrito por Jason Fuchs (de Era do Gelo 4 e do argumento de Mulher-Maravilha) a partir de um livro ainda não publicado de uma mesma Elly Conway, que a internet acreditou(a) ser a Taylor Swift, é de uma imaturidade tremenda em confiar apenas no excesso de reviravoltas como combustível. Não foi a primeira, nem a segunda virada da trama, mas a terceira ou a quarta que acabaram criando um rocambole narrativo cansativo e frustrante, convidativo a uma postura bastante passiva e de mero aguardo do próximo evento que mudará tudo. A impressão é de que o roteiro se esforça em fingir ser o que não é, para parecer diferente, por ter vergonha do que pensou.

O que é irônico, pois a direção, na maior parte do tempo, não tem nenhuma vergonha em rir de si. Mesmo que a censura tenha contemporizado a violência narrativa, tornando inócuas e assépticas suas consequências, uma restrição que não existia em Kick-Ass nem em Kingsman, Matthew Vaughn trabalha com habilidade o conceito individual de cada sequência de ação. A (des)contextualização de Elly da realidade é realizada em um piscar de olhos, um efeito de montagem prático, econômico e cuja execução deve ter dado uma trabalheira, já que Sam Rockwell e Henry Cavill tiveram que mimetizar o movimento um do outro. A sequência ainda é sugestiva em pontuar certos aspectos de identificação, em virtude de trabalhar em um subgênero ainda dominado por protagonistas masculinos.

E, embora a patinação não atinja todo o potencial narrativo, em razão da censura restringir o derramamento de sangue, por outro lado a fuga de uma sala cercada por capangas descartáveis e uniformizados é expressiva em revelar quão ridículos são os amantes quando apaixonados: a canção sentimental, a dança coreografada, a fotografia multicolorida, os primeiríssimos planos dos atores. Por falar neles, Bryce Dallas Howard é adorável, carismática e oferece uma heroína não presa ao padrão estético da atriz de ação, enquanto Sam Rockwell é Sam Rockwell, e para esta narrativa isso basta. O restante do elenco trabalha dentro das balizas criadas pelo roteiro, funcionando mais por quem podem aparentar ser, do que pelo que são.

Pensando bem, é curiosamente sintomático que o esforço do filme fingir ser o que não é tenha contaminado a publicidade a vendê-lo também pelo que não é, e é lamentável que Argylle seja assim julgado, pelo que esperavam que fosse, não pelo que de fato é: uma paródia, pela metade é verdade, do cinema de espionagem, perdida no vai-e-vem da trama, mas resgatada pela direção habilidosa e pelo absoluto desprezo à seriedade, em favor de uma cinema ridículo e maluquinho.

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