Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

Godzilla e Kong: O Novo Império

3/5

Godzilla x Kong: The New Empire

2024

115 minutos

3/5

Diretor: Adam Wingard

Antes do início da cabine de imprensa de Godzilla e Kong: O Novo Império, conversei com um colega que a minha memória do MonstroVerso – que tem até um profissional encarregado de desenvolvê-lo listado nos créditos finais como Monsterverse Mythology Development – era, na melhor das hipóteses, rarefeita. Eu só me lembro de fragmentos de Godzilla (2014), Kong: A Ilha da Caveira (2017), Godzilla II: Rei dos Monstros (2019) e Godzilla vs. Kong (2021). Isto não quer dizer que sejam bons ou ruins, ou que eu deva procurar um neurologista, mas que são filmes esquecíveis e não memoráveis, desde os personagens humanos, o ponto fraco das produções anteriores, até mesmo a ilustração das lutas dos titãs uns contra os outros. Não lembrava de Rebecca Hall ou Brian Tyree Henry no antecessor, apenas da atriz-mirim Kaylee Hottle, e na realidade acredito que isto não faria nenhuma diferença na minha percepção a respeito da continuação.

Que tem início com uma homenagem a Jurassic Park, em um plano aéreo que sobrevoa a Terra Oca e contextualiza o espectador do novo lar de King Kong, onde passa os dias sobrevivendo contra os predadores locais, enquanto procura outros de sua espécie. Ao mesmo tempo, Godzilla aparece, derrota um titã na Itália, descansa o sono dos campeões no Coliseu (o berço dos gladiadores, uma gag visual bacana), desperta e viaja ao redor do mundo à procura de ninguém sabe o quê (até ser explicado). Com os titãs mais ou menos sob controle, Ilene (Hall) pode preocupar-se com o que importa: o fato de que Jia (Hottle) está tendo apagões e visões relacionadas a sinais captados da Terra Oca. As duas, o podcaster Bernie (Henry), o veterinário Trapper (Dan Stevens) e o mau humorado Alex Ferns viajam à região para investigar; lá encontram vestígios de uma civilização antiga, uma profecia e uma ameaça: Scar King, um macaco que habita em uma região vulcânica oprimindo outros pares.

(Se você lembrou de O Rei Leão, eu também pensei, instintivamente até).

A realidade é que o MonstroVerso é uma mera desculpa aos amantes dos Kaiju (os monstros gigantes japoneses), com um acabamento hollywoodiano, em termos da escala de destruição global e dos efeitos visuais computadorizados moderninhos, o que não significa que sejam os melhores (Godzilla Minus One está aí para provar). É que, para a Legendary Pictures e Warner Bros. Discovery, que detém os direitos de adaptação dos personagens, os Kaiju são uma fonte de receita desacompanhada de qualquer compreensão do valor cultural e histórico que Godzilla, e seus adversários, possuem. Para os norte-americanos, Godzilla é um lagarto gigante, mau humorado, que dispara energia nuclear da boca. Ele não é um monstro, somente um anti-herói, ocasionalmente útil; não é alegórico, senão do temor apocalíptico norte-americano existente desde a Guerra Fria (muito embora o apocalipse tenha estado mais perto justo por causa dos antepassados dos mesmos norte-americanos que agora o temem).

Desprovido de qualquer valor que porventura poderia ter, Godzilla não é nada senão uma força da natureza. King Kong tem melhor sorte, já que é humanizado de formas variadas. Isto passa pela ser digital, com olhar e gestos humanos (uma piscadela, por exemplo), e chega até à associação direta com Jia que, igual ao primata, é também a última de sua tribo Iwi. Ou assim ambos acreditam ser. Nesse caminho, os melhores instantes desta continuação são aqueles em que o diretor Adam Wingard acompanha o cotidiano de King Kong – as armadilhas que cria para proteger-se – ou a descoberta de indícios que podem levá-lo a seus pares, ou até mesmo uma cirurgia de extração de dente e a maneira com que Kong reage após. O tratamento dado ao personagem é bom o bastante que obriga à reflexão sobre a prescindibilidade dos personagens humanos – só que estou colocando o carro à frente dos bois.

Antes de tocar no assunto, devo celebrar a inteligente decupagem de Adam Wingard. Na superfície, Godzilla e Kong são o que são: titãs (ou monstros) com a capacidade de destruir aquilo que nós demoramos décadas para erguer: arranha-céus, monumentos, edificações etc. São enquadrados de baixo para cima, magnificados pela câmera. Em contrapartida, na Terra Oca, a mesma decupagem não se aplica. Os titãs são rendidos à natureza que os cerca, harmonizados na condição de membros em vez de alienígenas. É um misto de perspectiva e também de malandragem, pois as proporções estão todas alteradas, e é fácil perceber isto a partir dos eventos desenrolados a partir da segunda metade. Merece menção o diretor de fotografia Ben Seresin, não apenas por executar a visão de Adam, mas em como concebe, em contraste com a superfície, uma Terra Oca prismática, que reflete um arco-íris de cores celebratórias das boas ficções científicas e fantasias televisivas de meados dos anos 50 até o início da década de 60, por exemplo de Terra de Gigantes ou Star Trek.

Quando à diversão, sem dúvida o ponto alto de Godzilla e Kong é assistir aos monstros brigando em gravidade zero ou destruindo uma certa Cidade Maravilhosa, de um modo honesto: em vez de uma iluminação sombria, cores e claridade; no lugar da montagem picotada, uma que não abre mão da compreensão dos eventos pelo ritmo acelerado; os efeitos visuais reconhecem o peso e a dimensão dos monstros.

O maior problema do filme está no roteiro, e daí o subtítulo da crítica: os personagens só abrem a boca para diálogos expositivos e que subestimam a inteligência do público. Um bom exemplo é a introdução do destemido Trapper, com uma camisa florida e um cabelo semelhante ao Ace Ventura, de Jim Carrey. A referência é reconhecível por boa parte do público, mas o roteiro acha, por bem, explicá-la através de um comentário de Bernie. Uma decisão que não faz qualquer sentido, pois quem conhece Ace Ventura se sentirá subestimado e, para quem não o conhece, a citação é como um tiro no vazio. Só que o roteiro pode piorar, MUITO, e Rebecca Hall é eleita como porta-voz de diálogos expositivos, não somente para explicar, tintim por tintim, conceitos entendíveis só por imagens (ex. o que é o Projeto Potência?), como ainda para ilustrar o drama central da personagem em relação a Jia.

Esse continua sendo o ponto fraco do tal MonstroVerso: a dependência excessiva de personagens humanos, de seus dramas rasteiros e de diálogos descartáveis, que nada ajudam a aproveitar o que as imagens dizem e a diversão delas decorrente. Sabe onde está a ironia nisto tudo? Não só a personagem mais interessante do filme expressa-se através da língua de sinais, como os titãs dialogam com os olhares e ainda a telepatia é um conceito introduzido e desenvolvido dentro da narrativa.

Quem sabe quando a equipe criativa compreender que, produções iguais a essa talvez funcionem melhor com o mínimo de diálogos e a maximização da comunicação visual, haja Godzillas e Kongs memoráveis.

P. S. Caso o lançamento houvesse ocorrido meses depois do acidente da ponte em Baltimore, talvez não houvesse uma cena análoga em que Godzilla atravessa um rio derrubando pontes no caminho.

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar de:

Críticas
Marcio Sallem

Eu, Tonya

Antes mesmo de ser condenada por planejar o ataque contra a colega

Críticas
Marcio Sallem

O Relatório

Crítica de O Relatório, thriller político dirigido por

Rolar para cima