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The Girl With The Needle

3.5/5

Algumas histórias são indigestas o bastante para exigir a reflexão sobre quem, de fato, é o monstro do cinema de horror. Não é a criatura, é Victor Frankenstein; não é O Homem que Ri ou o Corcunda de Notre Dame, é uma sociedade discriminatória. O conceito de monstro está no coração de The Girl With The Needle (A Garota com a Agulha, em tradução livre), o mais recente trabalho do diretor sueco Magnus Von Horn (de Suor), que tem início perto do término da Grande Guerra (como, então, era denominada a 1ª Guerra Mundial), quando Karoline (Vic Carmen Sonne) é enxotada da pensão onde mora, por não ter como arcar com o aluguel atrasado com o salário de costureira.

Karoline muda-se para uma pensão caindo aos pedaços, e que parece saída de arte conceitual de O Gabinete do Dr. Caligari. Durante a estada, engravida do gerente da fábrica onde trabalha, e surpreende-se com o retorno do marido, que acreditava ter morrido na guerra, agora deformado. Após alguns acontecimentos, Karoline também conhece Dagmar (Trine Dyrholm), cujo trabalho é intermediar a doação de bebês não desejados para famílias de médicos ou advogados ricos e altruístas. A trajetória por que passa Karoline é perturbadora, acentuada pela consciência estética.

O preto e branco opressivo e de altíssimo contraste da fotografia de Michael Dymek constrói momentos de beleza (mórbida) indescritível, como aquele em que o marido de Karoline interrompe-se, no meio da escadaria, e o contra-luz o destaca do mundo ao redor, senão pelo olhar que brilha assustadoramente no escuro. Enquanto isso, a direção de arte de Jagna Dobesz remete o espectador ao cinema expressionista do início do século passado, a partir de planos que acentuam as formas e os ângulos, e até modernizam a ideia da casa da bruxa de João e Maria. É possível afirmar que a narrativa é um acréscimo ao neoexpressionismo popularizado recentemente por O Farol, homenageado de um jeito perceptível na edição sonora. 

Contudo, essa estilização envolvente esbarra na narrativa mal-desenvolvida e na jornada torturante da protagonista que não permite o espectador respirar um minuto sequer. Uma amiga de Karoline aparece, no meio da narrativa, para desencadear a subtrama que colocará termo à ação de Dagmar. Já o excesso de violências a que o espectador está submetido provoca um efeito alienatório, que não é muito diferente do que o ópio que Karoline ingere por conta de Dagmar. Fora isso, apesar de ideias visuais atraentes, é frustrante que Magnus não desenvolva algumas delas de modo satisfatório. Enquanto escrevo, até reflito, é preciso desenvolver? Talvez não, ainda que tenha me sentido incompleto pelas sobreposições dos créditos iniciais – que, de fato, ditam o tom da narrativa, ou pelos planos-detalhes dos olhos de Karoline, cujo propósito se encerra em si próprio.

E quando chegou o término da narrativa, não sabia dizer exatamente o que Magnus queria afirmar, se é que pretendia afirmar algo em relação à interrupção da gravidez. Parece que todo o estilo serviu só de panfleto para retratar a violência incorrida por mulheres no início do século passado, uma violência que, de algumas formas, ainda permanece contemporânea.

Crítica publicada durante a cobertura do 77º Festival de Cannes

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