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Mostra Competitiva Cinema Leva Eu de Curtas Comentada

O segundo dia do 1º Festival de Cinema de Xerém contou com a exibição da Mostra Competitiva Cinema Leva Eu de Curtas, uma sequência de produções realizadas pelos alunos da EBAV – Escola Brasileira de Audiovisual, através do projeto social Cinema Leva Eu.

Muitos dos curtas exibidos nessa mostra são inspirados em Xerém, trazendo relatos de moradores e até lendas locais, além de abraçarem as paisagens do distrito como cenário. É importante ressaltar que muitos moradores jamais haviam assistido um filme em tela grande e, em suas primeiras experiências, se deparar com tantas familiaridades amplia ainda mais o sentimento de identificação. Além do panorama educacional, esse caráter intimista é outro fator que torna o Festival de Cinema de Xerém tão convidativo.

A seguir, a ficha técnica dos curtas-metragens que compuseram a mostra junto aos comentários sobre cada um deles:

9 HORAS EM DEODORO

2022

18 minutos

Direção: Dorgo DJ

Atores: Mai Iam, Kauê Gabriel, Sabrina Azevedo, Henrique Anjos (Chal Enigma), Wladmir “Wlaad” Vieira, Gabriel Montsho “GB”, Onni, Capa Versa, Dudu Neves e Dorgo DJ

Gênero: Documentário

Roteiro: Dorgo DJ

O curta dá visibilidade à luta de um grupo de artistas de vagão nos trens e metrô do Rio de Janeiro. Os integrantes do grupo compartilham seus sonhos e aflições enquanto deixam a realidade mais possível através de sua arte. Tendo em comum as vivências periféricas e a cultura hip-hop, eles denunciam também os projetos de lei que censuram suas apresentações, a truculência dos agentes nas estações e vagões, assim como reivindicam o seu direito de expressam. Afinal, para alguns, a arte é tão necessária quanto o oxigênio.

O documentário alterna entre o depoimento dos integrantes e suas apresentações, não apenas com registros nos espaços ferroviários, mas no cenário urbano que o Rio de Janeiro oferece. Se a poesia que esses artistas declamam já nos impacta o suficiente, uma frase em especial nos desconcerta: “Em terra que museu pega fogo, nós levamos arte pro vagão”.

O curta recebeu os troféus Zeca Pagodinho de Melhor Filme e Melhor Direção, além do Prêmio Edna Fujii.

CARNAVAL CAOS

2023

15 minutos

Direção: João Pedroza

Atores: Erick Gabriel Rosa, Jorge Luiz Jeronymo, João Gabriel Lemos, Cauã Mello Leonardo, Juan de Souza de Oliveira

Gênero: Terror

Roteiro: PEDROZA.RAW

Em Carnaval Caos somos colocados diante do medo de um menino por bate bola, uma fantasia típica dos carnavais. Após ouvir de seus amigos falarem de supostos sequestros de crianças por um grupo de bate bolas, seu medo apenas se multiplicou. Porém, com a intervenção do tio e da figura de São Jorge, o Santo Guerreiro, o menino consegue voltar a apreciar a festa popular.

O mais impressionante no curta é o domínio da linguagem do terror. O uso de câmera na mão, luz e sombra, cores e o som das batidas em meio ao silêncio são alguns dos elementos que nos transportam para a mente do menino e vivenciar seu pesadelo. A forma como imagina o sequestro relatado, com as luzes verde e vermelha indicando a morte e a violência à espreita, me chamou a atenção. O diretor de fotografia é competente ao empregar a iluminação difusa em meio à fumaça. Também me impressiona uma tomada com a chegada do grupo de mascarados em meio às sombras em um contraplongée feito com a câmera na mão. O caos carnavalesco, de fato, emerge das telas.

O curta recebeu o troféu Zeca Pagodinho de Melhor Fotografia.

DANDARA

2023

12 minutos

Direção: Felipe Coelho

Atores: Lidiane Ribeiro, Well Padua, Hugo Lobo, Victor Maia, Junior Nascimento, Thiago Maciel, Antonio Martins, Erick Cavalcanti de Vasconcelos, Jonathan Vital, Juan Felipe de Oliveira Rufino, Derick Augusto R. Da Costa

Gênero: Drama

Roteiro: Felipe Coelho

Dandara, assim como nós, se vê espectadora de um “tribunal de rua”. Em seu caminho, ela se depara com um jovem negro preso pelo pescoço a uma árvore sob a custódia de dois indivíduos. Ao questioná-los, Dandara – que é defensora pública – chega até mesmo a ser ameaçada.

O curta se propõe explodir em tela o tema dos “vigilantes” e os “tribunais de rua” que, impulsionados pela política do “bandido bom é bandido morto”, acaba produzindo ainda mais violência à “pele-alvo”. A narrativa busca reproduzir uma situação que já se repetiu em diversos casos (eu mesmo já me vi no lugar de Dandara) e usar o audiovisual como instrumento de educação e denúncia. Principalmente por também evidenciar a necessidade de uma vítima de ser tutelada por uma defensora pública para que seus direitos sejam garantidos. O problema se encontra talvez na falta de tempo para desenvolver a situação e dar uma continuidade ao ocorrido, assim como a maneira previsível e expositiva com que a narrativa opta por revelar o verdadeiro culpado e se conclui.

O curta recebeu os troféus Zeca Pagodinho de Melhor Som e Melhor Trilha Sonora.

FNM: A VILA DE OPERÁRIOS

2022

15 minutos

Direção: Maria Carolina Gomes

Atores: Josafá Gonçalves de Carvalho, Elenirce Melo Cardoso, Eurilena Foster, Jonas Pedroza, Maria Cristina Selonke, Afonso Alberto da silva Ribeiro, Dalvo Rodrigues Lemos, Maria Aparecida da silva Cunha, Haroldo Júnior.

Gênero: Documentário

Roteiro: Maria Carolina Gomes

O curta documental remonta as memórias daqueles que viveram em uma vila operária no distrito fluminense. Eles narram a vida naquele microcosmo cujo coração era a fábrica. Cada um traz sua lembrança distinta daqueles tempos de outrora, sobre as casas, os bailes e a vida que tinham até o fechamento das portas da mantedora que ocasionou no despejo de alguns e a mudança no espaço físico da região.

Apesar de ser bem restrito, é um documentário que se propõe a manter viva a memória de um lugar. O olhar “estrangeiro” pode não dar o devido valor àquelas histórias, mas é reconfortante ver aquele grupo de pessoas se emocionar ao reviver seu passado. Vale também ressaltar a importância dada pelos realizadores durante a construção da imagem: o enfileirar de cadeiras em frente à cenários do passado, o explorar fotos antigas com delicadeza e o trazer registros audiovisuais de outra época, uma em que naquele espaço existia um cinema, inclusive. É um condensar do tempo em uma mesma camada, em uma mesma película.

O curta recebeu os troféus Zeca Pagodinho de Melhor Roteiro e Melhor Filme por Juri Popular.

NA RISCA

2023

15 Minutos

Direção: Mozá

Atores: Michael Robson Coutinho dos Santos, Marllon Jefola, MC TH, Jonathan Vital, João Victor Vieira (Jxao), Phelipe Cardoso, Fabiano Fernandes das Neves, Marcelo Andrade, Dinair Gomes, Sabat, Max dos Santos, José Fernando da Rocha, Marcia Sabatini da Rocha.

Gênero: Documentário

Roteiro: Mozá, Andressa Costa, Arthur Gama, Suzana Castro, Greg

O cotidiano de uma barbearia local é registrado sob os olhos de um jovem de Vila Canaã. O espaço do empreendimento é também um refúgio de lazer para seus frequentadores e uma oportunidade de mudanças e melhorias.

Ainda que restrito a uma única barbearia e não se aprofunde na cultura das barbearias da baixada, o filme faz seu alicerce sobre a importância social e econômica para aqueles que circulam por aquele espaço. Vemos irmãos que puderam prosperar e empreender em outros sonhos a partir do ofício de barbeiro, um ex-presidiário que teve uma segunda chance e clientes que encontraram conforto e acolhimento naquele local.

NINGUÉM VIA

2022

15 Minutos

Direção: Gabriel Leal

Atores: Laivas Rodrigues, Leandro Azevedo, Lucas Leal, Caio Braga.

Gênero: Drama

Roteiro: Gabriel Leal

Em Ninguém Via, Júlia está vivendo um dia conturbado quando recebe o pedido de ajuda de um estranho. Seria inusitado ser solicitado a acompanhar alguém para uma entrega de correspondência. Além do ato de escrever carta ser considerado ultrapassado, entregá-la pessoalmente é uma tarefa que demanda demasiado tempo e esforço. Mas o pedido passa a fazer um pouco de sentido quando Júlia percebe que veio de um cadeirante.

O filme tem por objetivo principalmente retratar a dificuldade de acesso e translado na cidade pela população cadeirante. Além de contar com estruturas que não foram adaptadas para atender suas necessidades, ainda precisa lidar com a falta de manutenção das estruturas já existentes como desnivelamento de vias e buracos causados pela falta de manutenção. A autonomia acaba sendo confiscada dessas pessoas, fazendo com que muitas vezes dependa da boa vontade de estranhos. Contudo é principalmente nesse recorte que o filme funciona. Ao abraçar uma trama fantástica para trazer uma narrativa de perdão e aceitação, o enredo acaba se utilizando de diálogos expositivos para trazer explicações e costurar forçosamente uma relação entre os personagens em tela, além de provocar uma transformação abrupta em sua protagonista. A maior dificuldade em produzir um curta metragem seja em conseguir desenvolver suficientemente o arco narrativo de personagens dentro de um curto espaço de tempo.

O curta recebeu o troféu Zeca Pagodinho de Melhor Ator (Leandro Azevedo).

ODISSEIA FLUMINENSE

2022

15 Minutos

Direção: Mateus Carvalho

Atores: Maju Brito, Leandro Azevedo, Flávia Martins Teixeira, Marçal Vianna, Dorgo DJ, Rebeca Falcão, Rô Ramos

Gênero: Drama

Roteiro: Mateus Carvalho e Marçal Vianna

O curta narra o retorno do primeiro dia de Odisseia como assistente administrativa em uma firma no Centro do Rio para um evento especial em sua casa, na baixada fluminense. Entre os vários percalços com que tem que lidar estão o atraso nos transportes, a insensibilidade de um chefe e o alto custo do deslocamento através de carros de aplicativo.

Odisseia é o nome do poema épico escrito por Homero que narra o retorno do herói Odisseu / Ulisses à sua casa. Assim como a protagonista, o herói também tem que lidar com diversos contratempos e inimigos ao longo de seu caminho de volta. Odisseia acaba servindo como uma metonímia para os trabalhadores do Rio de Janeiro que residem na baixada fluminense e seus penosos processos de retorno às suas moradias. O ponto alto do filme são os momentos silenciosos, onde a carga dramática é elevada. Neles conseguimos sentir o cansaço e acompanhar o esvaziamento de energia e esperança conforme Odisseia acumula frustrações em suas tentativas de chegar a tempo em seu compromisso.

O curta recebeu o troféu Zeca Pagodinho de Melhor Atriz (Maju brito)

PÉ DE CABRA

2023

16 Minutos

Direção: Bruno Santiago

Atores: Danilo Avilez, Godo Quincas, Ronie Patriniere, Maria Augusto, Flávia Martins, Fábio Dajô, André da Costa, Felipe Coelho, Sarah Montovani, Lara Miranda, Leonardo Bordignon, Adalton Pinto, Welinton Marinho, Thais Rop, Bruno Santiago, Madalena Braz de Oliveira, Cleyton Duarte, Helô Silva, Kathleen Gomes, Louis, João Vitor Rosa Silva, Marli A. P. de Souza, Valmir Borges da Silva, Vitoria Lira, Maria Luiza Detoni, Luana Amorim, Alehandro Duart

Gênero: Documentário

Roteiro: Bruno Santiago, Marcelo Peregrino, D’Andrade, Alehandro Duarte

A notícia da morte de um cidadão de Xerém provoca ainda mais burburinhos a respeito de uma das cabras que ele possuía. Baseado em uma lenda local, Pé de Cabra explora um pouco do misticismo popular aliando no mesmo conto elementos de terreiros e igrejas evangélicas – Baixada Fluminense é solo fértil para tanto sincretismo.

Misturando narração em off e depoimentos, Pé de Cabra nos entrega um mocumentário de terrir. Se os mitos acerca do caprino dividem a opinião pública entre fazer do animal um milagreiro incompreendido ou um Baphomet reencarnado, o diretor joga com essa dualidade brincando com os dispositivos cinematográficos à sua disposição aliado a um humor ácido de timing perfeito. Imediatamente o formato me lembrou outro mocumentário de terrir: O Que Fazemos nas Sombras, de Taika Waititi. Mas a maior referência que eu esperava era a de A Bruxa, de Robert Eggers. Infelizmente a cabra que dá nome ao filme não se revelou Black Phillip (risos).

O curta recebeu o troféu Zeca Pagodinho de Melhor Montagem.

QUEM FAZ O RIO?

2023

12 Minutos

Direção: Vitória Dias

Atores:  Altamiro Geraldo, Vania Cristina

Gênero: Documentário

Roteiro: Vitória Dias

O documentário traz um lado B mais realista do Rio de Janeiro que Manoel Carlos se recusa a mostrar. Essa riqueza de histórias e personagens do cotidiano da Babilônia tropical que é a região metropolitana do estado – aqui mais especificamente Belford Roxo, mas caberia em qualquer feira no subúrbio ou na baixada.

 Quem faz o Rio? responde também quem faz cinema no Rio. E a diretora debutante Vitória Dias prova que a baixada faz cinema de qualidade. Com uma montagem dinâmica, ela mostra o corre das pessoas comuns – e dela própria – mostrando o dia a dia de luta dessa região periférica, mas não sob uma ótica pessimista. A alegria e a esperança vêm em forma de sorrisos e uma palheta de cores saturadas. O curta documental ainda transborda criatividade ao lançar mão de inserções na edição para embutir os créditos iniciais nos letreiros das barracas. Simplesmente genial!

O curta recebeu o troféu Zeca Pagodinho de Melhor Direção de Arte.

UMA QUESTÃO DE ÉTICA

2023

14 Minutos

Direção: Marcelo Ribeiro

Atores:  Vitor Hugo Marins de Nascimento, Caio Braga dos Santos, Isadora Amam, Vitoria Lira, Franscesco Calisto, Leandro Oliveira de Azevedo, Kaio Patrick de Santana Neto, Gabriel Leal, Yuri Apolinario da Silva (BBL), Felipe Ferreira Evangelista, Rodolfo Corrêa Soares, Cleyton Duarte Carriço, Isabel schumann, Angellyns Goulart dos Santos

Gênero: Comédia

Roteiro: Marcelo Ribeiro

A chegada de um professor de filosofia nada ortodoxo desafia a percepção dos alunos de uma escola a respeito de ética e dilemas morais. No outro lado do sistema pedagógico está um diretor cujo pensamento vai em choque com o abraçado pelo professor e seus alunos.

A composição do professor, um homem negro ornado de uma toga, traz consigo o reflexo de uma figura messiânica. A postura dele também remete a um Morpheus à brasileira saído diretamente da Matrix para oferecer aqueles jovens uma degustação de verdade absoluta (ainda que devam questionar tudo). A construção do personagem sob essa amalgama dos arquétipos do mago e do fora-da-lei é curiosa, pois salta aos nossos olhos assim como ao dos alunos. Ao mesmo tempo, é pertinente para as discussões éticas que se propõe, já que esse Epicuro moderno assume que não está ali para ensinar, mas para desafiar. Porém, se o caráter transgressor do educador e seus alunos nos fascina, o maniqueísmo do diretor dilui o potencial do projeto. Também acaba sendo inevitável não remeter Uma Questão de Ética à Merlí, série espanhola sobre a didática de outro professor de filosofia que não costuma seguir cartilhas para ensinar seus alunos.

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