O dia de encerramento do 1º Festival de Cinema de Xerém contou com a exibição Mostra Competitiva Especial da Crítica de Curtas, uma sequência de produções independentes produzidas nas demais regiões do território brasileiro.
A seguir, a ficha técnica dos curtas-metragens que compuseram a mostra junto aos comentários sobre cada um deles:
ÁGUA VIVA
2024
09 minutos
Direção: Gabriela Araújo
Atores: Madu Olímpio, Aurélio Gaspar, Helena Figueiredo, Arthur Gregório
Gênero: Drama
Roteiro: Gabriela Araújo
Lua, uma menina de 17 anos e que mora com os pais, sai com os amigos de vez em quando e tem um irmão que é seu xodó. Uma vida “normal” (negligência, ódio, redenção, maus tratos, ansiedade e liberdade) de uma adolescente comum.
O curta procura centrar-se na experiência de sua protagonista e denunciar como um ambiente doméstico hostil pode levar uma adolescente repleta de sonhos a tomar uma última medida desesperada. Apesar de bem-intencionado ao tentar trazer conversas para dentro de tela, a obra se mostra imatura. Para além de seu roteiro excessivamente explicativo e expositivo, a condução da cena final merecia ser repensada. Exibir um suicídio em tela (ainda que interpretativo) é, por si só, uma escolha controversa. Porém, trazer essa cena com a personagem se despindo e se atirando de costas na uma piscina – e em câmera lenta – transmite uma sensação de leveza e liberdade. Essas escolhas formais acabaram por romantizar o ato, o que vai em sentido oposto ao proposto inicialmente.
O curta recebeu os troféus Zeca Pagodinho de Melhor Atriz (Madu Olímpio).
CARTAS PARA NOSSAS NETAS
2022
18 minutos
Direção: Julia Flor Duarte
Atores: Armindha Freire, Gleicy Souza, Luiza Amâncio
Gênero: Documentário
Roteiro: Julia Flor Duarte
Três mulheres negras cariocas compartilham suas vivências diante do racismo, misoginia e vulnerabilidade socioeconômica. O filme permite com que expressem suas realidades, o desejo de deixar um legado e a esperança no futuro.
Enquanto se propõe a dar voz à essas figuras, permitindo que compartilhem seus anseios e esperanças, o curta documental funciona. É quando rompe com sua estrutura de depoimento e abraça um tom místico com um ritual de sororidade, o filme perde parte de sua magia. Se por um lado é gratificante enxergar essas três personagens servindo de apoio umas às outras, as citações gratuitas de figuras femininas históricas acabam convertendo a película em um mero panfleto.
O curta recebeu os troféus Zeca Pagodinho de Melhor Direção de Arte.
CHAMADO
2023
1 minuto
Direção: Túlio Beat
Atores: Giovani Gomes, Eduarda Macedo, Carlos Raul, Rebeca Morgana
Gênero: Terror
Roteiro: Túlio Beat
Numa noite corriqueira, um policial recebe um chamado misterioso e vai averiguar essa ocorrência. Será mais uma pegadinha de seus colegas?
Chamado consegue nos oferecer quase dois minutos de pura tensão. Não se preocupar com prerrogativas ou nos fazer criar uma relação emocional com o policial foi uma escolha acertada. O formato found footage é suficiente para nos colocar dentro da situação. As edições e efeitos adicionados na pós-produção trazem ainda mais realidade para aquele cenário infernal. Apesar do pouco tempo de tela, piscar os olhos se torna um desafio. O espectador se concentra nos pontos iluminados dentro do vídeo à espreita do perigo. Me lembrou imediatamente os tempos que jogava F.E.A.R. Com poucos recursos disponíveis, o filme nos passa a mais genuína experiência de terror.
O curta recebeu os troféus Zeca Pagodinho de Melhor Filme, além do Prêmio Edna Fujii.
COMO MATAR UMA BONECA
2022
16 minutos
Direção: Alek Lean
Atores: Renata Coimbra, Gleyser Ferreira
Gênero: Terror
Roteiro: Alek Lean
Enquanto tira fotos em uma trilha, uma fotografa encontra uma boneca abandonada em seu caminho e a devolve numa casa próxima. A mulher que a recebe inicia um processo de tortura com o brinquedo.
Ao tentar trazer um filme de terror que denuncia o racismo, o trabalho escravo e o abuso infantil, o diretor nos oferece um espetáculo de horrores. Como Matar uma Boneca me faz lembrar do episódio em que um bebê é girado em um saco de pano durante a série Eles (Them), da Amazon Prime. Se no lugar da branquitude, assistir ao filme me provoca mal-estar, fico imaginando os gatilhos acionados no psicológico dos espectadores pretos. Em alguns momentos é necessário refletir sobre os limites durante uma produção que se proponha a exibir a experiência da diáspora e sua herança. Denúncia não deve servir de pano de fundo para o fetichismo da barbárie.
O curta recebeu os troféus Zeca Pagodinho de Melhor Roteiro.
DIVINA
2023
1 minuto
Direção: Flaviane Damasceno
Atores: Wilma Bento
Gênero: Ficção
Roteiro: Flaviane Damasceno
O arrebatamento ao acordar de uma senhora em seu ritual matinal envolvendo boletos e religiosidade.
Um registro poético do escapismo do cotidiano e suas batalhas. Uma narrativa resumida de uma mulher comum, sobrecarregada pela rotina e obrigações. A busca pela “iluminação” pelo divino, pela natureza…ou pelos boletos pagos da conta de luz. Três fontes de luz, assim como três dimensões, compartilhando o mesmo quadro. Mas, de certo, um respiro ao tempo de um suspiro.
O curta recebeu os troféus Zeca Pagodinho de Melhor Montagem.
EMARANHADAS
2022
8 minutos
Direção: Lara Sartório Gonçalves, Mariana Costa
Atores: Barbara Galvão Silva, Bárbara Valente Ferreira, Gabriela Santos da Silva, Kelly Martins dos Santos, Lorrayne Mariano Rocha, Mariana Reis Ribeiro
Gênero: Drama
Roteiro: Barbara Galvão Silva, Bárbara Valente Ferreira, Evilyn Quintino do Nascimento, Gabriela Santos da Silva, Kelly Martins dos Santos, Lara Sartório Gonçalves, Lorrayne Mariano Rocha, Mariana Reis Ribeiro, Mariana Souza Costa, Thayla Fernandes da Conceição
Em meio aos nós e as amarras refletidas nas complexidades de ser mulher, o filme retrata a rede ancestral de conexão da coletividade feminina que, mesmo diante de prisões invisíveis, dores e violências, segue em movimento conjunto em busca da cura e do autoamor.
Um curta experimental que reúne metáforas visuais sobre rede de apoio, sororidade, resistência e empoderamento. Fazendo uso de objetos simples como espelhos e redes de pesca, o filme provoca reflexões sensoriais através de sua decupagem.
O curta recebeu os troféus Zeca Pagodinho de Melhor Fotografia.
REI DAVI
2023
15 minutos
Direção: Misa Gonçalo
Atores: Alexandre da Silva, Lavínia Lima, Andrei Aguiar, Aline Caetano, Naira Pavão e Fábio Lemos
Gênero: Drama
Roteiro: Misa Gonçalo
O curta acompanha Davi, um garoto que convive com uma presença fantasmagórica em uma dimensão que somente ele acessa.
Com um desenho da imagem admirável, Rei Davi nos hipnotiza com o tratamento dado a fotografia na pós-produção. Rica em cores, texturas e efeitos visuais, a dimensão em que o espectro se encontra nos remete ao ambiente da deep web – obscuro, repleto de ruído e clandestino. Até o efeito sonoro empregado sobre a voz da criatura que o apavora com seus sussurros são como traumas, pensamentos intrusivos e os comentários maldosos de figuras anônimas no meio virtual. A questão da sexualidade é nos revelada aos poucos, conforme Davi se enxerga mais confiante na narrativa. Isso se dá também por, enquanto espectadores, sermos figuras tão estranhas quanto aquele espectro, apesar de observarmos invisíveis e quietos o desenrolar da trama. A única personagem que nos enxerga e se propõe a conversar conosco é a psicóloga, durante a quebra da quarta parede. Esse momento de ruptura da estrutura fílmica costura ficção e realidade com o objetivo de fazer uma denúncia. Apesar disso, o envolvimento do espectador com a narrativa acaba sendo comprometido, já que sua atenção é transportada de um ambiente ficcional estilizado para confrontar a realidade em forma de depoimento. Esse vai e vem de mundos acaba por diluir o ritmo da produção com as constantes interrupções afim de encaixar um discurso excessivamente didático. O curta funcionava magnificamente bem até resolver nos assombrar com o espírito de uma palestra.
O curta recebeu os troféus Zeca Pagodinho de Melhor Ator (Alexandre da Silva).
VERMELHO-OLIVA
2023
10 minutos
Direção: Nina Tedesco
Gênero: Documentário
Roteiro: Nina Tedesco
Uma sequência de registros sobre a relação de um avô militar e uma neta sindicalista.
O curta se arquiteta em cima de uma sequência de fotografias com uma narração em off. Por mais que busque explorar a relação entre duas figuras da mesma família, e que se encontram em polos políticos opostos, o filme não consegue criar uma relação emocional com o espectador. Além do mais, o cinema é uma arte construída por imagens em movimento. Mediante esse quesito, a produção falha por se estruturar apenas sobre imagens estáticas.
O curta recebeu os troféus Zeca Pagodinho de Melhor Direção.
JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 2 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico.