Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

Search
Close this search box.

A Flor do Buriti

5/5

A Flor do Buriti

2023

124 minutos

5/5

Diretor: João Salaviza, Renée Nader Messora

A Flor do Buriti traz às telas pela segunda vez o povo Krahô (Os diretores tiveram essa primeira experiência com A Chuva é a Cantoria na Terra dos Mortos, em 2018). Aqui vemos os indígenas da aldeia Pedra Branca lutar pelo reconhecimento de suas terras e pela própria existência em três linhas temporais diferentes. Enquanto o presente traz a participação dos protagonistas Pratpro e Hyjno nos protestos em Brasília, o passado doloroso é resgatado da memória e garantindo seu registro.

É interessante a escolha feita em A Flor do Buriti em trazer uma estrutura mista de documentário e ficção. Ora estamos observando o cotidiano daquelas pessoas e momentos ordinários e cruciais de suas jornadas, ora os eventos são encenados para revelar a memória do sofrimento que só reside – e resiste – no lado oprimido. Ambas trazem consigo uma poesia única desde sua captura até sua exibição, e mesclam vida e morte na mesma película.

O cotidiano de Pratpro, um dos protagonistas da obra

A primeira cena do filme já dita o tom do que virá a ser a reconstrução da memória. Nela, vemos duas crianças avistando um boi invadindo as terras da aldeia. Mais que um presságio, a chegada do animal é como um cavalo de Tróia e, ao mesmo tempo, uma bomba que irá explodir. Uma das crianças exige a mais nova, no alto de uma árvore, que dispare uma flecha no olho do animal. A câmera se posiciona de frente para a flecha e nos colocando devidamente no lugar de invasores.

Na encenação do massacre, enxergamos de dentro da aldeia, como uma terceira criança em fuga. Sentimos o desespero através do som diegético do que ocorre fora de campo. Ainda que reconstrua o evento conferindo realidade documental, o filme não se presta a fazer daquele um circo de horrores, apelando para o fetichismo da violência. A câmera também nos oferece deslumbrar aquela memória através de uma transcrição da oralidade, novamente conferindo um tom alegórico ao filme.

Em contraponto à limpeza étnica, o filme nos oferece um nascimento. O registro de um parto com o acolhimento de todas as mulheres daquela comunidade só foi possível devido a permanência da equipe de filmagens ao longo de quinze meses dentro da aldeia. E é alternando entre encenações e filmagens do cotidiano que A Flor do Buriti nos aproxima do povo Krahô.

A nova geração ou novo capítulo na história dos Krahô

Nessa narrativa onde a realidade e a encenação andam de mãos dadas, a luta dos povos originários acontece de diferentes maneiras. Seus costumes, crenças, histórias e ancestralidade fazem parte dessa manutenção diária da própria sobrevivência. Mas o deslocamento ao centro do poder político do país para reivindicar os seus direitos e a posse de suas terras é outro capítulo dessa guerra de muitas luas. Denuncia também os absurdos nos bastidores da formatura da primeira turma da Guarda Rural Indígena (GRIN), criada pelos militares durante a Ditadura Militar no Brasil. Esse último elemento ainda traz imagens de arquivo até então perdidas / escanteadas durante esse momento execrável da história do país.

Ainda que nos aproxime dessas pessoas, deve-se deixar claro que A Flor do Buriti não é uma obra construída plenamente sob o olhar indígena. Ambos os profissionais que assinam a direção são cupês, ou seja, pessoas brancas. Renée Nader Messora é uma diretora brasileira, enquanto João Salaviza é de nacionalidade portuguesa. Mas o que deve ser destacado é que apesar do olhar estrangeiro dos diretores, a sua obra não se envereda a um cinema etnográfico. Pelo contrário! Até mesmo a construção temporal da narrativa foge da linearidade, onde em alguns momentos nos deparamos com um registro de tempo que nos é estranho, e que muitas vezes parece se repetir, como se caminhasse em ciclos ou, simplesmente, estagnasse. Também existe uma poética fantástica no reconstruir a história sobre o buriti, a árvore que nomeia o filme. Tudo isso confere novas camadas de legitimidade à obra.

Hyjnõ no discurso de integração aos movimentos em Brasília.

A Flor do Buriti foi ovacionado em sua exibição no Festival de Cannes e recebeu o prêmio Um Certo Olhar (Un Certain Regard). Além de nos aproximar de uma narrativa indígena, o filme ainda leva a voz dos povos originários e suas reinvindicações para o resto do mundo. Pois o coro das nações originárias traz consigo mais do que um manifesto pela defesa da própria existência, mas também de proteção ao meio ambiente. E vale destacar a ironia que existe na figura do indígena brasileiro ser aplaudido de pé pela branquitude do velho continente, naquela mesma terra longínqua de onde vieram os invasores.

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar de:

Críticas
Marcio Sallem

Verlust

Um drama sobre indivíduos que vivem em uma

Críticas
Marcio Sallem

Transversais

O longa “Transversais“, que parte de projetos anteriores

Rolar para cima