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Motel Destino

3.5/5

Motel Destino

2024

115 minutos

3.5/5

Diretor: Karim Aïnouz

A expectativa sobre o sexo durante um thriller erótico

Uma das primeiras notícias que li a respeito do novo longa do diretor cearense Karim Aïnouz foi sobre sua recepção em Cannes. Além de ter sido ovacionado, muito se falava a respeito do conteúdo sexual do filme (francês estarrecido com sexo… chega a ser cômico). Eu procuro não criar expectativa sobre os filmes que irei assistir, mas era quase impossível chegar à sala de cinema sem qualquer curiosidade sobre o sexo que seria visto em tela. Se “motel” já está ligado à prática sexual no imaginário coletivo, o que Motel Destino já estaria causando no meu imaginário?

O erotismo como pedra fundamental da narrativa – Foto: Divulgação

Hotéis e motéis já foram cenários de diversas obras-primas do cinema. Entre os mais famosos, estão Bates Motel (Psicose) e Overlook Hotel (O Iluminado). E, assim como esses dois, Motel Destino é um personagem dentro da narrativa. É hipnótico observar as luzes neon no seu interior. E os tons saturados de rosa e verde pulsam na tela como indicativos das pulsões de Eros e Tânatos que consomem o trio de personagens principais. Para Heraldo (Iago Xavier), o motel foi um local decisivo em sua jornada. Ora armadilha, ora refúgio, o motel lhe rendeu trabalho e prazer. Para Dayana (Nataly Rocha), um cárcere onde paixão e medo são cúmplices. Já para Elias (Fábio Assunção), seu castelo.

Os eventos que levam Heraldo a se refugiar naquele não-lugar acabam sendo menos importantes que a dinâmica entre ele e os administradores do motel. A relação que aflora entre Heraldo e Dayana vai além do prazer carnal. Claro que o sexo é convidativo pelo ambiente em si, mas a ideia é ainda mais atraente por ser proibida. Para além do desejo, Dayana enxerga Heraldo como um passaporte para escapar da tirania de Elias. E Heraldo, por sua vez, também enxerga Dayana como alguém que ele precisa salvar de seu algoz. Principalmente após presenciar as primeiras manifestações de violência física.

Motel Destino é o castelo de Elias, ainda que seja mais frágil do que se fosse feito de cartas. Ele, por sua vez, se sente um rei apesar de possuir nenhuma majestade. Elias é um homem do sudeste – a terra da oportunidade na qual Heraldo pretendia se aventurar – cuja maior conquista foi empreender com um motel de qualidade duvidosa no litoral nordestino. Ele também é como um “leão velho”, que se deixa levar pela bebedeira e só consegue manter a presença de sua companheira através da força e do controle financeiro. Ainda que saiba que a permanência do jovem ameaça seu reino, Elias insiste em torná-lo cada vez mais íntimo. Existe um fascínio sobre Heraldo aliado a uma falsa ideação de cumplicidade que, obviamente, será traída. De uma forma ou de outra, o dono do motel está hipnotizado pela presença do faz-tudo.

Heraldo (Iago Xavier) e Elias (Fábio Assunção) se confrontam – Foto: Divulgação

O sexo é algo que hipnotiza a todos os envolvidos, dentro e fora de tela. Karim Aïnouz traz o sexo da maneira mais natural possível, sem nenhuma estilização de performance. Ele está no cotidiano dos personagens tanto graças ao cenário, quanto em suas respectivas psiquês. Elias convida Heraldo a espiar seus clientes praticando um ménage através das escotilhas. Ambos acabam também presenciando dois jumentos copulando no quintal. A todo momento escutamos gemidos de transas que acontecem fora do quadro. E nós espectadores, voyeurs em poltronas confortáveis, observamos silenciosos todas as investidas sexuais que o diretor insere na narrativa. Karim nos confronta com o ato de prazer de forma multissensorial. Até as luzes neon conferem tridimensionalidade e novas textura aos corpos nus. Quando exibe o coito de animais, é assertivo no que diz respeito à naturalidade do ato. E o som dos gemidos, que de início provocam desconforto, acabam sendo normalizados por nossos ouvidos. E dessa maneira, o diretor nos comprova seu posicionamento sobre o assunto. Também acaba denunciando nossa hipocrisia, já que nos provoca também a esperar um ménage entre os personagens centrais de sua trama.

Com essa tensão sexual dominando o ambiente, o thriller se desenvolve. É claro que existe uma disputa de papeis entre as duas figuras masculinas. Apesar de ser uma cena engraçada pela dança, é possível perceber uma maior interação e destaque entre Dayana e Heraldo e um deslocamento de Elias. Como se ele estivesse sobrando naquele espaço. O desenrolar da sequência, apesar de soar engraçado pelas falas de Elias – “Eu aposto que você já viu os mamilos da Dayana” – denunciam um pouco da violência do dono do motel para com sua companheira. Essa, inclusive, é uma das sequências que mais frustram a expectativa dos espectadores para um ménage entre eles. Ainda assim, conseguimos observar a evolução da relação clandestina entre Dayana e Heraldo tal qual observamos o relógio de uma bomba prestes a explodir.

Elias quase invisível no quadro. Dayana e Heraldo se destacam no primeiro plano / Os três compartilhando a mesma cama – Foto: Divulgação

Karim é bem versátil em como distribui evidências do escalonamento da violência dentro de seu filme. Os animais no quintal do terreno não estão lá apenas para nos lembrar das semelhanças entre nossos instintos sexuais. Cobras e urubus, seres relacionados à traição e morte, aparecem nas dependências do motel. A luz esverdeada nos corredores também nos faz perceber uma morbidez que existe na decadência do lugar. Até o uso do Dolly Zoom (ou Efeito Vertigo) nesses mesmos corredores importam elementos do thriller hollywoodiano para conferir descolamento da realidade e desequilíbrio emocional dos personagens que ali habitam. O que causa estranhamento é, apesar dessas escolhas formais, o diretor abandonar aquele cenário fascinante do motel para concluir o conflito do clímax na praia / estrada. Talvez a única quebra de expectativa que realmente decepcione seja o filme não se encerrar onde a trama se inicia.

Quando as luzes neon são apagadas, restam os corredores sombrios – Foto: Divulgação

Mas ainda assim, existem elementos que extrapolam aquele não-lugar que são interessantes. A própria quadrilha na qual Heraldo fazia parte e agora está a sua caça, por exemplo. Ela subverte estereótipos trazendo sicários LGBTQIAPN+. Balbina, a chefona do crime organizado da região, é também a artista plástica e fornecedora dos quadros que ajudam a compor a estética kitsch do motel. Outro personagem que não pode ser esquecido é Moco, um atendente esporádico que, assim como nós, observa os protagonistas transarem através da tela. Esse ainda possui um visual que, para mim, muito lembra ao de Kakihara (Tadanobu Asano), em Ichi – O Assassino. Apesar do pouco tempo de tela, eles são interessantes o suficiente para que queiramos saber mais sobre suas histórias de origem. A própria história pregressa do trio principal os coloca como seres conflitantes e que, ainda assim, espelham figuras comuns do nosso Brasil.

Motel Destino se constrói muito em cima do erotismo? Sim. Mas apesar disso, considero o filme muito polido e até puritano, se levar em conta o burburinho sobre essa temática. O sexo é um elemento essencial à narrativa que deveria ser recebido com mais naturalidade. O maior acerto do filme talvez esteja em frustrar o espectador no que diz respeito a uma cena sexual mais intensa envolvendo o trio. As interpretações também são elementos-chave do longa. Em especial a de Fábio Assunção, que não se deixa apagar ainda que seu personagem necessite estar deslocado no quadro. O tesão se perde apenas quando o filme abandona seu protagonista: o Motel Destino. E faz isso optando por uma perseguição deslocada que também se resolve precocemente, e sem o clímax que merecia.

Motel Destino estreia nos cinemas dia 22 de agosto.

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