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O Corvo

1.5/5

O Corvo

2024

111 minutos

1.5/5

Diretor: Rupert Sanders

Eu lembro de quando eu era criança e havia uma mística em torno do filme O Corvo, com Brandon Lee (Massacre no Bairro Japonês). Meu pai dizia que parecia uma maldição. Filho de Bruce Lee (Operação Dragão), a lenda das artes marciais, Brandon também falecera no auge de sua carreira e de maneira trágica. Durante as filmagens do filme de 1994, um acidente envolvendo uma arma do set tirou a vida do ator.  Apesar da tragédia, o filme foi lançado com parte de seu roteiro reescrito e dublês encenando algumas sequencias no lugar do astro.

O Corvo de Brandon Lee teve uma boa recepção e hoje pode ser considerado um clássico cult. Ele chegou a render mais três continuações que foram fracasso de bilheteria e uma série de TV que não passou da primeira temporada com outro artista marcial em ascensão: Mark Dacascos (Pacto dos Lobos). Duas décadas depois do primeiro filme houve projetos para ressuscitar a história de Eric Draven nas telas. Dessa vez, o filme estava previsto para 2019 e estavam a frente Corin Hardy (A Freira) e o ator Jason Momoa (Aquaman), mas ambos abandonaram o projeto. Finalmente o vingador romântico retornaria das páginas dos quadrinhos de James O’Barr para a tela. Agora o longa seria dirigido por Rupert Sanders (A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell) e protagonizado por Bill Skarsgård (It: A Coisa).

Eu busco sempre separar obras e tentar não fazer comparações, ainda que eu seja fã de determinado material. Mas existem diferenças nada sutis entre ambas as produções, tanto estéticas quanto ao desenrolar da trama. Nesse reboot, tudo se inicia com Shelly Webster (FKA Twigs) que está sendo perseguida por sicários de Vincent Roeg (Danny Huston), um senhor do crime com o dom sobrenatural de persuasão. Shelly se refugia em uma clínica de reabilitação, onde acaba conhecendo Eric Draven (Bill Skarsgård), que apesar de guardar um passado de violência se demonstra dócil com ela. O primeiro ato (introdução) do filme se debruça sobre esse relacionamento e o convívio de ambos na instituição e a sua fuga de lá. A produção dos anos 90 já não dedica tanto tempo de tela para o casal. Na verdade, as cenas envolvendo Shelly são poucas, mas se repetem em forma de flashbacks. Ainda assim, é possível captar o tamanho do amor e devoção que o Eric Draven de Lee nutria pela falecida noiva.

É claro que cada diretor escolhe a sua forma de contar uma história, assim como a forma com que nos direciona o olhar através da câmera. Sendo assim, Sanders possuía a liberdade de contar sua versão sobre a história do herói. Mas como toda escolha implica em uma renúncia, dedicar tanto tempo para a “fofura” do casal acabou atrasando a transformação de Eric e sua busca por vingança. Mas o maior problema nesse esforço em mostrar os dois, é que enquanto casal eles não nos convencem. Chega a soar infantil as declarações entre ambos. Em um questionamento sobre o que ela havia visto nele, Shelly chega a responder algo como “lindamente esquisito”. Além do carisma e expressividade de FKA Twigs serem insuficientes para tanto tempo diante da câmera, a permanência deles na clínica e os momentos de interação do casal é muito superficial para construir algo tão arrebatadoramente sólido.

Foto: Divulgação

O reboot também abandona muito do aspecto gótico que o clássico possuía. Apesar de adotar as vestes e maquiagens negras, o sombrio é deixado de lado. Aquela atmosfera escura que confunde o vingador com as sombras é deixada de lado. Também é deixada de lado a arquitetura gótica. Não vemos mais igrejas, tão pouco gárgulas. Até mesmo o espaço onírico é distante desse contexto. Acima de tudo, a nova versão de O Corvo nos oferece um filme estranhamente claro. Se as cenas de interação do casal são propositalmente solares, era de se esperar uma ruptura dessa construção a partir do evento que define o ponto de não retorno do protagonista: o assassinato dele e de sua amada.  Inclusive, já no terceiro ato, persistem as cenas bem iluminadas, mas com o “pretexto” de dar maior visibilidade à violência gráfica.

E por falar em violência, o novo Corvo aposta em efeitos computadorizados para produzi mortes mais gráficas, tanto do herói quanto dos vilões. Nas diversas investidas contra o reencarnado Eric Draven, acompanhamos seu corpo ser violentado e se recuperar. Na mesma intensidade o vingador devolve contra seus algozes. Com o uso de uma katana (mesma arma do vilão do filme original), chega a produzir o sorriso do Coringa de Heath Ledger em um dos capangas de Roeg. Mas por ser excessivamente estilizada, toda a violência acaba gerando divertimento e, até mesmo risadas. É como a violência dos filmes de Tarantino, por exemplo. Se trouxermos para o cinema de heróis, O Corvo (2024) possui a mesma classificação etária de Justiceiro: Zona de Guerra (2008): R – ou 18 anos aqui no Brasil. A violência de ambos é escatológica, apelando ao gore. Mas em nenhum dos casos, o filme é levado à sério.

Foto: Divulgação

Muito dessa descrença que se cria ao longo do filme é tanto por culpa de um vilão que não é tão temível, quanto um herói vingador que não transpareça estar com sangue nos olhos, ainda que esteja. Roeg possui um poder sobre as vítimas que nos aterroriza no imaginário. É como um demônio que possui suas vítimas induzindo pensamentos devastadores. Pode ser lido como depressão, pensamentos intrusivos… ou, de acordo com sua biografia, uma leitura de Fausto, de Goethe. Entretanto, o medo se dilui quando o vilão deixa de habitar o imaginário e passa à existir dentro do quadro. Já o personagem de Skarsgård é excessivamente estilizado. Todas aquelas tatuagens não possuem uma relevância narrativa . Inclusive, esses excessos acabam aproximando ele de outro Coringa, o de Jared Leto. Nesse caso, abandona a estética camp em prol do emo.

Vincent Roeg e Eric Draven – Foto: Divulgação

Talvez essa pasteurização do personagem tenha vindo como forma de torná-lo mais próximo do público dessa nova geração. O romance é infantilizado, oferecendo diálogos que aparentam ter sido escritos por pré-adolescentes e protagonizado por um casal sem química. Ao longo da narrativa, também nos deparamos com um aglomerado de informações que nos são entregues de forma jogada por um roteiro superficial. Não temos tempo para juntar as peças e compreender o cenário que liga Shelly a Roeg, tão pouco para experimentar o peso do luto que deveria ser vivido por Eric. Para os menos familiarizados com a mitologia do personagem, é difícil também identificar quem é aquele que convida Eric à missão de resgatar a alma de sua amada. Outro incômodo é o uso constante da câmera lenta para transportar de volta o herói do plano onírico ao de sua missão e que é abandonada nas sequencias de ação.

O conjunto de escolhas do diretor nos entrega um filme imaturo e atropelado. Os quadrinhos do Corvo se baseiam na experiência do luto de seu autor após o falecimento trágico de sua noiva e, portanto, carregam uma densidade emocional que se amplifica pelo cenário mórbido das madrugadas em uma grande cidade. Parece que esse visual dark só existe na estética do herói, e por motivações óbvias. O filme de 1994 também contava com uma trilha musical de peso que reunia representantes do punk, grunge e nu metal, como Rage Against the Machine, Stone Temple Pilots, Nine Inch Nails e Pantera. O reboot ainda nos decepciona por não trazer o mesmo peso. Até o hit Take What You Want, fruto da parceria de Ozzy Osbourne, Travis Scott e Post Malone ficou reservado apenas para o trailer.

O casal em mais uma cena “clara” – Foto: Divulgação

No fim, é basicamente isso: um filme sem peso. Dessa forma, me dirijo ao pássaro mordaz que oferece seus poderes ao vingador e questiono qual o nome daquele que seria digno de dar continuidade ao legado de Brandon Lee? O Corvo me responde: “Nunca Mais”.

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