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Tuesday: O Último Abraço

2.5/5

Tuesday

2024

111 minutos

2.5/5

Diretor: Daina Oniunas-Pusić

O filme pós-metáfora da A24 é um drama e fantasia sobre o luto

A A24 desempenha um papel essencial em ajudar a retirar o cinema de gênero da marginalidade em que teria sido colocado pelo cinema de prestígio ou “de arte”. Entretanto, por causa do terror, da fantasia e da ficção científica que integram parte do portfólio da empresa, a A24 é alvo de uma crítica recorrente e com um fundo de verdade: a de que costuma tornar o cinema de gênero refém de alegorias e metáforas, em vez de valorizar a expressão direta e até frontal dos gêneros. Basta que o espectador observe a quantidade de filmes da empresa que uma parte da crítica trata como uma alegoria disto, ou uma metáfora daquilo. Fale Comigo é uma metáfora da dependência química; Midsommar, do luto, etc.

Tuesday, que foi ‘premiado’ com o subtítulo horroroso e estraga prazer O Último Abraço, é um exemplo de um cinema pós metáfora ou pós alegoria, em que a figura de linguagem revela-se expositivamente em nível de texto. Isto retira da crítica e do público o direito de interpretá-la da maneira como preferir, de negociar significados ou teorias senão aquelas admitidas pela diretora e roteirista croata Daina Oniunas-Pusić. Desde o início, a arara que atravessa a via láctea, condenada a escutar os gritos, suspiros, e as súplicas daqueles à beira da morte, antes de lhes proporcionar, com o abrir de sua asa o descansa, convido o espectador ao misto de estranhamento e à interpretação: por que uma arara?

Daina propõe perguntas artísticas, sem resposta, e revela a metáfora da narrativa de modo claro. Zora (Julia Louis-Dreyfus) é incapaz de aceitar a inevitabilidade da morte da filha Tuesday (Lola Petticrew), uma doente terminal. Isto não é deixado ao alvedrio de textos ou vídeos explicativos, mas está inscrito na epiderme da narrativa. A diretora retrata, como uma fratura exposta, o luto vivido em vida. Um divórcio entre ações e desejos, de uma mãe que desaparece no mundo porque a vida deixou de fazer sentido quando a filha adoeceu e perde as oportunidades de estar na presença dela nos momentos escassos que ainda tem. A fantasia é um convite para apreciar o presente e a acomodar o luto futuro ainda em vida, construindo uma relação direta e não mediada com o público.

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Tuesday está acamada, monitorada por equipamentos modernos, embora assistida por uma enfermeira que mal parece haver saído da faculdade, vivida por Leah Harvey. Ela está em um quarto decorado com cores e objetos infantis, porque Zora ainda tem a esperança de que a sentença da filha não seja consumada. Zora mente sair para um trabalho que deixou há muito tempo, ganha dinheiro penhorando a mobília, os objetos, as memórias e adormece em um sonambulismo morto-vivo. Até a Morte (a voz de Arinzé Kene) aparecer no quarto de Tuesday para conduzi-la ao descanso eterno que aguarda. O roteiro não é diferente do que Ingmar Bergman realizou no jogo de xadrez de O Sétimo Selo, no fato de Tuesday barganhar com a Morte. Ela não pede um tempo adicional de vida, apenas que se assegurar que a mãe ficará bem depois de morrer.

Tuesday parece haver convivido o bastante com a ansiedade da morte que aprendeu a aceitar a inevitabilidade do próprio destino, dando-lhe a empatia para agir com altruísmo quando a Morte experiencia um ataque de pânico. Não é uma ideia original, mas é trabalhada com um misto de autenticidade e imaturidade. A relação entre Tuesday e a Morte é afetuosa o quanto pode ser consideradas as circunstâncias, e é imatura no momento em que vira uma festa do pijama com direito à raps. Quando Zora retorna à cena, a narrativa desanda – apesar de Julia Louis-Dreyfus.

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As boas intenções da narrativa não resistem ao fato de que a dor e o sofrimento de Tuesday são usados para aprendizado de Zora. A pedagogia da dor instrumentaliza a experiência do outro em proveito próprio. É pornográfica, eu diria, porque objetifica Tuesday, colocando-a no mesmo patamar dos objetos penhorados. Isto contraria Zora, que não quer objetificar a filha, apenas não sabe acessá-la naquele momento porque não engole a morte (hum, deixa para lá). Tuesday elabora um discurso confuso sobre deixar o ente querido partir, fazendo com que eu me sentisse mal quando me fez considerar a consequência de Tuesday permanecer viva. O decaimento da casa e do mundo de Zora. Um bom exemplo dessa instrumentalização do outro é o diálogo, “Levante-se, mulher”, transformando a memória em trampolim pessoal.

O roteiro toma decisões inesperadas, mas não sabe trabalhar as consequências. Ele fica no meio do caminho da promessa não cumprida, trabalha de um jeito inofensivo e pitoresco. É como observar uma ave, decapitada, batendo-se na janela de uma casa. É um momento curioso, que se basta pela curiosidade e nada mais. Eu penso na escalação de Dreyfus, também curiosa. A diretora explora a bagagem da comediante de Seinfeld e Veep e ajuda o espectador a enxergar quem Zora deve ter sido antes da filha adoecer. Uma mãe irreverente que confere textura a momentos de fantasia e absurdo dentro da narrativa. A atriz merece elogios por adoçar, com humor, a tragédia, sem retirar o peso dela. Entretanto, não basta para que Zora deixe de ser essa mulher, na sala de aula da vida, aprendendo que ninguém verdadeiramente morre quando vive para sempre dentro de cada um.

Tuesday: O Último Abraço está em exibição nos cinemas. Qual seu comentário sobre o filme?

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