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Hellboy e o Homem Torto

3.5/5

Hellboy e o Homem Torto

2024

99 minutos

3.5/5

Diretor: Brian Taylor

Resgatar Hellboy com uma narrativa de terror é um acerto dessa nova adaptação que carrega suas fragilidades

A primeira vez que me deparei com essa nova caracterização do Hellboy, confesso que torci o nariz. A última passagem do anti-herói pelas telas deixou um gosto amargo para quem tinha como referência o legado de Del Toro. David Harbour, uma promessa entusiasmada desde Stranger Things, reproduziu os mesmos maneirismos e rabugices que construiu como Jim Hopper. Além da sensação mista de reprise e estranhamento, ainda tínhamos que lidar com a ausência de nuances dramáticas provocada por uma maquiagem pesada e que obliterava expressões faciais mais complexas. O filme de 2019 não possuía um roteiro firme para se sustentar, nem mesmo uma construção visual estilizada que, ao menos, hipnotizasse nosso olhar.

Primeira imagem que deslumbrei de Jack Kesy como o personagem – Foto: Divulgação

A sequência de Del Toro havia nos inserido em um universo que trazia monstros históricos e folclóricos em uma mesma trama. Mais ainda, trazia toda uma ambientação fantástica e visualmente bela que costuravam elementos do steampunk e da art deco. O cineasta mexicano incorpora romance e luto em seu filme de apresentação do personagem. E, se o Hellboy de Ron Pearlman, trazia brutalidade e acidez, o Abe Sapiens de Doug Jones nos oferecia leveza e poesia. Os irmãos vermelho e azul tiveram suas caracterizações fidedignas e repletas de texturas e detalhes. Lembro de ter ficado com o olhar vidrado na tela, sentado na cadeira do cinema, no auge dos meus 13 anos de idade. O que carecia na adaptação de Del Toro eram os elementos formais do terror. Apenas na sequência de abertura, com a invocação do Destruidor de Mundos, é que o tom sombrio carrega a densidade de um filme do gênero.

A nova adaptação dos quadrinhos traz consigo esse elemento que faltava. Hellboy e o Homem Torto renuncia à atmosfera operística e abraça a aspereza do horror rural ambientado nos Apalaches. Mike Mignola, autor dos quadrinhos, assina o roteiro do filme para que finalmente sua criação tivesse esse elemento basilar garantido nas telas. Esqueça os metais reluzentes, as sombras neon, o fogo escaldante na tela. Nesse novo cenário, as cores da natureza perdem sua saturação. O verde é acinzentado; os metais, enferrujados. A direção de arte aposta em ambientes desolados, onde a madeira estala apodrecida e o odor pútrido de morte perpétua é capaz de atravessar a quarta parede em nossa direção. Ainda sobre as cores, até o vermelho característico do personagem perde sua intensidade escarlate para um tom mais opaco.

Brian Taylor, cuja filmografia se faz em cima do gênero de ação, mostra que domina a gramática do terror. Sua direção em Hellboy e o Homem Torto se debruça sobre o gênero indo muito além do jump scare – que são inseridos de forma pontual dentro da narrativa. O diretor consegue provocar tensão com sequencias nas quais o espectador se projeta para dentro daquele cenário enquanto aguarda o mal revelar sua face. O som acaba sendo um fator decisivo na construção dessa atmosfera lúgubre. A trilha musical extradiegética aliada às construções da edição sonora fornecem uma nova camada de desconforto vivida pelo grupo de heróis. A mixagem sonora ainda catapulta o sofrimento seja no bosque ou em ambientes claustrofóbicos através de gritos de silêncio.

O terror em cena muito além de jump scares – Foto: Divulgação

O Homem Torto nos arrepia com a sua presença fora de quadro, provocando a inquietação a respeito de seu alcance em nosso imaginário. A sua influência sobre o nosso medo também avanças conforme novos indícios macabros são colocados na trama.  Hellboy também não perde sua vertente investigativa. Como agente da BPRD (Bureau of Paranormal Research and Defence), o anti-herói se vê atraído para aquele mistério, mesmo que para proteger sua nada experiente colega e interesse amoroso (A agente Bobbie Jo Song, interpretada por Adeline Rudolph).  E, se explodirmos a tela e as páginas dos quadrinhos, observaremos que o “Homem Torto” (The Croocked Man) – ou uma versão dele – já rivalizou com Sherlock Holmes em uma de suas histórias.

O Homem Torto invadindo nosso imaginário – Foto: Divulgação

Quando as luzes se apagam

Mas boa parte da angústia criada pela onipresença do antagonista acaba caindo por terra quando este resolve se materializar para além de uma silhueta, ou vulto, dentro do quadro. O Homem Torto é bem mais assustador enquanto ideia do que como forma. Ainda que como Jeremiah Wiltkins remeta às elites locais historicamente opressoras, aquele corpo transparece mais debilidade que potência. A figura da bruxa Elffie Kolb (Leah MacNamara) já se destaca pois, quando atua, utiliza do corpo enquanto ferramenta de sedução e perversão. Contudo, aquele que parece mais aquém de sua capacidade é o próprio Hellboy.

Jack Kesy nos oferece um Hellboy bem mais contido. Apesar da postura niilista e da desenvoltura nas cenas de ação (O diretor constrói sequências bem articuladas e gráficas, assim como fizera em Adrenalina), ainda falta o sarcasmo tão característico do anti-herói. Até mesmo seu imponente charuto foi substituído por um…deixa quieto (risos). Hellboy acaba atuando como coadjuvante no arco dramático de Tom Ferrel (que, vivido por Jefferson White, de Yellowstone, consegue equilibrar vulnerabilidade e mistério). O grande conflito envolvendo o gigante vermelho diz respeito à sua genitora. Pela primeira vez, é trazido a tela o laço que ata o demônio à humanidade – Apesar de contar que sua mãe era uma bruxa, não se aprofunda na origem arturiana da personagem, que faria do anti-herói o legítimo Rei da Inglaterra. Se protagonista e antagonista perdem sua densidade ao longo da narrativa, quem se demonstra gigante em tela é o reverendo Watts. O sacerdote cego domina as cenas em que participa graças à magnitude da atuação do veterano Joseph Marcell. Foi emocionante poder reencontrar o eterno Geoffrey de Um Maluco no Pedaço, transbordando vivacidade ainda que em seus setenta e seis anos.

Hellboy e Tom Ferrell – Foto: Divulgação

O filme de Brian Taylor, com a assinatura de roteiro do criador do personagem, acerta ao apostar em uma produção de gênero para resgatar Anung Un Rama (verdadeiro nome do “HB”) das páginas para a grande tela. A escolha de adaptar um conto de uma publicação mais modesta ao invés de se atirar sobre um calhamaço na íntegra, ou em uma narrativa que abarque diferentes arcos do personagem também foi uma decisão oportuna. Ainda que essa proposta mais enxuta possa soar como um episódio piloto de séries de TV (digo isso pela textura da imagem e outros fatores estéticos que me trazerem a lembrança de Supernatural), a objetividade da trama permitiu a construção de sua atmosfera e do ardil que sequestra o olhar do espectador em uma experiencia aterrorizante. O desequilíbrio da obra se encontra na construção dos personagens principais em ambos os lados. Só é aceitável o apagamento do protagonista mediante a grandiosidade de seu nêmesis. Dada minha baixa expectativa inicial com o filme e apego ao legado de Del Toro (mea maxima culpa), acabei experimentando uma grata surpresa. Contudo, é um pouco desestimulante observar que o “calcanhar de Aquiles” de Hellboy e o Homem Torto está justamente nos personagens que concedem seus nomes ao título do longa-metragem.

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6 comentários em “Hellboy e o Homem Torto”

  1. Que filme ruim. Eu comecei a rir dentro do cinema.
    Pensei: já estou aqui, vou ver o fim.
    Não aguentei e sai da sala de cinema.

    1. Alvaro Goulart
      Alvaro Goulart

      O gosto é sempre subjetivo. O filme me agradou ainda que eu tenha apontamentos sobre ele. Eu já tive esse sentimento com o filme anterior, do Harbour. Mas conta aí o que te desagradou mais? Espero que não tenha sido o texto da crítica kkkkk

      1. Eu realmente gostei muito do filme, ele é um agrado pros fãs do quadrinho, entendo quem não goste, até pq muitos conhecem os filmes de del toro e não as hqs, só fico sentido de ver o pessoal tão agressivo (como se o filme fosse tão ruim quanto madame teia)

        1. Alvaro Goulart
          Alvaro Goulart

          Eu gostei bastante de terem trazido a linguagem do gênero do terror para dentro da narrativa. Infelizmente, alguns pontos ficaram a desejar. Mas o saldo foi bem positivo. Eu falo da minha relação com todos os filmes do personagem. Que bom que você gostou, Gustavo! Espero que tenha gostado do texto também! E sim, às vezes os ânimos ficam inflamados pra falar de alguns filmes.

    1. Alvaro Goulart
      Alvaro Goulart

      Mais um defensor do filme! Eu gosto de opiniões divergentes. Dois grandes amigos críticos também amaram o filme. Eu gostei bastante! O terror foi o melhor elemento, de longe! Mas, como falei, encontrei alguns problemas.

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